Privatizações. Chineses já ganharam 540 milhões com a EDP

Privatizações. Chineses já ganharam 540 milhões com a EDP


China Three Gorges vai receber dividendo de 108 milhões de euros pelo quinto ano consecutivo. Grupo tem uma remuneração de 4% no investimento feito em Portugal


A partir do próximo dia 18 de maio, o departamento financeiro da EDP vai ter de fazer uma transferência bancária que, embora se repita todos os anos, implica um volume apreciável de dinheiro em caixa. Serão colocados 108,3 milhões de euros na conta de uma empresa sediada no Luxemburgo, em que o destinatário final é a China Three Gorges (CTG), o principal acionista da empresa elétrica.

Desde que compraram 21,35% da empresa portuguesa, os acionistas chineses têm recebido aquele volume anual de dividendos, que antes da privatização iam para os cofres públicos.

Os investidores chineses pagaram 2,7 mil milhões de euros para ficar com mais de 780 milhões de ações da companhia, a partir de maio de 2012. Nesse ano, a venda foi concretizada ainda a tempo de os chineses receberem o dividendo anual, pelo que os ganhos com a empresa de António Mexia atingem 542 milhões de euros com o pagamento deste ano.

A EDP paga um dividendo bruto de 18,5 cêntimos por ação, o que no caso da CTG implica desembolsar todos os anos 144 milhões de euros. O grupo chinês recebe esse pagamento através de uma sociedade no Luxemburgo, pelo que a legislação fiscal portuguesa impõe uma retenção de 25% desse montante, a título de IRC. Assim, o que é efetivamente pago ao principal acionista da EDP fica em 108 milhões de euro por ano.

Em termos simples, a China Three Gorges consegue uma taxa de remuneração anual líquida de 4%, face ao investimento que fez em 2012. Se este volume de dividendos se mantiver, o grupo asiático demorará mais 20 anos a recuperar o dinheiro aplicado em Portugal.

Para onde foi o dinheiro Tal como na generalidade das privatizações, o encaixe com a venda da EDP foi utilizado pelo governo para amortizar a dívida pública. Ao utilizar o dinheiro das privatizações para pagar a credores, o Estado evitou financiar-se no mercado, numa altura em que o financiamento ao alcance das empresas e do Estado português era difícil e implicava juros elevados. Num país endividado face ao exterior, a transferência de ativos para investidores estrangeiros tende a ser a solução para evitar a subida da dívida, mas implica a perda de fontes de receita do Estado a longo prazo.

A privatização da EDP foi uma das operações mais emblemáticas dos vários processos de privatização dos últimos anos. Foi feita no início do mandato do anterior governo e no arranque do programa da troika, quando a perceção de país resgatado se impunha nos mercados financeiros.

O país vivia com juros elevados e com dinheiro do FMI e dos fundos de resgate europeus, e a venda da empresa serviu também para o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, frisar que Portugal era “atrativo para o investimento estrangeiro”.

Contribuição contestada Mas, uma vez feita a privatização, houve alguma fricção entre os novos acionistas e o governo. Os grupos chineses prezam a estabilidade dos investimentos que fazem no exterior, e em Portugal houve alterações regulatórias no setor energético que penalizaram a remuneração antecipada pela CTG.
A questão mais delicada tem sido uma contribuição energética extraordinária paga pelos produtores de energia do país, que é suportada em larga medida pela principal companhia elétrica do país. Era para ser extraordinária e aplicar-se apenas em 2014, mas os Orçamentos do Estado delineados desde então têm mantido essa tributação adicional – sobe contestação da China Three Gorges.

O episódio mais recente deste diferendo foi uma abordagem do chairman da EDP, Eduardo Catroga, a António Costa. Numa deslocação do primeiro-ministro à fundação EDP, o antigo ministro das Finanças deixou uma mensagem, captada pelas câmaras de televisão:“Os acionistas da EDP precisam de conversar consigo”, disse, numa tentativa de discutir o fim da taxa extraordinária e de outras alterações regulatórias com impacto nas contas da empresa, como o alargamento da tarifa social.

Mais tarde, Catroga admitiu, numa entrevista à “Renascença”, que as “preocupações dos acionistas” fizeram com que já se tivesse reunido com vários ministros e até com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.