Uber. Quatro condutores contam ao i a sua história

Uber. Quatro condutores contam ao i a sua história


Manifestação contra a Uber está marcada para hoje e promete paralisar as grandes cidades. Já há quem peça a apreensão dos carros e que os motoristas sejam multados. Do lado da Uber, os motoristas dizem que há mercado para todos e pedem convivência pacífica. O i foi ouvir a história de quatro condutores desta plataforma…


O que têm em comum Alexandra, Andreia, Gonçalo e Pedro? Foram condutores da Uber, alguns ainda são e outros coordenam operações ligadas a esta plataforma. Comodidade, simplicidade, transparência e facilidade são algumas das vantagens apontadas ao i por estes condutores. Mas nem tudo são vantagens. Os quatro reconhecem que a profissão tem enfrentado maiores riscos nos últimos meses, tudo devido ao descontentamento dos taxistas. Neste momento, a aplicação já conta com mil motoristas no mercado português.

Ainda esta sexta-feira está marcada uma manifestação dos taxistas que promete “paralisar” Lisboa. Estão também previstas marchas lentas em Faro e no Porto. Os números falam por si: esperam reunir mais de oito mil pessoas e quatro mil viaturas. A luta é a mesma dos últimos tempos e o alvo é o de sempre: a Uber.

O Ministério do Ambiente, que tem a tutela dos transportes, anunciou esta semana que vai criar um grupo de trabalho para avaliar se será necessário ajustar a legislação vigente para se regular melhor plataformas como a Uber, um serviço de transporte de passageiros em viaturas ligeiras que é concorrente dos táxis.

Mas para conhecer esta realidade, nada melhor do que conhecer a história de quem está ao volante destes carros.

Pedro Matos foi um dos primeiros condutores da Uber em Lisboa. Começou a sua atividade em julho de 2014, no primeiro dia da operação em Portugal. “No início foi um desafio muito grande porque ninguém sabia muito bem como é que tudo ia funcionar. Já fazia serviço de motorista porque a atividade de corporate sempre existiu em Portugal”, garante ao i. Ainda assim, reconhece que o serviço rapidamente evoluiu, tornando-se muito dinâmico. “Este conceito veio transformar completamente as opções dos cidadãos nas grandes cidades”, acrescenta.

Também a preocupação do condutor está orientada para os interesses do cliente, lembra o ex-motorista, que está atualmente a coordenar as operações de um grande parceiro da Uber depois de ter trabalhado como condutor para esta plataforma durante um ano. “Todo o serviço que é prestado está virado para a segurança, conforto, comodidade e conveniência. E como o motorista é avaliado pelo utilizador, tem todo o interesse em prestar o melhor serviço. A Uber abriu portas a algumas pessoas que se sentiam inseguras em andar de transportes à noite, como é o caso do sexo feminino, porque podem partilhar em tempo real com a família ou amigos o percurso que estão fazer”, diz.

Daí os cuidados que são tidos no momento de escolha do motorista. “Há sempre uma garantia que é dada. São motoristas idóneos, sem antecedentes criminais. Se tiver, por exemplo, uma multa por conduzir com álcool há menos de cinco anos, não é admitido”, refere.

Tudo é faturado Para o cliente ainda há mais vantagens. Pedro recorda que os clientes, ao reservarem um serviço na Uber, têm acesso à mais variada informação acerca dos motoristas, como o nome, o telefone, a matrícula do carro e informação sobre o tempo real de chegada, o que, no seu entender, dá uma grande garantia de segurança. “Ao mesmo tempo, os utilizadores têm a possibilidade de aceder ao seu histórico, ou seja, ficam a saber todos os motoristas com quem viajaram, os percursos que fizeram, a hora da recolha e a hora da largada.”

Um cenário bem diferente do serviço tradicional de táxi. “Em todas as viagens da Uber é emitida uma fatura, não há forma de fugir aos impostos, ao contrário do que acontece com os táxis, em que a grande maioria não declara as viagens que faz e só emite fatura quando o cliente pede.”

Em relação à polémica com os taxistas, o ex-condutor aponta o dedo ao setor. “Sei de casos em que os carros foram vandalizados, os condutores agredidos mesmo com clientes dentro do veículo, mas a Uber continua a prestar o seu serviço e o taxista que agrediu vai ser identificado e arrisca-se a ter sérios problemas”, salienta.

Maior segurança Saber quem conduz e saber quem entra no carro é uma das grandes vantagens apontadas por Alexandra Rosas. Foi motorista durante alguns meses da Uber, tendo entrado nesta atividade em janeiro passado, mas depois de ter sido mãe dedicou-se à tarefa de gerir 12 carros – envolvendo cerca de 20 motoristas distribuídos por dois turnos, 24 horas por dia – para esta plataforma. “O cliente sabe semprom quem está e os motoristas também sabem quem é que vão apanhar, porque os utilizadores são obrigados a dar os seus dados. No caso dos táxis, nunca se sabe quem é que entra e quem sai”, lembra ao i.

A ideia de ser motorista foi sugerida pelo marido. Na altura tinha uma carrinha que transportava turistas e o objetivo foi rentabilizar essa atividade. “Faço um balanço muito positivo, os clientes eram cinco estrelas e era uma atividade rentável”, garante.

Os cuidados com os clientes são outra das vantagens apontadas. “O carro está sempre impecável, a limpeza nunca é descurada e os motoristas são sempre muito educados e respeitam ao máximo o cliente. É impensável ter o volume de música muito alto”, refere.

Em relação à sua convivência com taxistas, não tem qualquer reclamação a fazer. “Nunca tive problemas desde apanhar clientes à frente das paragens de táxis e também no aeroporto. Sei que houve alguns conflitos com os meus colegas; se calhar, por ser mulher foram evitados confrontos.”

Ainda assim, acredita que o problema poderia ser resolvido de outra forma porque “há mercado para todos”. “Não são necessárias tantas guerras”, salienta a ex-condutora, agora com 26 anos.

Polícia manda parar Gonçalo Leite tem 26 anos e entrou na Uber em janeiro de 2016. Como estava a estudar, andava à procura de um part-time e foi através do Facebook que viu um anúncio para motorista. Foi à entrevista e aceitou o desafio. Neste momento continua a ser motorista da plataforma duas vezes por semana (sextas e sábados à noite) e no resto do tempo coordena operações na empresa parceira da Uber. O balanço não podia ser mais positivo e Gonçalo acredita que a experiência é para continuar, apesar de admitir que nos últimos meses tem existido uma maior tensão no desenvolvimento da atividade. “Há determinadas zonas de Lisboa que são mais problemáticas e que exigem cuidados redobrados”, garante o condutor ao i. O aeroporto e locais onde se concentram bares e discotecas de divertimento noturno são vistas, por Gonçalo, como zonas “quase a evitar”. A explicação é simples: é onde a pressão é maior.

No caso do aeroporto, os problemas não são apenas com os taxistas – também as próprias autoridades policiais não facilitam a tarefa. “É frequente irmos buscar um passageiro ao aeroporto e a polícia mandar-nos parar. É incómodo para o cliente, porque depois da viagem tem de esperar uma eternidade para poder seguir viagem, e para nós, que perdemos muito tempo a mostrar toda a documentação para depois podermos continuar a fazer o nosso trabalho”, revela.

Incómodos esses que acabam por ir contra o conceito da Uber – simplicidade e comodidade –, mas ainda assim os motoristas conseguem encontrar fórmulas de contornar a situação. E esses cuidados redobrados ganham maior dimensão quando estamos a falar de motoristas do sexo feminino que, geralmente, saem das escalas noturnas para evitar desagradáveis surpresas. “Pedimos aos clientes para não pararem nas paragens de táxi e esperarem por nós um pouco mais à frente ou mais atrás”, acrescenta. Durante uma altura, a operadora para quem trabalha e também coordena evitou fazer serviços nessas zonas, mas o caso já foi ultrapassado. “Não faz sentido deixarmos de apanhar os clientes no aeroporto ou no Cais do Sodré só porque os taxistas estão descontentes com a concorrência”, revela.

A verdade é que os clientes não se sentem incomodados com esta situação e continuam a procurar estes serviços. A taxa de sucesso e a fidelização dos clientes é elevada, garante Gonçalo Leite. “É comum encontrar um grupo em que só um dos elementos tem a aplicação, mas os outros mostram-se muito curiosos e acabam por não resistir à facilidade, segurança e qualidade do nosso serviço”, diz o motorista.

Preços mais competitivos Mas as vantagens, de acordo com Gonçalo, não ficam por aqui. Também os preços que são cobrados são considerados mais competitivos. E dá como exemplo a transparência que existe em termos de valores. “Todos os clientes sabem quanto vai custar em média o serviço porque os preços estão tabelados. E ao mesmo tempo, não têm de se preocupar em ter dinheiro consigo porque tudo é pago com cartão de crédito.”

Aliás, a qualidade é uma das grandes preocupações da empresa e um dos critérios que, de acordo com Gonçalo Leite, diferencia este serviço de transporte em relação ao serviço tradicional de táxi. “Há um maior controlo de qualidade. Todos os motoristas da Uber são avaliados e se houver uma classificação menos simpática são obrigados a fazer testes, nomeadamente de qualidade de serviço, e isso não acontece com os taxistas.”

Para já, Gonçalo ainda não teve nenhum problema grave com taxistas, apenas agressões verbais. Mas conhece outros condutores que já foram confrontados com situações em que os ânimos estavam mais exaltados. “Insultarem os motoristas, atirarem ovos para o carro ou até mesmo pontapear o veículo já são situações que, infelizmente, são comuns no nosso dia-a-dia”, acrescenta.

Em relação à paralisação de taxistas agendada para esta sexta-feira, o condutor diz que o serviço vai funcionar com normalidade, mas os motoristas vão evitar passar pelas zonas onde está marcada a manifestação. “Inicialmente pensámos em não funcionar, como fizemos com a última grande paralisação, mas mudámos de ideias. Não faz sentido deixar de prestar o nosso serviço só porque os taxistas, e eles têm as suas razões, estão a manifestar-se contra ele”, conclui.

Taxistas adaptados Andreia Pinheiro já fazia transporte privado de clientes quando foi convidada, em dezembro de 2014, para trabalhar para a Uber. Respondeu ao desafio de forma natural e tornou-se uma das primeiras motoristas desta plataforma no Porto. Pouco mais de seis meses depois abandonou esse trabalho para se dedicar a projetos pessoais. Do trabalho que desempenhou tem boas memórias, mas reconhece que a tarefa agora é bem mais difícil. “Nunca tive problemas com taxistas e, no início, nem sequer se apercebiam da nossa existência, pelo menos nos primeiros dois meses. Os problemas foram-se agravando com o tempo, mas várias vezes fui abordada quando estava a apanhar ou a largar clientes e acusavam–me de estar a roubá-los”, confessa ao i.

Agora, a história é outra. “Desde a minha saída até agora, aconteceu muita coisa, principalmente à noite, quando os meus colegas são abordados por taxistas que os barram, atiram ovos mesmo quando transportam passageiros, vandalizam carros, abrem as portas e tiram os colegas à força para fora do veículo”, revela.

As queixas vão-se amontoando nas esquadras da polícia, o sentimento continua e é comum a quem tem esta profissão: receio. “Sentem-se inseguros não só quando estão parados, mas também quando estão a circular, principalmente se levam passageiros, porque nunca sabem quais são as consequências dessa revolta.”

Andreia, agora com 35 anos, confessa: “Não é fácil ser condutora da Uber. Da última vez que recorri a este serviço, o motorista perguntou-me se não me importava de ir para a frente porque íamos passar por uma zona com muitos taxistas e não queria problemas.”

Apesar de todos estes entraves, a ex-condutora garante que não há serviço melhor do que este. “Há pequenas regras que fazem toda a diferença. Os condutores Uber não podem mastigar pastilha elástica nem cuspir, os carros estão sempre limpos e não podem cheirar a tabaco.” Um episódio que ainda hoje recorda da última vez que recorreu a um serviço de táxis, mas admite que há exceções. “Há bons e maus taxistas e há bons e maus táxis, mas a perceção geral que temos não é muito boa. A partir do momento em que o cliente tem um serviço alternativo e pode optar, à partida tem uma atenção completamente diferente”, acrescenta.

Andreia destaca ainda a diferença de preços. “Para uma viagem curta ou média, é igual ou ligeiramente mais barato do que um táxi. Para uma viagem mais longa é muito mais barato, pois não cobra bagagens nem tarifas de chamada. Na Uber há um preço fixo em que o cliente paga o preço por quilómetro e por minutos. Pode, por exemplo, ir de Lisboa ao Porto sempre ao mesmo preço.”

Para os taxistas, deixa um recado. Em vez de lutarem contra a Uber, deviam reivindicar a redução das licenças e das taxas que têm de pagar que, no entender de Andreia, são “um absurdo”. Uma ideia que não é seguida. “Os taxistas preferem ter o monopólio do mercado e pagarem todas as taxas que têm de pagar do que terem concorrência. Não acho que faça grande diferença fazerem greve de seis em seis meses e paralisarem tudo. E é óbvio que mais cedo ou mais tarde vão ter de se adaptar à nova realidade porque a Comissão Europeia vai ter de intervir”, diz.