Esta foi a semana em que Obama veio à Europa assistir ao que o tempo faz aos amores de verão. Em julho de 2008, ainda candidato à Casa Branca, foi acolhido em Berlim por uma multidão em delírio que o teria aclamado Presidente dos Estados Unidos da Europa se a oportunidade tivesse surgido. Em abril de 2016 foi genuíno na explicação do lugar do Reino Unido no mundo se fora da União Europeia, envolvendo-se na campanha anti-Brexit, uma campanha que cavalga o delírio do regresso à glória do Império Britânico.
Não voltou a Berlim, preferiu o terreno mais favorável de Hanôver para montar a banca da venda do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership, o acordo de comércio em negociação entre os EUA e a União Europeia) a uma Alemanha que, com a ajuda de Edward Snowden, perdeu a inocência e deixou de acreditar na bondade americana. Mesmo longe de uma Berlim esquerdista, Obama teve à sua espera uma nutrida dose de manifestantes anti-TTIP.
Obama, em funções até janeiro de 2017, é a última esperança do TTIP: nenhum dos candidatos a sucessores, por diferentes razões, gosta do acordo. O ano de 2017 trará campanhas eleitorais a França (presidenciais) e à Alemanha (legislativas). Nem Hollande nem Merkel querem qualquer pretexto para movimentos de contestação que possam federar descontentes de vário pelo. O tempo negocial para o TTIP esgota-se no final de 2016.
O TTIP tem uma dimensão tradicional de pautas aduaneiras e tarifas, a menos importante, a que junta uma ambição de criação de standards comuns aos EUA e à UE na regulação de atividades económicas. Este é um acordo sobre escolha e nível da regulação que cobre áreas como os direitos sociais e as condições de trabalho, o ambiente, a segurança alimentar… Se bem-sucedido, daria facilmente origem a novos standards mundiais, capazes de assegurarem uma vantagem competitiva duradoura à produção de bens e serviços ocidental (entenda-se americana e europeia).
Esta é uma oportunidade de preservar alguma hegemonia ocidental durante mais uma geração. Não tenhamos dúvidas: sem TTIP, dentro de 30 anos, os standards económicos e regulatórios virão da confluência da China e da Índia. E não há quaisquer garantias de que tais standards regulatórios serão melhores para os europeus.
As diferenças na barganha resultam da vontade francesa de abertura dos mercados públicos dos EUA e o fim da cláusula “buy American”, mesmo se limitada a 50% do valor dos concursos. Na Alemanha, a desconfiança para com o amigo americano passou para lá dos verdes e da extrema esquerda e é agora transversal, com uma maioria da população a considerar que o TTIP põe em causa o seu modo de vida (direitos dos consumidores, qualidade dos produtos alimentares, ambiente, agricultura biológica, acesso aos tribunais…). Em Itália não se confia no respeito que os EUA possam vir a mostrar pelas denominações de origem controlada em matéria de produtos alimentares (uma bandeirinha italiana estampada na embalagem não chega para transformar um produto lácteo da Pensilvânia em mozarela italiana).
E em Portugal? Seria muito útil uma análise honesta, produto a produto, serviço a serviço, que permitisse perceber o que poderiam ganhar em quota de mercado os exportadores portugueses. À cabeça devemos estar interessados em proteger as denominações de origem para produtos agroalimentares, um dos segredos lusitanos que poderá permitir vir a ter exportações de produtos portugueses com elevado valor acrescentado para um mercado muito atento à qualidade e à autenticidade.