O póquer, como jogo, baseia-se em utilizar uma parte da realidade, aquela que um jogador conhece em exclusivo, para este tentar alterar a perceção do conjunto da realidade que os outros jogadores têm.
Por isso baseia-se muito na capacidade de “convencer” os outros duma realidade global que, de facto, não existe.
Os jogos políticos, no sentido trivial do termo, têm por vezes muito de póquer, e esta abordagem é passível de ter sucesso a curto prazo.
Mas a abordagem predominante “de póquer” não é suscetível de ter sucesso a médio e longo prazo, porque dessa forma os povos não podem fazer as escolhas persistentes de investimento empresarial e de formação e qualificação pessoal, dado que não podem ter uma perspetiva fundamentada de estabilidade do quadro operacional em que irão atuar no futuro.
E daí a diferença abismal que distingue um estadista de um “político de ocasião”.
Por maioria de razão, um verdadeiro empresário tem de saber construir paciente e persistentemente novas realidades, baseadas em projetos de investimento, no recrutamento de colaboradores e em tecnologias que têm em vista criar produtos e serviços que satisfaçam os interesses da sociedade em que se inserem.
Uma aposta num investimento empresarial é sempre um “risco e um desafio ao futuro” que se prolongará por muitos anos, às vezes mesmo por várias gerações. Por isso os empresários se baseiam no “risco calculado”, tanto quanto possível minimizado por ser fundamentado nas análises de mercado e nas tecnologias, a fim de se poder garantir a segurança de todos os envolvidos no investimento e, desde logo, os trabalhadores, empresários, bancos financiadores, clientes e fornecedores.
Ora Portugal tem sido, desde outubro passado, ator involuntário de um formidável jogo de póquer, jogo esse que permitiu ao atual primeiro-ministro alcançar esse lugar depois de ter perdido as eleições mas que, ao mesmo tempo, se transformou num “bluff” que é um risco permanente sobre a consistência da mais importante aposta da sociedade portuguesa a médio e longo prazo: a permanência de Portugal na moeda única europeia, o euro.
A prosperidade económica dos países da União Europeia e, por maioria de razão, dos países do euro, baseia-se na competitividade de que as empresas instaladas nos respetivos territórios têm de dispor para sobreviverem no mercado global.
A moderna solidariedade europeia do pós-guerra, desde as suas origens no Tratado de Roma, baseia-se na construção de um enquadramento legal e político que permita a “todas as suas empresas competir com regras abertas e idênticas em todo o espaço europeu”.
É daí que desejavelmente se cria a riqueza que permitirá manter o “pilar social da Europa”.
Por isso, os Estados tudo devem fazer para que os seus cidadãos mantenham as suas poupanças nos seus países e para que essas poupanças sejam utilizadas para investir em empresas que criem emprego nesses mesmos países.
Por maioria de razão, isso deve acontecer em Portugal, país acabado de sair de um resgate que tem ainda uma muito elevada dívida pública e privada, onde as empresas estão no geral muito descapitalizadas e em que o Estado absorve uma parcela desmesurada de riqueza criada.
Tudo aquilo que, no póquer político que temos vindo a viver nos últimos seis meses, contribua para atrasar investimentos nas empresas portuguesas, ou para afugentar a captação de capital estrangeiro para o nosso país, só cria desemprego e põe em risco a coesão social e a permanência de Portugal no euro. Além disso, e por arrastamento, enfraquece ainda mais a estrutura financeira das empresas e, por consequência, a da nossa banca, pelo aumento do crédito malparado a que tal inevitavelmente vai conduzir.
Por isso, criar as condições que estimulem o reforço dos capitais das empresas portuguesas deveria ser hoje uma prioridade, como já foi referido publicamente pelo atual ministro da Economia, Caldeira Cabral, o que todavia não teve ainda qualquer tradução prática, mas que a deve ter a curto prazo, mesmo que isso implique acabar de vez com o póquer político atualmente em exibição.
Assim o exige a construção de uma democracia de qualidade em Portugal.
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”