Uma sociedade de adolescentes


A felicidade é um bem precioso de mais, para poder ser mal disfrutada. Daí que a cultura da adolescência não seja boa conselheira, enquanto modo de vida, para os não adolescentes


“Ninguém pode ser feliz todos os dias.”
Joana Câncio
Atriz

Este, será provavelmente um texto ou pouco lido ou muito pouco aceite e consequentemente compreendido. Porque vai contra a corrente das vidas de muita gente. E porque procura abordar coisas que quase todos, sabemos existirem, mas que teimamos, em pôr debaixo dos tapetes da vida.

Refiro-me a uma sociedade que considero podermos qualificar como sendo de adolescentes. É isso mesmo. O que muitas vezes nós somos. Novos e sobretudo maduros e quase velhos. Uns mais do que outros, é certo. Mas que teimamos em viver quase sem dar por isso, como se fossemos adolescentes. Em particular na exigência de direitos e direi mesmo por extensão, das liberdades e das garantias espirituais e materiais. Exigimos o que já exigíamos há décadas. Direitos, comodidade, descanso, conforto e sobretudo festas e amor. Vivemos com uma cada vez maior infantilização do adulto. Isso mesmo. Nós adultos estamos a cultivar e a achar que o nosso estado normal é sermos infantis e adolescentes, sobretudo no capítulo do imaginário para o real, de brincar ao amor e a tudo o que está a si associado. Ainda por cima na geração medíocre da internet, que nos dá a falsa sensação que sabemos tudo, e o mais grave, de que temos direito a quase tudo. Acresce a tudo isto, que na sociedade do espetáculo, onde obrigatoriamente temos de ser atores, cultiva-se muito o generalismo e a exigência do imediato. Acresce, que desconfiamos e fazemos mal muitas vezes a quem é bom para nós. Isso mesmo. Isso acontece sobretudo nas amizades e nas famílias. Que a esse nível esquecemos dos que são bons para nós e para os nossos. Tão distraídos e alienados que andamos, não percebemos que os de fora, muitas vezes estando mal, precisam de companhia. Da nossa. Porquanto acham que todos devemos estar como eles. E que isso é uma condição de vida geral. Efetivamente vivemos numa sociedade com tiques de adolescentes. Exigimos e sonhamos com coisas que não fazem já sentido. Que tudo somado, concorre para muitos dos nossos males individuais, sociais e coletivos. Desde logo pondo em causa a estabilidade dos nossos relacionamentos familiares, profissionais e até de projetos de vida alargados a toda a rede dos nossos diversos relacionamentos. Onde cada vez mais somos muitas vezes injustos nas exigências e nas avaliações que fazemos aos outros. Queremos uma espécie de vida como se fossemos os meninos e as meninas de outrora. Dos vinte e trinta anos. Onde não existiam desde logo, compromissos e encargos diversos. Filhos. E exigências materiais e profissionais para corresponder. A sociedade dos adolescentes, no país mais dos direitos e não dos deveres, é uma causa maior de muitos dos nossos males. Esta sociedade que se queria ambiciosa e responsável e acima de tudo muito parca e exigente com a onda universal da indiferença à vida real e ao equilíbrio dos relacionamentos, confunde felicidade com prazer. É muitas vezes ignorante na perceção das suas prioridades. E estraga e quase destrói os seus laços de relacionamento de amizades e das famílias. Normalmente, refugia-se, na conversa mole, de que o que conta é a felicidade e o amor. Muitos, que o professamos, somos uma espécie de felinos turvados pelas três vidas. A vida pública, a vida privada e a vida secreta. Esta ultima ampliada e ancorada, na tecnologia e nas redes sociais. Tal e qual, idolatradores profissionais, e às vezes mentirosos familiares, escondemos essas vidas secretas, por detrás de códigos secretos de acesso a telemóveis e a facebooks. Somos adolescentes em muitos casos com cabelos brancos que teimamos em não perceber, que se existe em vida, uma guerra sempre perdida, é a guerra pela inevitabilidade da idade. Como os saberes antigos, bem diziam, com a idade não se brinca. Antes pelo contrário. Com a idade vive-se. E não o perceber é meio caminho andado para a infelicidade. Ao contrário do que se diz, escreve e se pensa, um dos nossos males maiores, é existir esta disfuncionalidade. De sermos adultos e modernos a querer não sair do fato da adolescência. É algo que nos custa socialmente mais do que provavelmente queremos aceitar. Mas é um grande problema. Ainda por cima num país de velhos. Querer viver como se fosse Domingo todos os dias, ter a vida livre como se coubesse numa mochila, com exigências de anos passados, desculpem mas só pode dar porcaria. Nesta sociedade que muitas vezes vive no modo de adolescência, estilhaça-se muito do bom que temos. Ninguém pode ser feliz todos os dias. E isso não significa sermos infelizes. Antes pelo contrário. A felicidade é um bem precioso de mais, para poder ser mal desfrutada. Daí que a cultura da adolescência não seja boa conselheira, enquanto modo de vida, para os não adolescentes. Eu sei que escrever sobre coisas desta natureza nos tempos que correm é pregar no deserto. E é ficar em minoria. Mas não me importo muitas vezes de estar em minoria sobretudo no que diz respeito a valores e princípios de vida.

Escreve à segunda-feira 


Uma sociedade de adolescentes


A felicidade é um bem precioso de mais, para poder ser mal disfrutada. Daí que a cultura da adolescência não seja boa conselheira, enquanto modo de vida, para os não adolescentes


“Ninguém pode ser feliz todos os dias.”
Joana Câncio
Atriz

Este, será provavelmente um texto ou pouco lido ou muito pouco aceite e consequentemente compreendido. Porque vai contra a corrente das vidas de muita gente. E porque procura abordar coisas que quase todos, sabemos existirem, mas que teimamos, em pôr debaixo dos tapetes da vida.

Refiro-me a uma sociedade que considero podermos qualificar como sendo de adolescentes. É isso mesmo. O que muitas vezes nós somos. Novos e sobretudo maduros e quase velhos. Uns mais do que outros, é certo. Mas que teimamos em viver quase sem dar por isso, como se fossemos adolescentes. Em particular na exigência de direitos e direi mesmo por extensão, das liberdades e das garantias espirituais e materiais. Exigimos o que já exigíamos há décadas. Direitos, comodidade, descanso, conforto e sobretudo festas e amor. Vivemos com uma cada vez maior infantilização do adulto. Isso mesmo. Nós adultos estamos a cultivar e a achar que o nosso estado normal é sermos infantis e adolescentes, sobretudo no capítulo do imaginário para o real, de brincar ao amor e a tudo o que está a si associado. Ainda por cima na geração medíocre da internet, que nos dá a falsa sensação que sabemos tudo, e o mais grave, de que temos direito a quase tudo. Acresce a tudo isto, que na sociedade do espetáculo, onde obrigatoriamente temos de ser atores, cultiva-se muito o generalismo e a exigência do imediato. Acresce, que desconfiamos e fazemos mal muitas vezes a quem é bom para nós. Isso mesmo. Isso acontece sobretudo nas amizades e nas famílias. Que a esse nível esquecemos dos que são bons para nós e para os nossos. Tão distraídos e alienados que andamos, não percebemos que os de fora, muitas vezes estando mal, precisam de companhia. Da nossa. Porquanto acham que todos devemos estar como eles. E que isso é uma condição de vida geral. Efetivamente vivemos numa sociedade com tiques de adolescentes. Exigimos e sonhamos com coisas que não fazem já sentido. Que tudo somado, concorre para muitos dos nossos males individuais, sociais e coletivos. Desde logo pondo em causa a estabilidade dos nossos relacionamentos familiares, profissionais e até de projetos de vida alargados a toda a rede dos nossos diversos relacionamentos. Onde cada vez mais somos muitas vezes injustos nas exigências e nas avaliações que fazemos aos outros. Queremos uma espécie de vida como se fossemos os meninos e as meninas de outrora. Dos vinte e trinta anos. Onde não existiam desde logo, compromissos e encargos diversos. Filhos. E exigências materiais e profissionais para corresponder. A sociedade dos adolescentes, no país mais dos direitos e não dos deveres, é uma causa maior de muitos dos nossos males. Esta sociedade que se queria ambiciosa e responsável e acima de tudo muito parca e exigente com a onda universal da indiferença à vida real e ao equilíbrio dos relacionamentos, confunde felicidade com prazer. É muitas vezes ignorante na perceção das suas prioridades. E estraga e quase destrói os seus laços de relacionamento de amizades e das famílias. Normalmente, refugia-se, na conversa mole, de que o que conta é a felicidade e o amor. Muitos, que o professamos, somos uma espécie de felinos turvados pelas três vidas. A vida pública, a vida privada e a vida secreta. Esta ultima ampliada e ancorada, na tecnologia e nas redes sociais. Tal e qual, idolatradores profissionais, e às vezes mentirosos familiares, escondemos essas vidas secretas, por detrás de códigos secretos de acesso a telemóveis e a facebooks. Somos adolescentes em muitos casos com cabelos brancos que teimamos em não perceber, que se existe em vida, uma guerra sempre perdida, é a guerra pela inevitabilidade da idade. Como os saberes antigos, bem diziam, com a idade não se brinca. Antes pelo contrário. Com a idade vive-se. E não o perceber é meio caminho andado para a infelicidade. Ao contrário do que se diz, escreve e se pensa, um dos nossos males maiores, é existir esta disfuncionalidade. De sermos adultos e modernos a querer não sair do fato da adolescência. É algo que nos custa socialmente mais do que provavelmente queremos aceitar. Mas é um grande problema. Ainda por cima num país de velhos. Querer viver como se fosse Domingo todos os dias, ter a vida livre como se coubesse numa mochila, com exigências de anos passados, desculpem mas só pode dar porcaria. Nesta sociedade que muitas vezes vive no modo de adolescência, estilhaça-se muito do bom que temos. Ninguém pode ser feliz todos os dias. E isso não significa sermos infelizes. Antes pelo contrário. A felicidade é um bem precioso de mais, para poder ser mal desfrutada. Daí que a cultura da adolescência não seja boa conselheira, enquanto modo de vida, para os não adolescentes. Eu sei que escrever sobre coisas desta natureza nos tempos que correm é pregar no deserto. E é ficar em minoria. Mas não me importo muitas vezes de estar em minoria sobretudo no que diz respeito a valores e princípios de vida.

Escreve à segunda-feira