Os poderes do Presidente da República: o (mau) hábitonão faz o monge


Em números redondos, já passaram 45 dias desde que Marcelo tomou posse como Presidente da República


Em números redondos, já passaram 45 dias desde que Marcelo tomou posse como PR. Em condições normais, um período tão curto desaconselharia vivamente a comparação com a forma como os antecessores exerceram o mandato e mais ainda o arriscar de conclusões quanto à concretização do sistema de governo desenhado na Constituição. 

Mas o PR quer que lhe reconheçam a originalidade no exercício do cargo, desdobrando-se em iniciativas, visitas, declarações e, sem espanto, comentários.

A ocupação da agenda política pelo PR não se limita ao território nacional e incluiu, desde o primeiro momento, uma dimensão externa, permitida pela facilidade de transporte, em particular no espaço da UE, e pela possibilidade de multiplicar, com a ajuda da comunicação social, o impacte de atos simbólicos. Já incluiu o Vaticano, Espanha e o Parlamento Europeu. Em breve incluirá Moçambique e a Alemanha. São momentos em que o PR aproveita para fazer política nacional. E não deixarão de surgir os episódios em que a convivência com o governo será testada. 

A nova práxis do sistema de governo abrange não só a exploração de zonas cinzentas da CRP (o novo papel do Conselho de Estado, ainda longe de se tornar uma câmara alta do parlamento, mas a caminho de se tornar uma antecâmara do Conselho de Ministros), mas também o atropelo de alguns dispositivos constitucionais (a carta branca para contactos diretos entre o PR e os membros do governo poderá colocar o interlocutor constitucionalmente habilitado – o PM – em apuros).

A flexibilidade do texto constitucional é francamente superior à memória dos partidos políticos. E, no caso do PSD, do CDS e do PS de Mário Soares, a memória é a da luta contra os poderes presidenciais, diminuídos pela via da revisão constitucional de 1982 – diminuição contrariada pela práxis presidencial de Eanes.

Dir-me-ão que a história não se repete. Serei mais cauto: não se repete com os mesmos protagonistas. Mário Soares já não lidera o PS, o que tem permitido dois fenómenos inauditos: a aceitação do apoio do PCP ao governo e a contemporização com fórmulas que reforçam os poderes do PR.

E se a eleição do PR por sufrágio universal sempre potenciou um conflito de legitimidade com o governo e com a AR, que dizer de um PR cuja eleição foi antecedida por uma década de televoto e de esmagador share televisivo, essas duas extraordinárias fontes de legitimidade política estranhamente não previstas na Constituição?

Pior seria a deslocação do debate sobre os poderes do PR para uma revisão constitucional, como resultaria da proposta do CDS para a modificação do modo de nomeação do governador do Banco de Portugal. Foi uma tentativa cândida de atrair o PR para a trincheira da revisão a propósito de um caso concreto, com um protagonista concreto, um candidato a Martim Moniz na porta giratória das comissões parlamentares de inquérito. Marcelo, mesmo com a sua visão lúdica da vida, tem margem mais do que suficiente para se divertir usando os poderes que a CRP lhe confere. Passadas várias semanas sobre a proposta do CDS, revisitou ontem, a propósito da jurisprudência da crise, a possibilidade de revisão constitucional. Fê-lo no Tribunal Constitucional, em cuja recomposição a Constituição não lhe confere nenhum poder (mais uma das reivindicações históricas do eanismo), mas onde alimenta pacientemente a especulação quanto aos novos juízes do TC.

Ainda é cedo para temer a presidencialização do sistema de governo.


Os poderes do Presidente da República: o (mau) hábitonão faz o monge


Em números redondos, já passaram 45 dias desde que Marcelo tomou posse como Presidente da República


Em números redondos, já passaram 45 dias desde que Marcelo tomou posse como PR. Em condições normais, um período tão curto desaconselharia vivamente a comparação com a forma como os antecessores exerceram o mandato e mais ainda o arriscar de conclusões quanto à concretização do sistema de governo desenhado na Constituição. 

Mas o PR quer que lhe reconheçam a originalidade no exercício do cargo, desdobrando-se em iniciativas, visitas, declarações e, sem espanto, comentários.

A ocupação da agenda política pelo PR não se limita ao território nacional e incluiu, desde o primeiro momento, uma dimensão externa, permitida pela facilidade de transporte, em particular no espaço da UE, e pela possibilidade de multiplicar, com a ajuda da comunicação social, o impacte de atos simbólicos. Já incluiu o Vaticano, Espanha e o Parlamento Europeu. Em breve incluirá Moçambique e a Alemanha. São momentos em que o PR aproveita para fazer política nacional. E não deixarão de surgir os episódios em que a convivência com o governo será testada. 

A nova práxis do sistema de governo abrange não só a exploração de zonas cinzentas da CRP (o novo papel do Conselho de Estado, ainda longe de se tornar uma câmara alta do parlamento, mas a caminho de se tornar uma antecâmara do Conselho de Ministros), mas também o atropelo de alguns dispositivos constitucionais (a carta branca para contactos diretos entre o PR e os membros do governo poderá colocar o interlocutor constitucionalmente habilitado – o PM – em apuros).

A flexibilidade do texto constitucional é francamente superior à memória dos partidos políticos. E, no caso do PSD, do CDS e do PS de Mário Soares, a memória é a da luta contra os poderes presidenciais, diminuídos pela via da revisão constitucional de 1982 – diminuição contrariada pela práxis presidencial de Eanes.

Dir-me-ão que a história não se repete. Serei mais cauto: não se repete com os mesmos protagonistas. Mário Soares já não lidera o PS, o que tem permitido dois fenómenos inauditos: a aceitação do apoio do PCP ao governo e a contemporização com fórmulas que reforçam os poderes do PR.

E se a eleição do PR por sufrágio universal sempre potenciou um conflito de legitimidade com o governo e com a AR, que dizer de um PR cuja eleição foi antecedida por uma década de televoto e de esmagador share televisivo, essas duas extraordinárias fontes de legitimidade política estranhamente não previstas na Constituição?

Pior seria a deslocação do debate sobre os poderes do PR para uma revisão constitucional, como resultaria da proposta do CDS para a modificação do modo de nomeação do governador do Banco de Portugal. Foi uma tentativa cândida de atrair o PR para a trincheira da revisão a propósito de um caso concreto, com um protagonista concreto, um candidato a Martim Moniz na porta giratória das comissões parlamentares de inquérito. Marcelo, mesmo com a sua visão lúdica da vida, tem margem mais do que suficiente para se divertir usando os poderes que a CRP lhe confere. Passadas várias semanas sobre a proposta do CDS, revisitou ontem, a propósito da jurisprudência da crise, a possibilidade de revisão constitucional. Fê-lo no Tribunal Constitucional, em cuja recomposição a Constituição não lhe confere nenhum poder (mais uma das reivindicações históricas do eanismo), mas onde alimenta pacientemente a especulação quanto aos novos juízes do TC.

Ainda é cedo para temer a presidencialização do sistema de governo.