Tomar é uma das cidades com mais história do nosso país: é aqui que se situam o Convento de Cristo, o Castelo e a Sinagoga de Tomar, o Aqueduto dos Pegões… e o Café Paraíso – um espaço com quase 105 anos de vida que já faz parte das conversas de todos os tomarenses.
Esta cidade era (e é) conhecida por albergar a Ordem dos Templários, fundada no rescaldo da Primeira Cruzada, em 1096, e extinta em 1312, dando lugar, sete anos depois, à Ordem de Cristo, que só viria a desaparecer em 1834, com o liberalismo e a extinção das ordens religiosas em Portugal.
Tomar acolhe muitas histórias sobre estes cavaleiros. Uma delas é exatamente sobre a rua em que se situa o Café Paraíso, mesmo no centro da cidade: de acordo com as pessoas que ali cresceram e com as histórias que foram passando de boca em boca, este era o caminho que os Templários faziam quando saíam do Convento de Cristo para dar de beber aos cavalos na Ponte Velha, construída sobre o rio Nabão. Este caminho era por isso conhecido como a Corredoura. Só há cerca de 100 anos é que passou a chamar-se Rua Serpa Pinto.
É nesta altura, mais precisamente a 20 de maio de 1911 (cerca de seis meses após a implantação da República), que é inaugurado o Café Paraíso – um evento que não passou despercebido a ninguém. “O Café é montado à moderna e ficará sendo o melhor da nossa cidade”, lia-se então no jornal tomarense “A Verdade”, fundado em 1880. Era aqui que as elites vinham tomar os seus sorvetes ou vários tipos de vinho “do Porto, Madeira, Bucellas, Collares, Verde d’Amarante, Carcavellos, Cognacs, Licores, Champagne”, como publicitava a imprensa local da época.
Fundado por cinco amigos, o espaço acabou por ficar mais tarde nas mãos de Manuel Cândido da Mota, que viria a passá-lo aos seus familiares, de geração em geração. Até hoje. Alexandra Grego está à frente do “negócio de família” há 23 anos e tenciona continuar a manter abertas as portas deste espaço centenário.
Para além de toda a história em torno da cidade de Tomar e do espaço em si, o Café Paraíso também é conhecido por ter recebido dezenas de personalidades das mais diferentes áreas. O compositor Fernando Lopes-Graça – que nasceu em Tomar em 1906 – e o escritor italiano Umberto Eco foram algumas delas. “Passaram aqui muitos artistas. A [atriz] Marina Mota vinha aqui com frequência. Paulo Portas também esteve aqui. Aliás, todos os políticos que passam por Tomar durante a campanha param no Paraíso”, disse ao i Alexandra Grego. E até a gerência do espaço tem ligações familiares ao meio artístico: João Mota, encenador, ator e fundador da companhia de teatro A Comuna, é primo dos atuais donos do estabelecimento.
“Este café recebe toda a gente, nunca tomámos partido nenhum e eu continuo a seguir a mesma filosofia. No início era um espaço frequentado apenas pelas elites – nem todos tinham a possibilidade de aqui passar as tardes ––, mas com o tempo começaram a entrar pessoas de todo os estratos sociais. Mesmo na altura do Estado Novo, não tenho conhecimento de que o Paraíso fosse frequentado apenas por apoiantes do regime ou por opositores. Todos passavam aqui”, explica a dona do estabelecimento.
Mas são os clientes mais antigos e os que ainda hoje frequentam este café com assiduidade que deixam Alexandra emocionada: “Havia um grupo que tinha uma mesa reservada só para eles. Alguns eram médicos, outros advogados. Quando entravam e viam que a mesa estava ocupada, parecia que ficavam perdidos, sem saber o que fazer. O que me faz confusão é ter visto essa mesa cheia de homens e as respetivas mulheres e, aos poucos e poucos, vê-la a ficar cada vez mais vazia. Alguns deles eram da idade deste café! Hoje já só se sentam ali duas pessoas…”, recorda Alexandra.
Paraíso de manhã, Purgatório à tarde e Inferno à noite Com o passar dos anos, o Café Paraíso teve de se adaptar às exigências dos seus clientes – muitos deles são alunos do Instituto Politécnico de Tomar. Por isso, o estabelecimento passou a fechar às 02h00. “O café é frequentado principalmente por reformados durante o dia e estudantes à noite. Por isso começaram a dizer que este café era o paraíso de manhã, o purgatório à tarde e o inferno à noite”, diz a dona do espaço. Aliás, basta dizer o nome Café Paraíso que qualquer estudante do Instituto Politécnico reage – faz quase parte da praxe passar por este símbolo da cidade.
Mas hoje em dia existem cada vez menos jovens a frequentar este estabelecimento de ensino superior. A evolução social roubou também muitos habitantes a Tomar – uns emigraram, outros procuraram melhor sorte em cidades com mais oportunidades de trabalho. A cidade foi ficando cada vez mais vazia e isso refletiu-se no Café Paraíso: “Para além da crise financeira, tivemos de lidar também com a crise demográfica e migratória, com a consequente perda de clientes. Mas cá nos vamos aguentando”, afirma Alexandra.
Se quiser fazer um roteiro histórico por Portugal, é imperativo passar por Tomar e ver todos os monumentos da Idade Média ali existentes. E se optar por fazer um roteiro dos Cafés com História, o Paraíso tem de estar no topo da lista – são poucos os espaços com mais de 100 anos que continuam de portas abertas, mantendo a qualidade que se impôs no dia da inauguração. E isso, só por si, merece uma visita.