José Avillez é um irrequieto. Daqueles que, assim que uma ideia lhe toma de assalto o pensamento, já sabe que não terá outra hipótese senão concretizá-la. E depressa, como se a urgência lhe marcasse o ADN. Foi esta mesma urgência que justificou que o Belcanto, um restaurante com apenas quatro anos, fechasse para umas obras profundas. “Ao longo destes quatro anos fomos sempre fazendo atualizações, mas estas obras, assim tão profundas, não estavam previstas. Só que em setembro a ideia de mudança começou a dominar o meu pensamento e eu, sempre que começo a pensar numa coisa, quero tudo para amanhã. De certa forma, foi quase um capricho porque não posso dizer que o Belcanto precisasse mesmo de umas obras destas”, explicou ao i.
Apesar de estas não serem umas obras obrigatórias, tinham uma forte razão de ser: com uma sala sempre cheia, ao almoço e ao jantar, começou a faltar espaço para a cozinha – “somos 25 a trabalhar na cozinha e tenho 28 lugares na sala”. Estes números acabaram por ser “a grande motivação” para a mudança. Assim, as obras incluíram ligar o espaço de preparação, num piso inferior, à cozinha propriamente dita, o que obrigou a uma total reorganização do restaurante do número 10 do Largo de São Carlos.
Ora, já que se ia mudar tanta coisa, por que não mudar tudo? Pelo menos foi assim que José Avillez pensou, até porque já não se sentia “confortável” com a decoração do seu próprio restaurante. “Quando vim para aqui, vinha de um restaurante clássico e majestoso como o Tavares e vim ocupar um espaço que era de 1958. Quis fugir ao barroco e gostava muito da primeira decoração. Só que agora sentia que já não fazia sentido para o meu gosto atual, queria um espaço mais luminoso.” Um espaço que refletisse aquilo que são as criações gastronómicas de José Avillez. “A minha identidade culinária está a evoluir. Hoje em dia tenho uma cozinha mais criativa e luminosa e precisava que o espaço refletisse isso”.
Além disto, o chefe queria um espaço que funcionasse como uma espécie de galeria. De arte e de sentimentos, uma vez que uma das paredes passou a estar ocupada por fotos a preto e branco da autoria do pai de José Avillez. “O meu pai morreu quando eu tinha seis anos e esta é a minha forma de lhe prestar uma homenagem, mas também à minha mãe, já que algumas das imagens são fotos que o meu pai lhe tirou, em Cascais.”
Pelas outras paredes, é possível encontrar uma instalação criada pela ceramista Cátia Pessoa, da Caulino, que cria jogos de luz e sombra através de uma espécie de pratos amarrotados, mas também fotos de Luís Mileu, um quadro de Pedro Baptista e peças de Teresa Pavão. Tudo escolhido por José Avillez. “As pessoas entram no Belcanto e é como se entrassem em minha casa, por isso quero que sintam que este espaço me reflete. Foi por isto que achei que tinha de mudar, e que desenhei e escolhi todas as peças que agora aqui estão.”
Logo no primeiro jantar após a reabertura, José Avillez recebeu uma visita muito especial: um inspetor do guia Michelin. “No final da refeição identificou-se e pediu para ver as mudanças no espaço da cozinha. Depois disso, falou cinco minutos comigo e disse-me que estava contente com as obras”. De resto, ainda antes do arranque das obras, o chefe já tinha informado o guia Michelin das suas intenções. “Não é obrigatório avisar que vamos fazer obras, mas acho que, se há um guia como o Michelin, que nos inclui num grupo exclusivo de restaurantes, demonstra respeito se os avisarmos. Por isso enviei um email com planta do novo espaço e a informação do tempo que estaria encerrado. Recebi uma resposta a agradecer por os ter informado.”
Apesar de todas as mudanças físicas, a carta do Belcanto mantém-se. Pelo menos durante os próximos meses. Os inúmeros outros projetos do chefe assim o exigem – projetos que incluem 180 funcionários e os restaurantes Cantinho do Avillez (Lisboa e Porto), Café Lisboa, Mini Bar e Pizzaria Lisboa e ainda o já anunciado Bairro do Avillez. “As pessoas brincam muito comigo sobre o Chiado ser o meu bairro, então pensei criar um projeto maior que reunisse vários conceitos no mesmo espaço. Será obviamente noChiado e em princípio abre no início de Junho. E mais não posso revelar.” Já o regresso à televisão – onde recentemente fez a segunda temporada de “Combinações Improváveis”, que deu origem ao livro homónimo – está adiado para o final do ano.
E no meio de tudo isto, o chefe que nunca dorme, diz que agora tem conseguido dormir mais. Tudo porque passou a encarar o sono como “mais um trabalho”. Ainda assim, raramente passa das cinco horas de sono. “Não é fácil, mas é possível.” E José Avillez não sabe fazer de outra forma.