“O desporto existe cá, é inegável, é um comboio em andamento, mas ainda não é reconhecido como tal. Temos um formato muito semelhante ao da Irlanda, onde a MMA (Artes Marciais Mistas, em português), procura o reconhecimento junto da Federação Irlandesa de Wrestling.” É assim que Luís Barneto, diretor executivo da Comissão Atlética Portuguesa de Mixed Martial Arts (CAPMMA) – responsável por desenvolver, regular e promover a prática deste desporto em Portugal -, explica ao i qual é a situação atual no nosso país da modalidade que tem estado nas bocas do mundo, depois da morte do atleta português João Carvalho no passado fim de semana.
Na Irlanda, a morte de Carvalho trouxe a discussão sobre a regulamentação da modalidade no país, um “aviso” dado pelo ministro do Desporto, Michael Ring, esta semana. A MMA está à procura de ser reconhecida pela Sports Ireland (a agência nacional que regula, promove e de-senvolve diversos desportos no país), para obter financiamento do Estado, um órgão dirigente e regulamentação, só que ainda não foi capaz de o fazer. Mesmo tendo um campeão da Ultimate Fighting Championship (UFC, a principal promotora da MMA no mundo), o irlandês Conor McGregor, o país continua de costas voltadas à modalidade. Nesse sentido, o CEO da Sports Ireland, John Treacy, que disse ontem à RTÉ Radio 1 que terá reuniões com as autoridades do desporto do país para estabelecer novas diretrizes de regulamentação da MMA, deixou outro aviso: “Se estas regras não forem seguidas, este desporto não tem lugar na Irlanda.” Este é um caso similar ao português.
Ainda é tudo “embrionário” Em Portugal, “o cenário organizativo é muito semelhante”, como afirma Barneto, já que é a CAPMMA – que faz parte da Federação Portuguesa de Lutas Amadoras, que tem no seu pelouro disciplinas olímpicas como a luta greco-romana – quem trabalha junto das promotoras (que são quem organiza os eventos) “numa lógica de autorregulação”, apesar de essa não ser a regra. “Temos trabalhado nessa lógica com alguns promotores que têm procurado a nossa ajuda para patrocinar os nossos eventos. Mas não sei se todos fazem isso”, afirma Luís.
Por estar numa “fase embrionária”, por cá esta modalidade tem de olhar para os moldes da Federação Internacional de Artes Marciais (IMMAF, em inglês), fundada há quatro anos, onde se usam regras abaixo das seguidas pela UFC – não se podem usar cotovelos nos combates, dos membros superiores só mesmo as mãos, por exemplo.
No que diz respeito ao acompanhamento médico ou questões de segurança, em Portugal segue-se o exigido por lei. “Os atletas têm de ser avaliados no início da época e depois podem fazer mais, dependendo de cada competição. As indicações recentes dadas pela IMMAF em relação a exames de controlo de VIH ou de hepatite C também consideramos que são necessárias. E claro, o controlo antidoping”, que é uma das manchas que têm ensombrado a MMA nos últimos tempos: o ex-UFC Kimbo Slice defendeu a semana passada o uso de substâncias ilícitas entre profissionais, algo que tem sido divulgado nos últimos anos e que levou a UFC a iniciar um extenso programa de controlo antidoping que está neste momento a “funcionar a 60-70%”, como descreveu o “Guardian”.
Mas para Luís Barneto, a MMA tem “evoluído em termos de interesse em Portugal”, mesmo que não existam muitas pessoas a competir. “Temos poucos filiados, na ordem dos 300, e temos muita gente a treinar numa perspetiva lúdica, mas também para melhorar a sua condição física.” Os mais novos – a partir dos 18 anos – procuram a competição. Para treinar não existe nem uma faixa etária nem um estrato social fixo.
Há também quem procure este desporto para a autodefesa, como profissionais da área da segurança. “Sim, numa primeira abordagem pode haver o objetivo de profissionalmente lidar com algum tipo de violência. Mas também temos atletas que vêm de outras modalidades como o judo, o mai tai, o boxe ou o kickboxing que querem dar um passo na MMA”, garante.
Há ainda um longo caminho a percorrer, mas Luís Barneto não acredita que a morte trágica do lutador português possa abrandar o crescimento exponencial que a MMA tem tido desde que foi oficializada em 2001 – mas existem eventos desde 1993 – no mundo inteiro, porque se tratou de um episódio singular. “Acompanho a MMA há dez anos, vi centenas de combates, não me lembro de nenhum assim. É raríssimo acontecer e tem a probabilidade de um ciclista que saia de casa de ser atropelado.” Primeiro, porque o dirigente garante que os atletas sabem o risco que correm sempre que entram para o combate, e depois porque em comparação com outros desportos, como o boxe, a MMA só regista seis mortes (e não 14) desde que é oficial.