Os métodos deste tempo


Costa mata o ruído à volta do governo atual e diferencia-se do governo anterior, aproveitando a anestesia dos restantes partidos.


Depois de alguns meses de trabalho e da assunção da veste pelas principais figuras do governo de António Costa, parece haver um denominador comum e transversal: nunca deixar arrastar qualquer polémica na praça pública que possa ser pejorativa para a reputação do governo. Uma espécie de manual de “crise”, que se aplica sem variações a toda e qualquer dificuldade e conflito.

Chame-se o problema Comissão Europeia, TAP, BES, táxis, João Soares, Conselho de Reitores das Universidades, FENPROF, Lacerda Machado ou Azeredo Lopes (processo ainda em curso), a ordem é para apagar rápido e sem piedade o rastilho que possa fazer alastrar o fogo para além da casa de origem. Claro que isto implica abdicar de pessoas, de medidas e de reformas. Se calhar, até de convicções de programa e princípios estruturantes. Mas é uma marca do governo de Costa, seja para o interior (leia-se, BE, PCP e oposição), seja para o exterior (leia-se, pelo menos, corporações e interesses instalados). 

O método – pensado e executado com detalhe na comunicação, aproveitando ainda este tempo em que é admissível protuberância de exposição a António Costa (que não poupa o corpo às balas) – tem a indiscutível vantagem de não se levantarem anticorpos que demoram sempre o seu tempo a sanar – um demérito tantas vezes desnecessariamente assumido pela maioria de Passos e Portas. Essencialmente, Passos, que nunca demitia (ou empurrava para a demissão) alguém cujo abandono se solicitava (perfil levado ao extremo na gestão de Miguel Relvas) ou puxava atrás a providência que achasse certa só porque as clientelas choravam nas capas dos jornais. Costa entende que quem cede não mostra necessariamente fragilidade e exibe essa compreensão com agilidade felina.

Mas não obsta ao risco de grassar a teoria de que todo e qualquer condicionamento sobre este governo será o suficiente para claudicar a ação e vencer a reação, constituindo-se um crescimento lógico e sucessivo do elenco de retiradas e desistências. Também este será um sinal destes tempos de governação trapezista e aversão a reclamações organizadas. É um modo de ser e de viver a que nos estamos a habituar. Se calhar, é o modo mais aconselhado. Veremos até onde o que corre mal pode ser revertido sem dano grave para o país.

Por outro lado, na ânsia de se distinguir das omissões e trilhos de Passos, Costa empenhou-se a fundo em virar a página na relativa indiferença do governo anterior no que toca ao rumo dos principais atores privados do sistema bancário e financeiro. Tem coragem e tem acerto. Faz sentido essa indiferença – entregue nas mãos da regulação e da supervisão – quando é o Estado (e os contribuintes), assim como os clientes (nomeadamente os não institucionais), a pagarem no fim a fatura da instabilidade e da falência? É rasgo perceber que, nos tempos que correm, essa diligência é uma “obrigação de meios” de um PM (digamos) mais “global”. Veremos até onde o que corre bem chega para ganhar esta diferenciação do passado.

Surpreendentemente, a oposição de PSD e CDS está como que anestesiada, numa anómala coligação de atitudes com BE e PCP. Isto é, nem os apoios de esquerda de Costa recuperaram as suas bandeiras antieuropeístas e contra a dívida para o discurso, nem o “centro–direita” ocupa o seu espaço com as contradições deste caminho.

Um tempo estranho este, em que só há verdadeira oposição no BCE e na Comissão Europeia (e talvez no Conselho de Estado). Veremos até onde o que não se diz devia ter sido dito no momento certo.
Professor de Direito da Universidadede Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira


Os métodos deste tempo


Costa mata o ruído à volta do governo atual e diferencia-se do governo anterior, aproveitando a anestesia dos restantes partidos.


Depois de alguns meses de trabalho e da assunção da veste pelas principais figuras do governo de António Costa, parece haver um denominador comum e transversal: nunca deixar arrastar qualquer polémica na praça pública que possa ser pejorativa para a reputação do governo. Uma espécie de manual de “crise”, que se aplica sem variações a toda e qualquer dificuldade e conflito.

Chame-se o problema Comissão Europeia, TAP, BES, táxis, João Soares, Conselho de Reitores das Universidades, FENPROF, Lacerda Machado ou Azeredo Lopes (processo ainda em curso), a ordem é para apagar rápido e sem piedade o rastilho que possa fazer alastrar o fogo para além da casa de origem. Claro que isto implica abdicar de pessoas, de medidas e de reformas. Se calhar, até de convicções de programa e princípios estruturantes. Mas é uma marca do governo de Costa, seja para o interior (leia-se, BE, PCP e oposição), seja para o exterior (leia-se, pelo menos, corporações e interesses instalados). 

O método – pensado e executado com detalhe na comunicação, aproveitando ainda este tempo em que é admissível protuberância de exposição a António Costa (que não poupa o corpo às balas) – tem a indiscutível vantagem de não se levantarem anticorpos que demoram sempre o seu tempo a sanar – um demérito tantas vezes desnecessariamente assumido pela maioria de Passos e Portas. Essencialmente, Passos, que nunca demitia (ou empurrava para a demissão) alguém cujo abandono se solicitava (perfil levado ao extremo na gestão de Miguel Relvas) ou puxava atrás a providência que achasse certa só porque as clientelas choravam nas capas dos jornais. Costa entende que quem cede não mostra necessariamente fragilidade e exibe essa compreensão com agilidade felina.

Mas não obsta ao risco de grassar a teoria de que todo e qualquer condicionamento sobre este governo será o suficiente para claudicar a ação e vencer a reação, constituindo-se um crescimento lógico e sucessivo do elenco de retiradas e desistências. Também este será um sinal destes tempos de governação trapezista e aversão a reclamações organizadas. É um modo de ser e de viver a que nos estamos a habituar. Se calhar, é o modo mais aconselhado. Veremos até onde o que corre mal pode ser revertido sem dano grave para o país.

Por outro lado, na ânsia de se distinguir das omissões e trilhos de Passos, Costa empenhou-se a fundo em virar a página na relativa indiferença do governo anterior no que toca ao rumo dos principais atores privados do sistema bancário e financeiro. Tem coragem e tem acerto. Faz sentido essa indiferença – entregue nas mãos da regulação e da supervisão – quando é o Estado (e os contribuintes), assim como os clientes (nomeadamente os não institucionais), a pagarem no fim a fatura da instabilidade e da falência? É rasgo perceber que, nos tempos que correm, essa diligência é uma “obrigação de meios” de um PM (digamos) mais “global”. Veremos até onde o que corre bem chega para ganhar esta diferenciação do passado.

Surpreendentemente, a oposição de PSD e CDS está como que anestesiada, numa anómala coligação de atitudes com BE e PCP. Isto é, nem os apoios de esquerda de Costa recuperaram as suas bandeiras antieuropeístas e contra a dívida para o discurso, nem o “centro–direita” ocupa o seu espaço com as contradições deste caminho.

Um tempo estranho este, em que só há verdadeira oposição no BCE e na Comissão Europeia (e talvez no Conselho de Estado). Veremos até onde o que não se diz devia ter sido dito no momento certo.
Professor de Direito da Universidadede Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira