Nunca deveria ter-te imposto a felicidade. Que grande porcaria que fiz. Não te deveria ter gritado “sê feliz!”, “faz acontecer!”, “segue os teus sonhos!”, deveria ter-te deixado em paz. Deveria ter-te deixado escolher. Tudo é uma escolha, não é? E não está escrito em lado nenhum que a minha é melhor do que a tua. Desculpa. Não tens de ser forte, nem audaz, nem capaz, nem porra alguma. Não tens de ser nada, nada que não queiras, porque talvez só queiras descansar de tentar, e isso também é válido. Talvez só te queiras sentar, por um bocadinho, a dar comer aos pombos, talvez não te apeteça sorrir, porque te dói a cara, talvez não queiras conversar, porque se falares esvazias.
E está tudo bem.
Sou tão má, eu que te chateio para seres feliz, como o outro que faz tudo para te ver em baixo. Todos os que te pressionam são maus para ti. Porque todos os que te impõem a fórmula são pequenos ditadores que se acham melhor do que tu. E não são. Desculpa a minha pressa em ver--te feliz. Talvez eu seja egoísta, porque se a tua felicidade é a minha, talvez só te queira ver bem para me sentir bem também. E tu talvez só queiras descansar.
E está tudo bem. Desculpa o barulho. Fazemos tanto barulho. Vomitamos-te formas de estares, estados de alma, dizemos-te para lutares, para acreditares, para seres e para dares, dizemos-te tudo e tu talvez só queiras silêncio. Talvez a tua escolha seja não escolher, talvez “não sei” seja a resposta mais certeira. Talvez o meio seja o lado certo, nem o esquerdo nem o direito, o meio – de quem não sabe para onde vai e nem lhe apetece saber. Porque às vezes só queremos descansar, só queremos a ilusão de que a vida dá pausas. Não dá, porque o tempo não para, mas a sensação que inventamos de que a vida espera por nós, às vezes, sabe melhor que qualquer outra coisa.
Desculpa sempre que tenho a pretensão de te inspirar. De te consolar. Pode apetecer-te sofrer. A sério que pode e não és maluco por isso. Podes precisar de sentir a sede para teres vontade de beber, podes precisar de perder para teres a certeza do que já ganhaste. E agora agarro–me para não debitar qualquer coisa como “cuidado com a tristeza porque ela vicia”, porque tenho esta mania de te dizer para seres feliz. E se viciar? E se esse vício for, novamente, a tua escolha? A felicidade também é o meu. E também fui eu que escolhi isso.
O amor é desejar o melhor. Mas o teu melhor, não o meu melhor. O amor é aceitar as escolhas dos outros com um intenso respeito de quem não cobra nada. O amor é consolar quando nos é pedido, é ajudar a escolher outro lado quando o nosso amor nos diz que, afinal, o lado que tem escolhido não lhe serve. Nunca antes disso. Antes deveria vir o silêncio ao invés do barulho, o abraço sem o braço estendido com o dedo apontado, o carinho sem o pedido de o ver retornado. Dar sem receber. Não é essa a maior dificuldade da vida? Respirar fundo a cada escolha que nunca seria a nossa e aceitar, aceitar, aceitar, porque nada mais podemos fazer. Não nos colocarmos no caminho do outro talvez seja a maior prova de amor que possamos dar.
E a ti, querido carequinha, que parece que desde que adoeceste te tornaste um íman para chavões – “sê forte!”, “tens de vencer!”, “sorri!” –, sei que, muitas vezes, o melhor presente que te poderíamos dar era estarmos caladinhos. Porque, às vezes, cansa mais cumprir a exigência dos outros do que lidar com os nossos próprios problemas, porque os outros sugam mais, querem mais, mais do que podemos dar. Porque se os outros vos virem tristes, questionam as suas próprias capacidades – “se não consigo fazer o meu amigo rir, será que sou mau amigo?” –, porque às vezes os outros só querem ter a certeza de que fazem a sua parte bem. Acho que podemos deixar que sejas egoísta quando te apetecer e não nos sorrires, mesmo que isso abale o nosso dia. Saberemos quando interferir se te prejudicares nessa introspeção (lembra-te, interferir e meter o bedelho é connosco!), mas vamos esperar que tu nos digas, sim? Facilita-nos a vida e diz-nos quando é que podemos quebrar o silêncio. Se não conseguires falar, pega-nos na mão ou chora ao nosso lado, aí saberemos que precisas do nosso colo. Mas acho que devemos deixar-te escolher.
Não tens de ser forte, nem audaz, nem capaz, nem porra alguma. Não tens de ser nada, nada que não queiras, porque talvez só queiras descansar de tentar, e isso também é válido. Talvez só te queiras sentar, por um bocadinho, a dar comer aos pombos, talvez não te apeteça sorrir, porque te dói a cara, talvez não queiras conversar, porque se falares esvazias.
E está tudo bem.
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