PCP. O partido do coletivo não vai sozinho à televisão. Porquê?

PCP. O partido do coletivo não vai sozinho à televisão. Porquê?


PCP e BE trocam acusações sobre a contratação de Marisa Matias pela TVI e João Semedo acusa os comunistas de estarem a retomar um “desgastado arsenal”. Costa Pinto nota que o PCP não dá autonomia aos seus quadros e Carlos Brito diz que Barata-Moura podia ser uma boa aposta para acabar com o deserto comunista na…


Marisa Matias é a última figura do BE a conseguir um espaço de comentário político individual na televisão. A entrada da eurodeputada para o espaço nobre da TVI, ao sábado, levou o PCP (mais uma vez) a criticar a capacidade de o adversário se movimentar no espaço mediático. “A designação escolhida transporta-nos para os terrenos do folhetim radiofónico que fazia as delícias de um público pouco exigente”, escreveu Jorge Cordeiro, dirigente comunista, no jornal “Avante!”, que começou por criticar a designação do espaço de opinião com assinatura: “Simplesmente Marisa”.

O BE acusou o toque. “Que as vozes do dono centrão se levantassem contra o programa de Marisa na TVI, era previsível, normal e altamente desejável. Que o ‘Avante!’ agora se junte a essa festa, é só lamentável. Até porque o efeito prático desse impulso ultrassectário é a pressão para o afunilamento do espaço mediático, que também marginaliza o PCP”, escreveu José Gusmão no Facebook. 

A questão coloca-se: porque é que o PCP não tem um espaço de opinião individual na televisão? É porque é contra a concentração do capital nos grandes grupos de comunicação social e recusa alimentá-los ou deles depender, como diz Jorge Cordeiro? Mas o PCP participa nos frente-a-frente televisivos (Bernardino Soares, João Ferreira, AntónioFilipe, João Oliveira), tem dirigentes com colunas semanais de opinião na imprensa (PaulaSantos ou Rita Rato) e até Octávio Teixeira tem presença pontual na “Antena 1”, a rádio pública. Perante isso, será só a ideia de coletivo que atrapalha a afirmação individual dos comunistas num palco que só dá protagonismo a quem traz ganhos (audiências)? 

Para António Costa Pinto, esta é uma parte da resposta. “Os espaços de comentário individual têm muito que ver com a gestão da carreira política e pessoal dos seus protagonistas. O PCP dá pouca autonomia para isso. Até porque esses espaços, às vezes, são usados para a afirmação interna de quem os assume”, explica o politólogo ao i. 

A ida de Marisa Matias para a TVI apanhou de surpresa alguns bloquistas, que sabiam que a estação de Queluz tentou tirar Louçã da SIC e, perante a nega, quis fechar contrato com Catarina Martins, porta-voz do BE. Sérgio Figueiredo, diretor de Informação da TVI, recusa fazer comentários, mas garante que é “mentira” que a eurodeputada não tenha sido a primeira escolha da estação, que procura diversificar o comentário político na generalista e no cabo, sem estar obrigada a quotas e a reproduzir o parlamento e a sua representatividade. Fernando Medina, o autarca de Lisboa que vai a votos nas autárquicas do próximo ano, tem um espaço próprio na TVI24. Para o lugar de MarceloRebelo de Sousa, ao domingo, poderá entrar alguém do PSD ou do PS para disputar o horário em que Marques Mendes está na SIC. 

Casos como os de José Sócrates e o seu comentário semanal na RTP1 depois de deixar o governo, em 2011, antes de ser preso e quando ainda não se sabia que preparava então uma candidatura a Belém nas eleições de janeiro, não são bem-vistos na cúpula comunista, a mesma que se fecha a sete chaves para discutir lideranças e recusa falar em público do sucessor (o plural aqui não existe) de Jerónimo de Sousa, por exemplo. Ou ainda o caso de Paulo Portas que, em 2005, depois de deixar a liderança do CDS nas mãos de Ribeiro e Castro, manteve um espaço quinzenal de opinião na SIC Notícias através do qual picou o seu sucessor. Dois anos depois viria a ser outra vez eleito líder do CDS. 

Carlos Brito recusa pronunciar-se sobre uma relação que serve tanto as televisões como os políticos. Mas também não acusa a falta de tempo de antena para o PCP. O ex-líder parlamentar dos comunistas reconhece que Jerónimo de Sousa seria, porventura, o ativo comunista mais apetecido pelas televisões. Dada a impossibilidade, em virtude de ainda ser líder do PCP, Brito nota ainda que não faltam nomes aos comunistas para inaugurar um espaço de opinião com assinatura, assim queiram as televisões e os potenciais protagonistas. José Barata-Moura, ex-reitor da Universidade de Lisboa, é um deles, diz. “É alguém com qualidade, com pensamento próprio e é da área do PCP”, defende. 

A mensagem política também importa na hora de as televisões escolherem os seus comentadores. Costa Pinto admite que o “PCP é subestimado no âmbito do comentário político, mas também porque está associado a um discurso repetitivo, e isso por oposição ao BE, que teve uma capacidade notável de penetração no espaço mediático, em virtude do seu discurso, é certo, mas também dos seus protagonistas, que eram jovens, intelectuais e professores”, nota o docente do Instituto de Ciências Sociais. Ontem, João Semedo acusava Jorge Cordeiro de estar “retomando e insistindo nas velhas mentiras do desgastado arsenal a que o seu partido ultimamente recorre e que já não consegue enganar nem convencer seja quem for”. 

A estreia do BE no comentário com assinatura coube a Francisco Louçã, fundador do Bloco e conselheiro de Estado elevado a senador depois de deixar a coordenação bloquista, em 2012. E acontece numa altura em que Louçã começa a ser visto aos olhos da opinião pública, sobretudo a de centro-esquerda, como menos radical, imagem que lhe parecia cravada ainda desde os tempos em que fundou o BE. 

Francisco Louçã está no cabo, na SIC Notícias, uma vez por semana. Marisa Matias tem honras de horário nobre numa televisão de sinal aberto. A eurodeputada leva vantagem sobre o fundador do BE, nota EduardoCintra Torres, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Católica. 

A ex-candidata presidencial, que ficou em terceiro lugar, depois de Marcelo e de Sampaio da Nóvoa, e à frente do candidato do PCP, Edgar Silva, é um dos maiores ativos do BE. Cintra Torres admite que os “sinais exteriores de moderação” e a imagem “fofinha” cultivada durante a campanha para Belém fizeram com que a TVI, no caso, percebesse que podia tirar partido disso. Mas o crítico de televisão não evita a leitura política. “MarisaMatias serve uma estratégia futura do PS, que sabe que não terá maioria absoluta. E o PCP sente-se excluído pelo próprio PS.”

Ou seja, continua: “António Costa prefere ter um BE forte do que um PCP a crescer. Além disso, Marisa Matias não vai escrutinar o governo, o que é bom para Costa, mas sim o Presidente da República, o que também é bom para Costa. Portanto, a TVI submeteu-se a uma agenda política, na medida em a Marisa não está lá como comentadora, mas como alguém que serve uma agenda política.”