Brasil.  Este debate  não é para humoristas

Brasil. Este debate não é para humoristas


A Porta dos Fundos decidiu insinuar que a justiça brasileira só persegue a esquerda. E tornou-se vítima preferida da direita. Com um texto escrito por um eleitor… do PSDB    


Na noite em que a comissão da câmara de deputados aprovou o início formal do processo de impeachment, Lula da Silva juntou-se a várias figuras da cultura brasileira para voltar a alertar para a existência de “um golpe em andamento” contra o governo do Partido dos Trabalhadores liderado por Dilma Rousseff.

Ao seu lado estavam históricos como Chico Buarque, a estrela da música brasileira que em março se atirou de cabeça para a disputa político-judicial que nos últimos meses partiu ao meio a sociedade brasileira. Escaldado pela polémica provocada pelo seu veto a um ator que criticou Dilma num espetáculo intitulado “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos”, o autor foi dos mais comedidos da noite.

Nada que o impedisse de declarar aos presentes: “Estaremos juntos em defesa da democracia. Não vai ter golpe”. Presentes estavam outros nomes fortes da cultura brasileira, como o escritor Eric Nepomuceno, a atriz Letícia Sabatella ou a cantora Beth Carvalho, que estreou um novo samba com o refrão “não vai ter golpe de novo / reage, reage, meu povo”. E não podia faltar Gregório Dudivier, um dos rostos do grupo de humoristas Porta dos Fundos. “O impeachment capitaneado por Eduardo Cunha é como um penálti marcado pelo Eurico Miranda a favor do Vasco”, atirou em referência à suposta parcialidade do líder do Congresso, que comparou ao antigo presidente do clube de futebol Vasco da Gama.

Dudivier e os seus colegas já si tinham colocado no epicentro da discussão com um episódio da Porta dos Fundos divulgado a 2 de abril. Em “Delação” (ver caixa), Dudivier faz de agente da polícia federal a interrogar um deputado brasileiro. Durante quase três minutos, o político – interpretado por Fábio Porchat – apresentada vários documentos que provam o envolvimento de dirigentes de partidos da direita em escândalos de corrupção. Mas a informação é constantemente ignorada pelo agente, que parece apenas interessado em apanhar dirigentes do PT e em especial Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Por ofender a Polícia Federal – ou os milhões que denunciam a corrupção da liderança do PT e pedem a queda de Dilma – o vídeo deixou os humoristas debaixo de fogo. “Vagabundo petista” é dos insultos mais simpáticos dirigidos a Dudivier nos inúmeros vídeos de resposta ao sketch que foram publicados nas horas e dias seguintes – muitos deles de outros humoristas que usam a plataforma online para divulgar os seus trabalhos.

O Youtube até teve direito à transmissão em direto da queda do número de subscritores do canal Porta dos Fundos – chegaram a perder vários milhares dos 11,5 milhões de assinantes, mas a tendência já foi invertida e o grupo tem hoje mais 14 mil admiradores do que tinha antes da polémica. O que não mudou foi a avaliação do vídeo: ontem à tarde, com 5,6 milhões de visualizações, o sketch contava com 357 mil “likes e 548 mil ”dislikes”.

Até porque os humoristas não hesitaram em capitalizar o momento: nove dias depois era apresentado “Reunião de Emergência 3, a Delação 2” – um vídeo da Porta dos Fundos onde os atores usam os nomes próprios para se confessarem “desmascarados”. E onde não se esquecem as inúmeras referências ao financiamento de 7,5 milhões de reais (quase dois milhões de euros) que o grupo recebeu da Agência Nacional do Cinema para a produção da longa-metragem que estreará no verão: “Fábio, pega logo nos 7,5 milhões que Lula mandou para a gente e coloca numa maleta que a gente vai ter de sumir por uns tempos”.

Ainda irónica mas menos ligeira foi a resposta de Duvivier no seu facebook pessoal, que acabou por revelar que o próprio grupo não está imune à divisão que se vive no país: “Obrigado a todos os que estão elogiando o guião do vídeo. Também adoro o guião, mas não fui eu que escrevi. Podem checkar nos créditos. O guião é do Fabio Porchat – que, diga-se de passagem, votou no Aécio. Mindfuck? Pois é.”

O sketch da discórdia

Fábio Porchat, como deputado delator (FP): Foi um Senador do PSDB que aceitou a propina. Foram mais de 25 milhões de reais desviados da Vale e 35 milhões desviados da Petrobras.

Gregório Duvivier, como agente da Polícia Federal (GD): (Bocejo) vai falando aí, ‘tou-te’ ouvindo deputado.

FP: Aqui a gente tem também o vereador Toledo e o deputado Carminho, eles comandavam todo o esquema com as empreiteiras.

GD: Qual é o partido?

FP: São do PSDB. Eles aceitavam todo o dinheiro do caixa 2 (saco azul), pegavam nesse dinheiro e depositavam nas contas no exterior, as contas do partido. Tenho essa lista aqui, com todas as contas, todos os nomes, dinheiros, tudo o que acontece há pelos menos uns 25 anos ­– está aqui, olha.

GD: murmúrio impercetível

FP: É que está tudo documentado aqui…

GD: Novo murmúrio

FP: Tem assinatura…

GD: Ai tem assinatura, de deputados do PSDB. Não precisa irmão. Parece que você não quer ir para casa, deputado.

FP: Bom, tem essa aqui, acho que vai-te interessar. A lista de todos os políticos que aceitaram dinheiro em troca do voto a favor da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.

GD: Ah. Oh. Vamos guardar isso aí

FP: Tem a certeza? Acho importante

GD: É importante você guardar a pastinha. Isso, abre mais não. Porra, me ajuda a te ajudar.

FP: Bom, eu já te mostrei tudo. Ah, tenho esse aqui, não sei se te ajuda. É um jantar que teve em Paris, isso aqui é a continha do jantar, 50 mil reais que foram gastos de dinheiro público.

GD: Quem estava lá?

FP: Uma reunião de aliança do PSDB com o PMDB, eles se encontraram em Paris e eu estava lá inclusive.

GD: Que vocês comeram lá?

FP: A gente comeu muita coisa. Muita bebida, muito champanhe, muito vinho que a gente levou até para nossa adega pessoal

GD: Bom, bacano. Mas está em francês, que é isso aqui? (a mostrar o recibo do jantar).

FP: Esse aí é arroz de lula.

GD: (virando-se noutra direção) Machado, pode emitir mandado de prisão. Avisa lá o juiz que a gente pegou o Lula.

 

Interrupção no sketch

 

GD: Legal, mas você não precisa de mais nada?

FP: Não, não preciso de mais nada.

GD: Vamos supôr que você precisa de cozinhar, de que você precisa?

FP: Preciso d’uma panela.

GD: D’uma panela? Dilma?

FP: Dilma?

GD: Dilma? Dilma? É Dilma? (Noutra direção) Olha, pode emitir outro mandado. Está presa a comparsa dele também.