Os dados fiscais dos portugueses envolvidos no caso Panama Papers vão ser analisados à lupa pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que já solicitou ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) a lista completa dos nomes portugueses envolvidos no caso.
O fisco quer despistar se estes gestores incorreram ou não em esquemas de fraude e evasão fiscal, mas alguns dos nomes associados ao escândalo do Panamá não utilizaram apenas longínquos paraísos fiscais para pagar menos impostos.
Em Portugal, a lista da Autoridade Tributária e Aduaneira com as empresas que receberam benefícios fiscais nos últimos anos inclui múltiplas sociedades controladas por Ricardo Salgado, Luís Portela, Ilídio Pinho e à sociedade de advogados Abreu. Segundo o levantamento do i, foram concedidas benesses fiscais superiores a 42 milhões de euros.
Manuel Vilarinho não aparece nesta lista do fisco, que começou a ser feita em 2010 e que tem dados até 2014.
Todos os anos, as Finanças fazem uma extensa lista dos contribuintes que receberam as dezenas de apoios fiscais permitidas na lei: abatimentos ao rendimento das empresas, deduções à coleta, reduções de taxas, isenções temporárias ou definitivas, etc.
A título de exemplo, as sociedades de capital de risco, que investem em novos negócios, podem ter um regime fiscal mais favorável, tal como os fundos de investimento e de pensões ou as entidades de solidariedade social. As empresas que criem postos de trabalho ou façam investimentos sob determinadas critérios podem também benefícios fiscais.
O problema é que, pelo menos no caso do Grupo Espírito Santo, várias das empresas que aparecem na lista de apoios do Estado são simultaneamente empresas sob investigação das autoridades, por operações alegadamente fraudulentas cometidas antes da queda do BES, como a venda de papel comercial a clientes de retalho.
Ricardo Salgado: 39,6 milhões
O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação indicou, através do “Expresso” e da TVI, que uma misteriosa empresa do Grupo Espírito Santo, a ES Enterprises, conseguiu escapar durante 21 anos ao radar das autoridades ao utilizar uma complexa rede de sociedades em “offshores” por onde circularam mais de 300 milhões de euros. E, ao longo do período em que Ricardo Salgado terá usado estas complexas engenharias financeiras, o Estado português financiou parte da atividade da família Espírito Santo em território nacional. Segundo o levantamento do i, com recurso à base de dados das Finanças, mais de 20 empresas do GES receberam um total de 39,6 milhões de euros através dos diferentes benefícios fiscais previstos na legislação, entre 2010 e 2014. Os apoios mais volumosos foram atribuídos a fundos de pensões e de investimento do grupo. Só em 2014, o ano da queda do BES, o fundo de pensões do banco, gerido por uma empresa do GES, a ESAF, obteve um benefício fiscal superior a 18 milhões de euros. Segundo a lista das Finanças, algumas das empresas que o Estado subsidiou ao longo de cinco anos estiveram envolvidas nos alegados esquemas de fraude e branqueamento detetados nas investigações do Banco de Portugal e do Ministério Público. É o caso da própria ESAF. Foi através dos fundos de investimento desta sociedade que parte do polémico papel comercial foi vendido a clientes de retalho, mas a empresa recebeu benefícios fiscais nos últimos cinco anos. A Espírito Santo Resources, que esteve envolvida na alegada venda fraudulenta da Escom, também foi apoiada. A sucursal portuguesa do Banque Privée Espírito Santo, que também vendeu papel comercial do GES, está na lista do fisco.
Ilídio Pinho: 1,2 milhões
O empresário que fundou a Colep nos anos 60 aparece nos Panama Papers como estando ligado a um grupo de nove pessoas podiam abrir e fechar contas da empresa IPC Management Inc, ligada ao veículo offshore Stardec Investments. O gestor negou a ligação a estas empresas que a investigação do Panamá descobriu. Em Portugal, aparece como beneficiário de benefícios fiscais atribuídos pelo Estado. Em 2012 e 2013, a Fundação Ilídio Pinho obteve isenções de impostos que totalizaram 1,2 milhões de euros, previstas para as pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social. No total, esta entidade de apoio à ciência, à inovação tecnológica, à “difusão da cultura portuguesa” e “reforço da solidariedade” entre os povos não pagou um milhão de euros em impostos, ao abrigo destes apoios.
Luís Portela: 1 milhão
Neto do fundador da farmacêutica Bial, Luís Portela presidiu a empresa nos anos de maior expansão internacional. Segundo a investistigação do consórcio de jornalistas do caso Panama Papers, o gestor controlava a sociedade offshore Grandison International Group Corp, que terá entretanto sido desativada. O grupo Bial recebeu entre 2010 e 2014 cerca de um milhão de euros em benefícios fiscais concedidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através de seis entidades: Bial SGPS, Fundação Bial, Bial Portela & Cª SA, Bial Aristegui, Bial Port e Interbial. Os apoios mais volumosos foram concedidos à fundação, a título de apoios para pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social.
Advogados Abreu: 0,2 milhões
Segundo a documentação Panama Papers, a sociedade de advogados aparece a intermediar vários negócios através de paraísos fiscais. Um dos advogados do escritório, André Gouveia e Silva, é apontado como um contacto de referência da offshore MSMS Trading, encerrada em 2011.
A sociedade garantiu que cumpre “escrupulosamente” todas as obrigações legais e não comentou casos específicos devido ao sigilo profissional. Em Portugal, a empresa usufruiu de forma recorrente de benefícios fiscais. Nos cinco anos de registos do fisco, aparece em todos como beneficiária de apoios fiscais, no total de 232 mil euros. A maior parte são majorações ao rendimento devido a donativos feitos pela sociedade de advogados.