Ainda que possa ser contraditório à primeira vista, não será irrazoável ponderar que, na veste de irmãos siameses do sistema que nos gere há quatro décadas, PS e PSD se encontram numa mesma encruzilhada da história. Se se quiser, num mesmo e só desafio para o futuro: a sua permanência como um dos dois grandes partidos da alternância, ainda que complementados pelos partidos à sua esquerda (novidade estruturante de António Costa) ou à direita. Neste sentido, poderemos estar a viver uma transição radical para um outro modelo político-parlamentar de governação. Em suma, um outro regime.
Para o PS, o caminho escolhido da “maioria de esquerda” alterou o perfil de entendimento único com PSD e/ou CDS, abriu brechas internas e depositou desconfianças externas que estão em vigilância permanente. O PS de governo “à esquerda” é um intenso laboratório político (com recursos humanos de referência) de consequências imprevisíveis no caso de as previsões não baterem certo. Se não baterem, a erosão não é risco improvável e a etiqueta de partido dominante poderá ser discutida (em especial se a radicalização crescer na massa votante). O mais arriscado não foi reverter; o mais perigoso será reverter o que foi revertido. Se a receita falhar (com as reminiscências do “eleitor” regado como “consumidor”), o precipício terá de ser gerido com pinças, no abismo do equilíbrio.
Para o PSD, depois do “choque de realidade” que foi a posse do governo de Costa, segue-se o “choque da oposição”. Passos não abdicou do poder partidário e assume naturalmente que não lhe resta outra hipótese que não seja construir e propor um outro “programa”. A reação à vacuidade confrangedora e mimética do Plano Nacional de Reformas é uma manifestação do que nos espera: marcação à zona e marcação ao homem, discurso de antítese, propostas de rutura. Passos não vai despedaçar o seu capital político – assente, por exemplo, na luta fria contra a demagogia que instalou no governo com o CDS – nem vai formar um outro estilo de liderança – foi neste que se confiou para ganhar eleições a Costa e será este que, a ter sucesso, lhe dará novamente probabilidades de vitória. Mas não chega. Passos tem de renovar nas pessoas que apresentará ao país na invocada fase “pós-Costa” – o que não sucedeu internamente no congresso de Espinho -, tendo em vista as reformas com que se compromete. Passos tem de avocar algumas bandeiras que não teve oportunidade de instalar no governo e que dizem muito ao eleitorado que quer fidelizar e concentrar: combate aos interesses, às clientelas e às práticas ilícitas; combate pelo investimento e crescimento no privado, pelo mérito e competência no Estado. Ao PS perdido na sua ideologia não cabe agora ao PSD discutir ideologias, como se fosse preciso relembrar que a uniformidade ideológica sempre foi um ponto fraco num partido forte em militância e compromisso dos votantes. O tema é outro. Passos vai ter de ter um discurso mobilizador para fora do partido; um discurso de país, em modo “antes que seja tarde”, com mobilização das hostes e renovação externa, para se invocar como motor do “reformismo”. Sob pena de o CDS crescer no conservadorismo acrítico em que mergulhou e de o PS cavalgar a onda mesmo quando terminar a injeção de capital do BCE. Se falhar, também o PSD estará em risco no domínio e voltará a estar à espera de uma liderança sebastiânica. Não é solução.
Nos tempos próximos joga-se o destino de PS e PSD. Que é como quem diz o destino de um país. Daí a importância.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra.
Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira