Chapéus há muitos…


Pode ser que a divulgação dos Papéis do Panamá, na terra dos chapéus e do Canal, contribua para algum tipo de avanço global no destapar das carecas


Só o facto de as nossas sociedades serem essencialmente reativas pode justificar a comoção gerada pela divulgação de dados das contas alojadas nos offshores da firma de advogados Mossack Fonseca, no Panamá. Os Papéis do Panamá, como a coisa foi designada, são alguma novidade para alguém? E no entanto, por interesse ou por inércia, a existência destes alçapões de realidade persistem num mundo em que impera a desregulação, sobretudo para quem tem a informação e os recursos e pode exercitar o jogo do cobertor. Além das operações que resultam ou se destinam à concretização de ilegalidades e de crimes, sempre que alguém se refugia nos esquemas dos offshores, para fazer do segredo a alma do negócio e garantir uma menor ou nula tributação fiscal, a carga aumenta sobre quem, no quadro de remunerações legais, não pode fugir ao pagamento de impostos. A útil conveniência invocada dos offshores ou das zonas francas como o Centro Internacional de Negócios da Madeira (não listado pela OCDE como paraíso fiscal) é a captação de investimento estrangeiro, o apoio à internacionalização e a criação de emprego qualificado, mas a realidade subjacente é reveladora do degredo instalado. A perceção da realidade há muito que existe, a conveniente inércia capitalista tem sido mais que muita na manutenção dos esquemas e do manto protetor do silêncio. Pode ser que a divulgação dos Papéis do Panamá, na terra dos chapéus e do Canal, contribua para algum tipo de avanço global no destapar das carecas. A perturbação do sentimento de impunidade de alguns vai suscitar maior e mais elaborada criatividade dos esquemas, oportunidades para outros alçapões, e espera-se também que possa gerar algum movimento geral de aperto aos esquemas fraudulentos e criminosos. Pode ser que se mexam, senão o dinheiro mexe-se. Afinal, chapéus há muitos e haverá sempre este tipo de chapeleiros prontos a tapar as carecas do capital.

Sem chapeladas, mas com uma espécie de barrete, o PSD realizou o seu congresso nacional num exercício de transformismo sem qualquer nexo com a realidade. É certo que caiu na real: está na oposição. Mas alguém acredita que, num fim de semana, a genuinidade da transformação operada possa ir ao ponto de invocar a social-democracia renegada nos últimos 4 anos, trocar a tecnocracia pelo humanismo e ter um conjunto de preocupações com as pessoas e com os territórios, rejeitados durante a sua prática governativa? E depois há a cereja no topo desse barrete político, a promoção política de Maria Luís Albuquerque, ainda embrenhada na sua contratação pelo grupo britânico Arrow Global, que recebeu benefícios fiscais do Estado português. Pior só se tivesse sido Vítor Gaspar o promovido. Apesar das circunstâncias em que deixou de ser poder, Pedro Passos Coelho está enleado no passado, sem tom, sem registo e sem autonomia para recuperar a confiança perdida. Voltar a ser poder não depende de si, depende do fracasso das circunstâncias e da falta de memória dos portugueses. Ambos precisam de tempo e duvido que o tenha quando, à semelhança do que aconteceu no PS, há uma espécie de predestinado a minar o trabalho, sem a coragem de se assumir no tempo difícil. A sintonia dos oportunistas é algo que não muda em função dos chapéus partidários, é transversal, felizmente não generalizada. Bonés há muitos.

Na estratégia de alargar o horizonte de futuro da governação e da oposição, como se ambos estivessem a lutar contra o tempo para a credibilização das soluções, as eleições autárquicas de 2017 estão a assumir relevância política vital. Aprovado o Orçamento do Estado para 2016, colocam-se novos desafios políticos e eleitorais: as eleições regionais dos Açores, em que o PS espera renovar a maioria absoluta, e o OE2017. No entanto, será nas autárquicas que a generalidade do povo português será chamada a pronunciar-se. O PS, que é o maior partido autárquico, nas freguesias e nos municípios, tem dados sinais desastrosos na gestão do processo. Renuncia a querer ser mais no Porto do que um subserviente beneficiário das migalhas de quem está no poder com o impulso inicial do CDS; enuncia uma frente de esquerda em Lisboa com se reconhece a incapacidade para prosseguir o projeto nos termos em curso e assiste sem intervenção relevante à proliferação de quezílias locais lesivas da credibilidade dos projetos políticos. Tal como no plano nacional, os egos valem mais que a política e os valores. O PSD tem nas autárquicas a sua primeira oportunidade nacional para resgatar o que quer que seja, depois de há três anos ter tido uma brutal derrota infligida pelo PS. O Bloco de Esquerda terá nas autárquicas a sua grande prova pós-apoio ao governo do PS. Sem pessoal político que alimente uma rede local com a credibilidade conseguida no plano nacional, o dilema será entre a consolidação do apoio ao PS ou o risco de mais um fracasso autárquico por falta de candidaturas locais que assegurem implantação e resultados. O PCP, no atual quadro de apoio político ao governo do PS e de agitação política local com temas que poderia resolver no patamar da governação, fará das eleições autárquicas mais uma prova de vida fundamental para a sua implantação e para a rotação dos seus quadros políticos.

Entre panamás, barretes e afins, vai animada a situação. Chapéus há muitos e sempre existirão.

Nota Final – Chapéu de palha. Segundo documentos do governo da Venezuela, entre 2003 e 2011 terão sido pagos mais de sete milhões de euros à fundação que originou o Podemos para “ propiciar mudanças políticas em Espanha mais alinhadas com o regime bolivariano”. Tanta autoridade moral de uma certa esquerda e profusa verborreia contra as ingerências, e depois isto.

Membro da comissão política nacional do PS

Escreve à quinta-feira


Chapéus há muitos…


Pode ser que a divulgação dos Papéis do Panamá, na terra dos chapéus e do Canal, contribua para algum tipo de avanço global no destapar das carecas


Só o facto de as nossas sociedades serem essencialmente reativas pode justificar a comoção gerada pela divulgação de dados das contas alojadas nos offshores da firma de advogados Mossack Fonseca, no Panamá. Os Papéis do Panamá, como a coisa foi designada, são alguma novidade para alguém? E no entanto, por interesse ou por inércia, a existência destes alçapões de realidade persistem num mundo em que impera a desregulação, sobretudo para quem tem a informação e os recursos e pode exercitar o jogo do cobertor. Além das operações que resultam ou se destinam à concretização de ilegalidades e de crimes, sempre que alguém se refugia nos esquemas dos offshores, para fazer do segredo a alma do negócio e garantir uma menor ou nula tributação fiscal, a carga aumenta sobre quem, no quadro de remunerações legais, não pode fugir ao pagamento de impostos. A útil conveniência invocada dos offshores ou das zonas francas como o Centro Internacional de Negócios da Madeira (não listado pela OCDE como paraíso fiscal) é a captação de investimento estrangeiro, o apoio à internacionalização e a criação de emprego qualificado, mas a realidade subjacente é reveladora do degredo instalado. A perceção da realidade há muito que existe, a conveniente inércia capitalista tem sido mais que muita na manutenção dos esquemas e do manto protetor do silêncio. Pode ser que a divulgação dos Papéis do Panamá, na terra dos chapéus e do Canal, contribua para algum tipo de avanço global no destapar das carecas. A perturbação do sentimento de impunidade de alguns vai suscitar maior e mais elaborada criatividade dos esquemas, oportunidades para outros alçapões, e espera-se também que possa gerar algum movimento geral de aperto aos esquemas fraudulentos e criminosos. Pode ser que se mexam, senão o dinheiro mexe-se. Afinal, chapéus há muitos e haverá sempre este tipo de chapeleiros prontos a tapar as carecas do capital.

Sem chapeladas, mas com uma espécie de barrete, o PSD realizou o seu congresso nacional num exercício de transformismo sem qualquer nexo com a realidade. É certo que caiu na real: está na oposição. Mas alguém acredita que, num fim de semana, a genuinidade da transformação operada possa ir ao ponto de invocar a social-democracia renegada nos últimos 4 anos, trocar a tecnocracia pelo humanismo e ter um conjunto de preocupações com as pessoas e com os territórios, rejeitados durante a sua prática governativa? E depois há a cereja no topo desse barrete político, a promoção política de Maria Luís Albuquerque, ainda embrenhada na sua contratação pelo grupo britânico Arrow Global, que recebeu benefícios fiscais do Estado português. Pior só se tivesse sido Vítor Gaspar o promovido. Apesar das circunstâncias em que deixou de ser poder, Pedro Passos Coelho está enleado no passado, sem tom, sem registo e sem autonomia para recuperar a confiança perdida. Voltar a ser poder não depende de si, depende do fracasso das circunstâncias e da falta de memória dos portugueses. Ambos precisam de tempo e duvido que o tenha quando, à semelhança do que aconteceu no PS, há uma espécie de predestinado a minar o trabalho, sem a coragem de se assumir no tempo difícil. A sintonia dos oportunistas é algo que não muda em função dos chapéus partidários, é transversal, felizmente não generalizada. Bonés há muitos.

Na estratégia de alargar o horizonte de futuro da governação e da oposição, como se ambos estivessem a lutar contra o tempo para a credibilização das soluções, as eleições autárquicas de 2017 estão a assumir relevância política vital. Aprovado o Orçamento do Estado para 2016, colocam-se novos desafios políticos e eleitorais: as eleições regionais dos Açores, em que o PS espera renovar a maioria absoluta, e o OE2017. No entanto, será nas autárquicas que a generalidade do povo português será chamada a pronunciar-se. O PS, que é o maior partido autárquico, nas freguesias e nos municípios, tem dados sinais desastrosos na gestão do processo. Renuncia a querer ser mais no Porto do que um subserviente beneficiário das migalhas de quem está no poder com o impulso inicial do CDS; enuncia uma frente de esquerda em Lisboa com se reconhece a incapacidade para prosseguir o projeto nos termos em curso e assiste sem intervenção relevante à proliferação de quezílias locais lesivas da credibilidade dos projetos políticos. Tal como no plano nacional, os egos valem mais que a política e os valores. O PSD tem nas autárquicas a sua primeira oportunidade nacional para resgatar o que quer que seja, depois de há três anos ter tido uma brutal derrota infligida pelo PS. O Bloco de Esquerda terá nas autárquicas a sua grande prova pós-apoio ao governo do PS. Sem pessoal político que alimente uma rede local com a credibilidade conseguida no plano nacional, o dilema será entre a consolidação do apoio ao PS ou o risco de mais um fracasso autárquico por falta de candidaturas locais que assegurem implantação e resultados. O PCP, no atual quadro de apoio político ao governo do PS e de agitação política local com temas que poderia resolver no patamar da governação, fará das eleições autárquicas mais uma prova de vida fundamental para a sua implantação e para a rotação dos seus quadros políticos.

Entre panamás, barretes e afins, vai animada a situação. Chapéus há muitos e sempre existirão.

Nota Final – Chapéu de palha. Segundo documentos do governo da Venezuela, entre 2003 e 2011 terão sido pagos mais de sete milhões de euros à fundação que originou o Podemos para “ propiciar mudanças políticas em Espanha mais alinhadas com o regime bolivariano”. Tanta autoridade moral de uma certa esquerda e profusa verborreia contra as ingerências, e depois isto.

Membro da comissão política nacional do PS

Escreve à quinta-feira