1. Celebrar a Constituição da República Portuguesa (CRP) é recordar também os 40 anos de paz, liberdade e progresso social que – pesem os avanços e recuos – nos permitiram distanciar da ditadura prepotente, retrógrada, inigualitária e injusta que nos governou até ao 25 de abril.
Para os que, da minha geração, viveram ainda esses tempos negros da história, mas puderam depois fazer a maioria da sua vida regidos já pela nova lei fundamental da República, recordar a época em que a Constituinte aprovou o seu texto é sempre comovente e reconfortante.
2. O Presidente da República propôs recentemente que a CRP fosse ensinada nas escolas. É, sem dúvida, uma boa ideia.
Ninguém melhor do que ele – sobretudo pela sua atual posição institucional, mas também por ter sido um dos constituintes que a aprovou – estava em posição de, por todos, fazer tal proposta.
Esta só merece, porém, ser discutida e ensinada se o for de maneira aberta e participada.
Como professor de Direito Constitucional, o Presidente tem – estou seguro – uma leitura não textual da CRP que não deixará de se refletir em tal proposta.
3. Muitos são hoje os que, não rejeitando abertamente os princípios constitucionais implícitos no texto da CRP, são, todavia, capazes de os abraçar de mente sã.
Tais princípios – tal como interpretados pelo Tribunal Constitucional – são, porém, os que dão vida e atualidade à CRP.
São eles, de resto, que nos permitem participar da cultura constitucional mundial, desenvolvida nas diversas declarações internacionais sobre direitos civis, políticos e sociais.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional faz, por isso, parte do entendimento e da vivência atuais da CRP.
4. Alguns teóricos do bloco de interesses que, na prática, tem dirigido o país procuram cavar uma diferença profunda na vinculação jurídica entre direitos constitucionais.
Fundam-se no argumento falacioso de que os direitos sociais – ao contrário dos civis – são onerosos e que, portanto, a sua concretização depende das possibilidades financeiras e do desenvolvimento económico do país.
Tal interpretação esquece – por irreflexão ou má-fé – que todos os direitos são, afinal, onerosos.
Nada mais caro para o Estado do que manter parlamento, governo, tribunais, forças armadas, polícias, conservatórias, notários e entidades reguladoras, com a intenção justa de assegurar a soberania, a paz, as liberdades cívicas e políticas e o próprio direito de propriedade privada.
5. Recentemente, devido à intervenção da troika, as liberdades políticas do país – o poder de este decidir da governação – foram condicionadas pela sua situação económica.
O mesmo se aplica aos cidadãos: quem não gozar de direitos sociais que lhe garantam uma vida autónoma vê condicionada a capacidade para exercer os seus direitos políticos e liberdades cívicas.
Por outro lado – sabemos – só a existência de direitos civis e políticos tem permitido aos portugueses defender, em paz, a CRP e a concretização dos direitos sociais.
Uma das virtudes da CRP é, precisamente, a de ter encontrado soluções equilibradas para a conjunção prática de ambos os grupos de direitos.
6. Aquilo a que a CRP procura dar corpo no seu ecletismo cultural e político é, afinal, à ideia complexa de “dignidade da pessoa humana”.
A dignidade de uma pessoa jamais pode ser perspetivada, porém, se lhe for amputada qualquer das dimensões de direitos que integram a CRP.
Defender e ensinar a CRP terá de significar, por isso, explicar todo o seu sentido e os princípios em que assenta.
Jurista. Escreve à terça-feira