Neves de Almeida. “Não se cria emprego por decreto”

Neves de Almeida. “Não se cria emprego por decreto”


Para o líder da Boyden, empresa de caça-cabeças, as alterações à legislação do trabalho só têm um impacto positivo quando forem no sentido de criar maior fluidez e acusa sindicatos de serem demagógicos


Para Fernando Neves de Almeida, fundador da consultora Neves de Almeida e líder da Boyden Portugal, empresa que atua na área de executive search (também conheçida por caça-cabeças) admite que o fator “cunha” ainda continua a prevalecer no recrutamento das empresas portuguesas e, como se trata de uma questão cultural, só irá acabar com o tempo. No entender do responsável, a melhor forma de recrutar a recorrer aos métodos profissionais de executive search e que também deveriam ser aplicados para cargos da administração pública e, no limite, aos próprios ministros. Mas para isso, os cargos têm de ser melhor remunerados, caso contrário o incentivo a não ser honesto é grande.

Fundou a Neves de Almeida em 1991 e em 1998 passou a liderar a Boyden. Nota grandes diferenças no mercado de trabalho?

No que diz respeito a formação não, o que mudou foi a formação experiencial. Há uma maior aposta nos team building. Antigamente era menos usual, hoje em dia faz-se mais formação com atividades outdoor.

O próprio mercado começou a pedir?

Começaram a surgir mais ofertas, pessoas ligadas a desporto começaram a vir para a área dos recursos humanos e começou-se a criar uma moda. Neste caso, até acho que é uma metodologia simpática de mudar comportamentos.

O executive search continua a ser a melhor forma de contratar?

Sem dúvida, implica irmos à procura de uma pessoa que vai fazer bem aquela profissão, quer esteja a trabalhar, quer esteja desempregada. Não estarmos à espera que as pessoas nos contactem. Ou seja, tenho um perfil e tenho de ir à procura da pessoa que esteja mais próxima daquele perfil. É uma tarefa muito técnica, requer muitas horas homem e um grande investimento de pesquisa. Mas digam o que disserem não há um recrutamento tão bom como este.

Evita erros de casting…

Pode sempre acontecer porque estamos a lidar com pessoas, com organizações, mas é muito raro correr mal. A probabilidade de isso acontecer é muito mais baixa do que o método tradicional. Mas este método concorre com duas realidades distintas: uma são as empresas que recebem curriculuns, apostam em bases de dados e se o cliente contratar alguém paga-lhes, senão não paga, não andam à procura da pessoa x. A outra forma de recrutamento é através de conhecidos e amigos. No meio estão as empresas que fazem a pesquisa direta, são as que fazem o trabalho mais profissional e com mais garantia ao cliente de que está a recrutar bem.

O mercado já começa a preferir desta forma?

Sem dúvida, o mercado valoriza mais e vai valorizar ainda mais no futuro. Todos os países economicamente mais desenvolvidos na Europa, com PIB mais elevado, com maior produtividade e profissionalismo na gestão utilizam quase exclusivamente o executive search como forma de recrutamento. Por exemplo, no Reino Unido se for recrutar alguém para um quadro de topo que não seja por executive search é visto com desconfiança. Em Portugal ainda não é assim, para lá vamos caminhando porque os erros de casting pagam-se muito caros e quando a concorrência aumenta e quando a crise aumenta, as empresas precisam da qualidade das pessoas para terem melhores resultados. Não se fazem milagres, se as pessoas são melhores, os resultados também serão.

Mas o fator cunha continua a prevalecer?

Sim, é uma questão cultural. Só se consegue acabar com o tempo. Isto é como tudo, por exemplo, em Portugal mostrámos um grande civismo com a introdução das passadeiras para peões. Hoje em dia 95% das pessoas param nas passadeiras. Na altura quando foi implementado pensava que a medida não ia ser cumprida. O fator cunha como é uma questão cultural, ainda permanece porque as organizações aceitam. Não parece feio, como não parecia feio há uns anos atrás fugir aos impostos, antigamente uma pessoa era bem vista por ser chica-esperta, hoje já não acontece.

Mas isso acontece mais nas pequenas e médias empresas?

Sim, as multinacionais fazem recrutamento profissional. As mais produtivas e as melhores empresas fazem isso. Isso já é um indicador, se as melhores fazem é porque é bom, não são burras.

Era importante que os elementos do governo fossem recrutados com esta metodologia? Continua a existir o job for the boys?

Continua a existir muito. Isto também é um fator cultural e que não acaba de um dia para o outro. Mas ao nível dos membros do governo – ministros e secretários de Estado – muito dificilmente algum dia as coisas serão feitas dessa forma.

Mas seria desejável?

Seria, pelo menos, para um caso ou outro. Mas o lugar de ministro também é um lugar de confiança política e, com a cultura vigente, acho difícil algum dia enveredar por um recrutamento profissional a este nível. Mas nas grandes empresas multinacionais que, muitas vezes, lidam com orçamentos maiores do que o PIB português, as pessoas que reportam ao presidente são recrutadas desta forma e a confiança ganha-se. Por isso, a questão da confiança é, muitas vezes, uma falsa questão. No limite todas as funções de responsabilidade deveriam ser recrutadas desta forma e, no limite, os elementos do governo poderiam ser escolhidos desta maneira. Na política também admito que existem outras questões como a lealdade, se alguém nos ajudou a vencer as eleições é normal que queiramos que essa pessoa esteja no governo, há pessoas que podem ter as características que são precisas e que o primeiro-ministro confia.

E nas empresas públicas?

Aí sim. O que não consigo entender é que do governo para baixo, em lugares de gestão como é que continuam a fazer nomeações por cor partidária ou por amizade porque essas pessoas vão gerir um património, quer nos serviços públicos quer nas empresas públicas, que é de todos nós. Em alguns casos, essas pessoas vão gerir mal o nosso dinheiro, os nossos impostos que custam tanto a pagar porque temos uma carga fiscal altíssima. Convém que, quem gere esses recursos, sejam as pessoas mais competentes possíveis com as restrições que existem, nomeadamente, em termos de salário, etc. Não vou dizer que é crime, mas acho que é um desperdício de recursos não recrutar profissionalmente para cargos de administração pública e para administradores de empresas públicas. Por exemplo, o maior cliente da Boyden no Canadá é a administração pública.

Os governos vão mudando, mas continua a não existir essa aposta no recrutamento especializado…

Já se recrutou profissionalmente uma vez ou outra, mas na maior parte dos casos não. O anterior governo lançou o CRESAP, mas não é uma área de search, não é uma área para descobrir recursos, é um organismo que gere concursos e avalia os candidatos que chegam lá das mais variadas formas. Não tem como missão andar à procura da pessoa certa, mas é melhor que nada. Estamos a perder oportunidades de fazer coisas mais bem-feitas porque, em muitos casos, a gestão não é mais eficiente porque as pessoas não são recrutadas como devem ser. Depois há outra coisa, os políticos teriam de começar a pensar que teriam de pagar mais à administração pública.

Acha que os salários são baixos?

Terão de pagar salários um pouco mais adequados a determinados cargos da Função Pública sob pena que, mesmo que queiram fazer recrutamento profissional, de ninguém querer vir a desempenhar essas funções, pois podem desempenhar no privado com salários superiores. O salário para os quadros médios da administração pública é relativamente bom, aí não há problema. O problema são os quadros de topo. Por exemplo, o salário de um primeiro-ministro, espero não estar a dizer nenhuma asneira, mas ronda os seis ou os oito mil euros brutos e ser primeiro-ministro, independentemente de gostarmos de A, B ou C, a responsabilidade que essa pessoa tem e o impacto que pode ter na vida de todos nós é brutal. Eu gostava de ter como primeiro-ministro o gestor mais competente do país, independentemente da cor política. Ora um excelente gestor não aceita esses valores. As pessoas que o fazem é por amor à camisola porque são “animais” políticos e são honestos. Temos tido primeiros-ministros honestos, mas o incentivo a não o ser honesto é grande, porque a pessoa ganha mal e trata de coisas de milhões, de bilhões de euros.

Há sempre uma tentação…

Exatamente e como cidadão não me parece muito correto. Acho que as pessoas deviam ser remuneradas pelo que fazem de acordo com o contrato estabelecido entre as partes.

Soube-se recentemente que Marcelo Rebelo de Sousa vai perder perde 8500 euros por mês…

Mas o dinheiro não é tudo. Até um determinado patamar serve para vivermos, mas a partir daí serve para satisfazer certas necessidades que temos, muitas relacionadas com o ego, estatuto, realização. Muitas vezes, as pessoas prescindem de um determinado montante anual para poderem ter isso. O professor Marcelo pode ter o espírito de missão, gosta de representar a República e acha que é a pessoa mais certa para estar naquele cargo para ele justifica prescindir desse salário. Ou seja, o simbolismo das coisas, a satisfação pessoal, o ego, a vaidade, não estou a dizer que é esse o caso do professor Marcelo, levam algumas pessoas a preferirem ganhar menos para terem essas coisas. Discuti noutro dia isso, com o nosso sócio, Rui Rio, ele acha que as pessoas no público deviam ganhar um pouco mais do que ganham, mas menos do que no privado para saber se a pessoa tem em si essa vocação de serviço público. Se está disposta a prescindir um bocadinho do salário para fazer uma coisa que ele acha que é a sua missão. Ele pensa assim e eu estou tentado a pensar que isso faça algum sentido.

O Canadá é o único caso que recorre muito ao executive search?

Nos EUA também se recruta por executive search para lugares públicos e no Reino Unido também. Mas na generalidade dos países da Europa, as direções gerais da administração pública são mais bem pagas do que no privado.  Um amigo meu que estava a montar uma empresa multinacional de serviços partilhados no Luxemburgo contratou uma empresa de executive search e os melhores candidatos que apareciam eram todos da administração pública e que ganhavam muito e, em muitos casos, a empresa não tinha salários para compensar a mudança. Isso significa que, em muitos países da Europa, a qualidade da administração pública das pessoas, dos recursos e o respetivo salário são diferentes da realidade portuguesa e estou a falar do salário e não da qualidade. Temos gente muito boa na administração pública, por vezes, mas que pode não estar no sítio certo.

Quanto custa um processo destes?

Na Boyden um terço da remuneração bruta anual, na Neves de Almeida 25%.

E que seria pago pelo Estado…

Faz ideia quanto é que o Estado gasta com advogados para fazer pareceres? Pagaria a uma empresa de recrutamento da mesma maneira. E, na maior parte dos casos, os pareceres são menos úteis do que um bom recrutamento. É um trabalho normal que o Estado poderia comprar como compra muitas outras coisas.

Governo quer reduzir a precariedade no mercado de trabalho. Acha importante?

Mas não se cria emprego por decreto, às vezes, para se tentar criar a ilusão da preocupação com o social fazem-se coisas que, elas próprias, contrariam a possibilidade de esse social existir. Não é obrigando seja quem for a não poder despedir que se cria postos de trabalho porque, mais cedo ou mais tarde, vai haver despedimentos, nem que essa empresa vá à falência. Se uma empresa for à falência porque não consegue despedir os trabalhadores, despede todos. Devíamos procurar ser menos demagógicos, incluindo os sindicatos, porque muitas vezes, não estão a defender o interesse dos trabalhadores. O interesse do trabalhar é ganhar o mais possível e isso consegue-se havendo uma economia a crescer, pessoas competentes na gestão, dar incentivos às empresas para crescerem e não criar obstáculos, pôr o Estado a facilitar o desenvolvimento económico e não a dificultá-lo. Isso é que devem ser as grandes preocupações e não acabar com o trabalho precário porque, no limite, tudo é precário. Criar essa pseudo-rigidez é boa para quem tem trabalho certo, mas é péssima para quem está desempregado. E depois pode-se dar o caso de ter gente muito competente desempregada e gente incompetente empregada porque não há rotação nem há um processo de otimização de recursos. Essas alterações de legislação do trabalho só têm um impacto positivo na sociedade quando forem no sentido de criar maior fluidez.