A esquerda das Utopias seletivas


Escrevo a partir de Banguecoque, Tailândia, num momento em que um governo empossado pelas forças armadas, que tomaram o poder num golpe em 2014, tornou público o rascunho de uma nova Constituição, a referendar em agosto próximo, cujos contornos na sua formulação dificilmente poderão ser considerados democráticos. 


Antes da sua divulgação, na terça-feira passada, a junta militar proibiu críticas ao esboço e, durante o fim de semana, um político foi detido por postar no seu Facebook que o primeiro-ministro se deveria demitir caso aquele esboço venha a ser rejeitado pelo povo tailandês. Pergunto: o parlamento português manifestou alguma espécie de repulsa pelo que se passa na Tailândia? Mas será que devia? É óbvio que não.

Convém lembrar todos quantos abraçam – seletivamente – causas supostamente politicamente corretas que, independentemente do conteúdo da sentença do tribunal angolano, o Estado angolano é isso mesmo, um Estado, independente do nosso país, soberano, com órgãos próprios, pelo que a postura recente assumida pelos grupos parlamentares do BE e do PS representa uma ilegítima interferência na soberania de um Estado terceiro. É, além do mais, irresponsável. A sociedade civil pode, caso entenda, assumir as críticas e apoios que lhe aprouverem. Agora, não é papel do parlamento viver ao ritmo dos caprichos de utopias que visam apenas capturar votos. Com custos elevados. Pois quem se motiva por falsas utopias corre o risco de perder a coerência; os que hoje se indignam com a justiça angolana estiveram na primeira linha a aplaudir as Primaveras Árabes, para de seguida se lamentarem pelo caos trazido pela desagregação dos Estados soberanos na Líbia ou na Síria e pelos problemas que hoje os refugiados provocam ao Ocidente. No campo da utopia, podemos viver comovidos com as perseguições a Lula e a Dilma, ao mesmo tempo que destilámos, no parlamento, repulsa em relação a processos judiciais em curso em países há décadas independentes. Certas utopias são isso mesmo: jogos mediáticos para captar votos de incautos, independentemente dos custos que impliquem para a nossa política externa, o nosso bem-estar e a própria defesa – efetiva – dos direitos humanos que supostamente se pretende tutelar.


A esquerda das Utopias seletivas


Escrevo a partir de Banguecoque, Tailândia, num momento em que um governo empossado pelas forças armadas, que tomaram o poder num golpe em 2014, tornou público o rascunho de uma nova Constituição, a referendar em agosto próximo, cujos contornos na sua formulação dificilmente poderão ser considerados democráticos. 


Antes da sua divulgação, na terça-feira passada, a junta militar proibiu críticas ao esboço e, durante o fim de semana, um político foi detido por postar no seu Facebook que o primeiro-ministro se deveria demitir caso aquele esboço venha a ser rejeitado pelo povo tailandês. Pergunto: o parlamento português manifestou alguma espécie de repulsa pelo que se passa na Tailândia? Mas será que devia? É óbvio que não.

Convém lembrar todos quantos abraçam – seletivamente – causas supostamente politicamente corretas que, independentemente do conteúdo da sentença do tribunal angolano, o Estado angolano é isso mesmo, um Estado, independente do nosso país, soberano, com órgãos próprios, pelo que a postura recente assumida pelos grupos parlamentares do BE e do PS representa uma ilegítima interferência na soberania de um Estado terceiro. É, além do mais, irresponsável. A sociedade civil pode, caso entenda, assumir as críticas e apoios que lhe aprouverem. Agora, não é papel do parlamento viver ao ritmo dos caprichos de utopias que visam apenas capturar votos. Com custos elevados. Pois quem se motiva por falsas utopias corre o risco de perder a coerência; os que hoje se indignam com a justiça angolana estiveram na primeira linha a aplaudir as Primaveras Árabes, para de seguida se lamentarem pelo caos trazido pela desagregação dos Estados soberanos na Líbia ou na Síria e pelos problemas que hoje os refugiados provocam ao Ocidente. No campo da utopia, podemos viver comovidos com as perseguições a Lula e a Dilma, ao mesmo tempo que destilámos, no parlamento, repulsa em relação a processos judiciais em curso em países há décadas independentes. Certas utopias são isso mesmo: jogos mediáticos para captar votos de incautos, independentemente dos custos que impliquem para a nossa política externa, o nosso bem-estar e a própria defesa – efetiva – dos direitos humanos que supostamente se pretende tutelar.