Linda Martini. A arte de saber falhar a nota certa

Linda Martini. A arte de saber falhar a nota certa


“Sirumba” é o quarto disco desta banda obrigatória, que assume a contenção como nova arma. Estreiam-se sábado no Coliseu de Lisboa


Se as entrevistas tivessem um regulamento, por certo não aconteceriam antes das 11h. Quando são às 10h30 tornam-se sonolências partilhadas entre entrevistado e entrevistador, respostas ou perguntas entre bocejos. A não ser que, de tantas entrevistas feitas no mesmo local, a cara do entrevistado já se torne familiar. Coisa que, se o entrevistador for gentil, é motivo para afastar os maus demónios matinais. Ainda assim não elimina a estupidez de gente que se antecipa à hora. O pânico, quando quase sonâmbulo, torna-se gigante, ao ponto de se enviar uma mensagem à assessora de imprensa: “É normal ainda não ter chegado ninguém?”. Se assim não fosse André Henriques não tinha chegado antes da mensagem ser sequer enviada. Cláudia Guerreiro, Hélio Morais e Pedro Geraldes estacionaram logo de seguida, com desejos urgentes de café. No meio disto tudo convém não esquecer: “Sirumba” é o quarto disco dos Linda Martini, que este sábado, dia 2, apresentam no Coliseu de Lisboa. E daqui para a frente nada de café. Só Linda Martini. 

Na faixa-título ouve-se: “Não quero ser doutor”. Mas a verdade é que é praticamente como doutores que chegam a este quarto disco.

Hélio Morais (H.M.): (risos)… Mas não nos sentimos assim. Ainda agora estamos a aprender o que é que queremos ou como sacar de um disco aquilo que imaginamos… Acho que nunca vamos chegar a um ponto em que achemos isso.

Cláudia Guerreiro (C.G.): Sim… ser doutorados em Linda Martini (risos). 

André Henriques (A.H.): Até porque a gente curte o lado amador, não por contraste ao profissional, mas aquela ideia de fazeres sem seres um catedrático. Tem um bocado a ver com as nossas origens, somos todos autodidatas. Gostamos de cultivar essa ideia de mandares os dedos para o lado e teres a nota, que não é a certa, mas é a que nos soa bem. 

Mas por certo percebem o que sugeria. Existem uns Linda Martini que em 2006 surgem pela Naked e que agora já estão na Universal… já têm outro estatuto, mais gente a gostar da vossa música. 

Pedro Geraldes (P.G.): Não sei se temos, parece que sim. Para este disco ainda não sabemos. Mas temos sentido essa progressão, claro. 

Essa maior mediatização influencia de alguma forma o vosso processo? 

A.H.: Não, a única coisa que é diferente é que, no início, ninguém está à espera que faças nada, mas isso acontece logo na viragem para o segundo disco, que é um EP, o “Marsupial”. Aí sentimos que as pessoas já estavam à espera de qualquer coisa. Agora, nunca é uma preocupação, funcionamos muito como uma banda tradicional de garagem, só que já não ensaiamos numa garagem. É muito aquela coisa do umbigo e não pensamos no que alguém está a pensar fora da sala. 

O que disse o umbigo para este disco?

A.H.: Foi engraçado, sentimos que estávamos a fazer uma coisa algo diferente. Não quer dizer que seja uma rutura, não foi o “Kid A” dos Radiohead, não virámos o boneco e fomos para DJs, mas havia ali algo distinto. Ficámos contentes quando depois de sair o single houve quem dissesse que estávamos de cara lavada, não fomos só nós a sentir isso. 

Quão lavada?

A.H.: Há uma diferença fundamental neste disco: está mais rítmico. Fomos buscar outras soluções, uma outra paleta em termos de ritmo e isso deveu-se também à forma como eu e o Pedro abordámos a guitarra. Sempre fomos guitarristas da palheta, prática que veio connosco do punk e do hardcore, e às tantas começámos a tocar com dedos. Ao fazê-lo vais buscar desenhos, acordes e dedilhados que nunca conseguirias com a palheta, e isso veio ditar outras opções para o baixo e para a bateria. 

Às tantas, sem mais nem menos?

A.H.: Sim, não me perguntes porquê. Oque posso dizer é que a “Dez Tostões”, música que até é engraçado que não apareça no disco, influenciou-nos brutalmente. O processo foi diferente e é uma música que se caracteriza por ser calma, downtempo, com um beat sincopado que era algo que não tínhamos explorado tanto no passado. Essa música fez-nos ver que isso também podemos ser nós, em vez de estarmos sempre a comer as guitarras todas ao mesmo tempo, a distorção toda em cima da mesa, se calhar podemos deixar os instrumentos ouvirem-se e a contenção ser uma arma nossa. 

E que arma é esta “Sirumba”? 

C.G.: É um jogo de rua que consiste num retângulo grande com seis quadrados lá dentro. Os quadrados são ocupados pelos ladrões, os polícias estão nos corredores a tentar apanhar os ladrões. Foi um jogo que acho que todos jogámos na nossa escola preparatória. Marca uma fase da nossa vida, entre os 10 e os 13 anos, sei lá. Sirumba para mim significa Censurados, rap tuga, Guns’n’Roses… era aquilo que ouvia na altura. 

Então qual o motivo para esse jogo surgir agora ao quarto disco? 

C.G.: Para já porque é um nome do caraças.

H.M.: Começou como nome de música, o André fez essa letra e depois pôs-se na mesa a possibilidade de chamar isso ao disco também. É um nome fixe porque se o googlares não aparecem muitas referências…

Confirmo que não é fácil… 

H.M.: …Só por isso o nome acaba por ser mais teu. É mais fácil associarem-no a nós. Depois porque gostávamos da sonoridade e tem piada que o nome do disco tenha o nome de uma música, é a primeira vez que nos acontece. É mais uma questão fonética que depois acabar por arranjar um significado engraçado à volta disso, do que a Cláudia disse, todos acabámos por partilhar o mesmo espaço temporal naquela mesma escola… só não nos conhecíamos. 

O primeiro single que lançaram foi o “Unicórnio de Sta. Engrácia”. Estão em grande nos nomes…

A.H.: Normalmente damos nomes provisórios às músicas só para nos orientarmos. E neste caso tínhamos aquele riff inicial e final que era do caraças, achámos muito bom só que depois experimentámos 30 soluções e parecia que o riff que vinha a seguir nunca era tão fixe como o primeiro. Então a música tornou-se um quebra cabeças, todos os dias tocávamos aquilo e não ia a lado nenhum, tenho umas 30 versões disso no meu telemóvel. A ideia da Santa Engrácia veio daí, as obras de Santa Engrácia que nunca acabam. E ainda fomos buscar o unicórnio, tinha ainda mais piada, aquela coisa inatingível que não se consegue agarrar, por isso a questão de seres presa ou predador como diz na letra. É dos poucos casos onde há um conceito tão forte que antecede a escrita que depois até parece fácil. 

Os Linda Martini são tipos de “Comer por Dois” ou são politicamente corretos e nunca repetem?

P.G.: Temos apetite, gostamos de comer bem.

C.G.: Sim, nada de correto na comida. 

A.H.: Somos boa boca, sem dúvida. E uma das partes importantes dos concertos são as refeições.

Têm esse tipo de cuidado ou se for preciso atiram-se a um cozido à portuguesa antes de subir a palco?

C.G: Antes de ir para palco normalmente não acontece porque não costumam servir cozido à noite, mas só por isso. 

Vocês tratavam disso, tranquilamente?

C.G: Então não tratávamos. 

A.H.: Mas sim, gostamos de iguarias e de ir a restaurantes, felizmente a nossa equipa também é boa e leva sempre um guia para descobrimos uns sítios catitas. 

C.G.: Ao ponto de fazermos desvios para ir a Seia comprar vinhos, coisas que não fazem sentido nenhum. A sério, já aconteceu fazermos um desvio de 100 quilómetros para irmos ao Intermarché de Seia comprar bons vinhos do Dão. 

Isso é bonito. 

C.G.: É bonito, mas estúpido também (risos). 

Também é estúpido perguntar-vos se sentem preparados para se estrearem no Coliseu. Como se isso…

C.G.: Mas é bom colocares as coisas dessa maneira. É porque sabes que essa pergunta vai ter uma resposta…

Responde, responde. 

C.G.: Por um lado é claro que sim, pensas “aííí o Coliseu, nunca pensei”. Por outro… no outro dia estava a falar com uma prima que me disse: “Epá, vocês vão ao Coliseu, só bandas muito prestigiadas é que lá vão”. Nem por isso. O Coliseu é uma sala, é investimento. Arriscas ali, se for pouca gente vais ficar com prejuízo. Acreditamos que conseguimos pôr aquilo com pessoas suficientes para não nos espalharmos ao comprido.

H.M.: No fundo não são mais que contas. Agora, se estamos preparados? Nunca estamos na apresentação de um disco, porque é sempre um concerto onde tu vais mais tremido, é a primeira vez que apresentas aquelas músicas ao público. Mas essa fragilidade também é interessante.