Numa era em que esquemas tácticos como o 4-4-2 ou o 3-5-2 predominavam, Cruyff pega no 4-3-3 sobre o qual jogara no Ajax e desenvolve o 3-4-3. Não se assistia ao nascimento de uma filosofia propriamente dita. Ela já existia. Assistia-se a mais do que isso. Pegava-se na mesma, desenvolvendo-a, e criava-se um sustento maior em torno dela. O “cruyffismo” é um futebol de posse, obcecado pela bola e pelo ataque. Um jogo de domínio posicional em que os movimentos ofensivos começam a ser construídos pela defesa. Uma marcação alta, criação de espaço e desorganização do adversário por intermédio de troca de passes, são alguns dos elementos igualmente essenciais.
Uma visão de futebol que só é possível com supremacia técnica e que determina a escolha deste tipo de jogadores no lugar de outros com mais força ou tamanho. Não era raro ouvi-lo relevar jogadores de baixa estatura como Sergi, Amor ou Ferrer, e o seu toque de bola e forte pressão sobre o adversário que nem “ratos”, em detrimento de uma maior força física. Em relação a Guardiola, afirmaria mais tarde – que a sua inteligência facilmente colmatava um défice físico e que seria isso que procuraria sempre num jogador.
Tudo isto perderia força se o seu Barcelona não tivesse sido o que foi. Mas mais ainda se esta filosofia ou conceito do jogo, que vai muito para além do mesmo, não tivesse feito escola no seu clube até aos dias de hoje – e influenciado como nenhum outro, treinadores e jogadores por todo o mundo. Será muito difícil encontrar uma equipa no século XXI cujos níveis de performance e de hegemonia vitoriosa chegue perto do Barça de Pep Guardiola.
Um novo “dream team” cujo papel principal cabe hoje a Luis Enrique. Nele vive um passado de sucesso sem igual neste desporto, sempre pela filosofia do “futebol total”, que para além da vitória, procura em cada jogo, o que de melhor o espectáculo tem. Como disse Guardiola antes de deixar o clube catalão, “Cruyff pintou a capela e desde aí todos os treinadores do Barcelona meramente a restauraram ou melhoraram.”
A verdade é que também hoje será impossível imaginar o futebol da selecção espanhola com outra filosofia senão esta. Tal como no clube catalão, foi com ela que conheceu os maiores feitos da sua história.
Em sintonia com outras áreas da vida, há-de chegar mais tarde o momento em que a criação de Cruyff se desenvolva de tal maneira, que a sua raiz seja dificilmente identificável. Ou que seja substituída por outra sem o sucesso desta. Falar-se-á de outros supostos criadores e pensadores do jogo mas nenhum conseguirá o que o holandês conseguiu. É aqui que ele ganha a qualquer outra grande glória do desporto.
Como se não bastasse o que me dizem do que ele foi enquanto jogador, a sua obra-prima estaria reservada para depois. Acredito mesmo que ele já desconfiava disso quando acabou despedido do Barcelona. Percebeu que nenhum outro cargo dessa relevância seria necessário ou faria sentido pelas sementes que já deixara plantadas.