David e Golias


O bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos atinge todas as esferas da vida em Cuba e tem um caráter extraterritorial, violando todos os princípios vigentes do direito internacional


“Caucubú era a índia mais bela da região de Guamuhaya, filha do cacique Manatiguahuraguana, chefe e senhor do território, em cujo reino se encontrava o povoado de Mancanilla, lugar em que hoje está situada a Cidade de Trinidad em Cuba.”

Falar de Cuba começando pela introdução de uma lenda indígena pareceu-me uma boa forma de recordar que a história, a cultura e as raízes da maior ilha das Caraíbas estão muito para além do imaginário dos charutos, praias, barbudos e salsa.

Está muito para além da propaganda da Guerra Fria ou dos apetites dos terroristas instalados em Miami.

Cuba é um espaço onde se fundiram povos e culturas distintas, estabelecendo entre si uma transculturação em que todos deram e adquiriram algo, cubanos, mestiços e negros.

A sua história é fascinante, a sua cultura e artes têm marca própria inconfundível, os seus êxitos na ciência, educação, saúde e desportos são mundialmente reconhecidos, a sua solidariedade e intervenção humanitária são indiscutíveis, e o papel que nos últimos 60 anos jogou na política internacional ainda está para se conhecer em toda a sua plenitude e consequências.

Um exemplo disso – e para nós, portugueses, provavelmente o facto politicamente mais relevante – foi a intervenção militar cubana na batalha de Luanda e, posteriormente, em Cuito Cuanavale, em 1987/88.

Derradeiro embate entre Cuba e África do Sul racista, entrou para a história como a grande batalha militar em África desde a ii Guerra Mundial e levou à definitiva independência da Namíbia e à posterior libertação de Mandela e abolição do apartheid.

Três anos depois, Nelson Mandela declarou: “Cuito Cuanavale foi uma vitória para toda a África e alterou para sempre o mapa do continente.”

Hoje, Cuba debate-se com imensas dificuldades e insuficiências. É fácil constatá-lo e verificar a existência de pobreza e de uma contenção económica e financeira, mas o que não se verifica é a indigência e abandono social consequência de uma miséria instalada e de um governo corrupto. Isso não existe.

O que existe é algo que se respira envolto na nuvem de um puro na maresia do Malecón, ou nas palavras cruzadas com o “asere” amigo recente: chama-se dignidade e existe aos montões no povo cubano.

Seja a passear na Calle Obispo, na Bodeguita del Medio ou no Vedado, na 5.a Avenida, em Pinar del Río ou em Santiago, seja com o mais humilde cubano ou com o jovem universitário, qualquer cubano oferece dignidade e demonstra orgulho na sua pátria e na sua história.

Por isso, escutar as imbecilidades de “especialistas” jornalistas e outros papistas, de uma ligeireza própria de orgulhosos ignorantes ou de má–fé por puro preconceito ideológico, é um exercício masoquista que nem a tolerância cristã alivia.

Mas por que razão, apesar de cercada e agredida, Cuba conseguiu em 50 anos de esforços coletivos inimagináveis alcançar progressos, garantir direitos e conquistas civilizacionais que a América Latina, e mesmo o poderoso vizinho do norte, não conseguiram em 250 anos? O que manteve os cubanos unidos e capazes de resistir?

De um lado, os Estados Unidos, a maior potência militar, política e económica da história da humanidade, tentam impor através de sua hegemonia a “pax americana” e o “American way of life”.

Do outro lado, a ilha de Cuba que, por conta de sua oposição político-ideológica ao “Império”, resiste há mais de 50 anos a um infame bloqueio jamais visto pela humanidade.

O bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos atinge todas as esferas da vida em Cuba e tem um caráter extraterritorial, violando todos os princípios vigentes do direito internacional, apesar de sistematicamente condenado pela ONU e pelo Vaticano.

Mas têm sido também os atentados particados por mercenários armados de Miami, pagos e treinados pelo governo dos EUA, ao território cubano, com mortes de civis e destruição à bomba de infraestruturas, pragas contra as plantações de cana-de-açúcar e tabaco, propagação de vírus contra animais, as dezenas de tentativas de assassinar Fidel, atentados a turistas e hotéis.

Ao longo dos mais de 50 anos, calcula-se que o total do prejuízo para a economia cubana resultante do bloqueio chegue a 224,6 mil milhões de dólares.

Na verdade, trata-se de uma verdadeira guerra económica contra Cuba, na qual o país é privado de recursos para seu desenvolvimento económico e social, é privado de alimentos, medicamentos, fluxos financeiros e peças para a reparação de equipamentos e roturas.

Na sua vista histórica a Havana, Obama afirmou que Raúl não deveria “temer as vozes diferentes do povo cubano”. Estou de acordo. E vice-versa.

O governo dos EUA não deve temer as vozes dos 68% de americanos que exigem o fim do bloqueio. Nem os políticos neoliberais do mundo devem temer as vozes do povo cubano determinado a defender uma pátria livre e soberana.

Em determinada ocasião, Fidel Castro declarou: “Esta noite, pelo mundo, milhões de crianças vão dormir na rua e adormecer com fome. Nenhuma delas será cubana.”

Este é um facto facilmente verificável para quem vagabundear sem destino pelas ruas de qualquer cidade de Cuba, de dia ou de noite, ou por quem se abeire da abertura das escolas todas as manhãs e troque miradas com os sorrisos dos meninos cubanos, em bandos, vindos das aulas ou a jogar basebol pelas ruas de La Habana Vieja.

Num crocodilo verde vivem uns homens e mulheres raros, talhados a esperança e clarão. Não se rendem, tal David contra Golias, são exemplo. Fazem mira no gigante.

David e Golias


O bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos atinge todas as esferas da vida em Cuba e tem um caráter extraterritorial, violando todos os princípios vigentes do direito internacional


“Caucubú era a índia mais bela da região de Guamuhaya, filha do cacique Manatiguahuraguana, chefe e senhor do território, em cujo reino se encontrava o povoado de Mancanilla, lugar em que hoje está situada a Cidade de Trinidad em Cuba.”

Falar de Cuba começando pela introdução de uma lenda indígena pareceu-me uma boa forma de recordar que a história, a cultura e as raízes da maior ilha das Caraíbas estão muito para além do imaginário dos charutos, praias, barbudos e salsa.

Está muito para além da propaganda da Guerra Fria ou dos apetites dos terroristas instalados em Miami.

Cuba é um espaço onde se fundiram povos e culturas distintas, estabelecendo entre si uma transculturação em que todos deram e adquiriram algo, cubanos, mestiços e negros.

A sua história é fascinante, a sua cultura e artes têm marca própria inconfundível, os seus êxitos na ciência, educação, saúde e desportos são mundialmente reconhecidos, a sua solidariedade e intervenção humanitária são indiscutíveis, e o papel que nos últimos 60 anos jogou na política internacional ainda está para se conhecer em toda a sua plenitude e consequências.

Um exemplo disso – e para nós, portugueses, provavelmente o facto politicamente mais relevante – foi a intervenção militar cubana na batalha de Luanda e, posteriormente, em Cuito Cuanavale, em 1987/88.

Derradeiro embate entre Cuba e África do Sul racista, entrou para a história como a grande batalha militar em África desde a ii Guerra Mundial e levou à definitiva independência da Namíbia e à posterior libertação de Mandela e abolição do apartheid.

Três anos depois, Nelson Mandela declarou: “Cuito Cuanavale foi uma vitória para toda a África e alterou para sempre o mapa do continente.”

Hoje, Cuba debate-se com imensas dificuldades e insuficiências. É fácil constatá-lo e verificar a existência de pobreza e de uma contenção económica e financeira, mas o que não se verifica é a indigência e abandono social consequência de uma miséria instalada e de um governo corrupto. Isso não existe.

O que existe é algo que se respira envolto na nuvem de um puro na maresia do Malecón, ou nas palavras cruzadas com o “asere” amigo recente: chama-se dignidade e existe aos montões no povo cubano.

Seja a passear na Calle Obispo, na Bodeguita del Medio ou no Vedado, na 5.a Avenida, em Pinar del Río ou em Santiago, seja com o mais humilde cubano ou com o jovem universitário, qualquer cubano oferece dignidade e demonstra orgulho na sua pátria e na sua história.

Por isso, escutar as imbecilidades de “especialistas” jornalistas e outros papistas, de uma ligeireza própria de orgulhosos ignorantes ou de má–fé por puro preconceito ideológico, é um exercício masoquista que nem a tolerância cristã alivia.

Mas por que razão, apesar de cercada e agredida, Cuba conseguiu em 50 anos de esforços coletivos inimagináveis alcançar progressos, garantir direitos e conquistas civilizacionais que a América Latina, e mesmo o poderoso vizinho do norte, não conseguiram em 250 anos? O que manteve os cubanos unidos e capazes de resistir?

De um lado, os Estados Unidos, a maior potência militar, política e económica da história da humanidade, tentam impor através de sua hegemonia a “pax americana” e o “American way of life”.

Do outro lado, a ilha de Cuba que, por conta de sua oposição político-ideológica ao “Império”, resiste há mais de 50 anos a um infame bloqueio jamais visto pela humanidade.

O bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos atinge todas as esferas da vida em Cuba e tem um caráter extraterritorial, violando todos os princípios vigentes do direito internacional, apesar de sistematicamente condenado pela ONU e pelo Vaticano.

Mas têm sido também os atentados particados por mercenários armados de Miami, pagos e treinados pelo governo dos EUA, ao território cubano, com mortes de civis e destruição à bomba de infraestruturas, pragas contra as plantações de cana-de-açúcar e tabaco, propagação de vírus contra animais, as dezenas de tentativas de assassinar Fidel, atentados a turistas e hotéis.

Ao longo dos mais de 50 anos, calcula-se que o total do prejuízo para a economia cubana resultante do bloqueio chegue a 224,6 mil milhões de dólares.

Na verdade, trata-se de uma verdadeira guerra económica contra Cuba, na qual o país é privado de recursos para seu desenvolvimento económico e social, é privado de alimentos, medicamentos, fluxos financeiros e peças para a reparação de equipamentos e roturas.

Na sua vista histórica a Havana, Obama afirmou que Raúl não deveria “temer as vozes diferentes do povo cubano”. Estou de acordo. E vice-versa.

O governo dos EUA não deve temer as vozes dos 68% de americanos que exigem o fim do bloqueio. Nem os políticos neoliberais do mundo devem temer as vozes do povo cubano determinado a defender uma pátria livre e soberana.

Em determinada ocasião, Fidel Castro declarou: “Esta noite, pelo mundo, milhões de crianças vão dormir na rua e adormecer com fome. Nenhuma delas será cubana.”

Este é um facto facilmente verificável para quem vagabundear sem destino pelas ruas de qualquer cidade de Cuba, de dia ou de noite, ou por quem se abeire da abertura das escolas todas as manhãs e troque miradas com os sorrisos dos meninos cubanos, em bandos, vindos das aulas ou a jogar basebol pelas ruas de La Habana Vieja.

Num crocodilo verde vivem uns homens e mulheres raros, talhados a esperança e clarão. Não se rendem, tal David contra Golias, são exemplo. Fazem mira no gigante.