O mundo tem dado tantas reviravoltas desde a queda do Muro de Berlim que já quase nada surpreende.
Tudo o que se considerava adquirido e definido como zonas de influência mudou em poucos anos, o que teve consequências na Europa, na Ásia, em África, no Magrebe, no Médio Oriente, no Oriente e até na América Latina – enfim, em todo o lado.
Deixando de parte as enormíssimas mudanças económicas e financeiras (com a concentração de quase toda a riqueza financeira em meia dúzia de hipermilionários), constata-se que o mundo de hoje está mais imprevisível, mais violento do que nos tempos da chamada Guerra Fria, embora haja, apesar de tudo, uma maior distribuição da riqueza com a globalização, perdendo o mundo ocidental e beneficiando os países mais pobres onde, mesmo assim, as condições de vida ainda são de miséria extrema.
A multiplicação de conflitos regionais com ou sem matriz religiosa tem, entretanto, exacerbado os fenómenos de migração, resultantes de focos de violência extrema, miséria, exploração de homens, mulheres e crianças, fenómenos esses que estão à vista e para os quais não há capacidade de gerar soluções mínimas. Cada vez se torna mais óbvia a existência de um desequilíbrio entre os diversos mundos, solidificando-se a ideia de que o ser humano tem, de facto, na sua génese uma matriz de violência egoísta.
Essa perceção tem vindo a aumentar ainda mais desde que nos Estados Unidos se desenvolve e cresce o fenómeno Trump, que representa uma radicalização da sociedade americana baseada no sucesso económico, na desconsideração dos pobres e das minorias, na perseguição dos latinos, dos negros, dos homossexuais, das mulheres e dos islâmicos em geral, e de que o Tea Party é um dos muitos elementos mais moderados.
Trump é o rosto desses ódios e ainda mais. É o abrigo ideológico e mediático de organizações como o Ku Klux Klan, o lóbi armamentista e as poderosas indústrias de defesa americanas. Com ele, não há que enganar. A criatura é realmente um perigo. Mas esse perigo tem correspondência e suporte num segmento significativo de americanos profundamente reacionários que querem ordem lá dentro e desejam que os EUA sejam o polícia do mundo, e já não aquela nação que intervém fora de fronteiras por causas nobres, como sucedeu nas duas guerras mundiais do século passado.
Racionalmente, porém, não é de prever que o mesmo povo que há dez anos elegeu Obama e o seu impraticável mas poético “Yes We Can” possa agora escolher Trump, mesmo que para isso tenha de optar por Hillary Clinton que, bem vistas as coisas, é uma política relativamente medíocre que se distingue basicamente por ser mulher e a mulher de Bill… mais nada.
Ao longo da sua história, a democracia americana acabou sempre por se impor, o que nunca aconteceu na Rússia, que é, ainda hoje, a outra superpotência. Nesta última reina, dono e senhor, Vladimir Putin, que objetivamente partilha um sem-número de pontos de vista políticos e de preconceitos sociais com Trump. Putin é um déspota que governa com mão de ferro uma democracia de fachada, mas que também tem boa aceitação em parte da população russa que está no país ou noutros estados onde o poder de Moscovo tem influência étnica e interesses. Putin apoia-se no orgulho russo e na noção de um estado imperial que não se limita aos saudosistas do comunismo no maior país do mundo.
Se porventura Trump e Putin coincidissem no poder, o mundo poderia transformar-se num verdadeiro filme de terror, com cada um a intervir onde muito bem lhe apetecesse para defender os seus interesses de forma ainda mais descarada do que até agora, depois de convenientemente se terem entendido sobre as zonas de influência, ao jeito de um Tratado de Tordesilhas moderno. Não seria propriamente um tempo de guerra fria, mas haveria pontos comuns.
Convenhamos, porém, que essa é uma baixa probabilidade, porque o povo americano rejeitou sempre os mais extremistas através da democracia e do voto, ao contrário do que sucedeu com os russos. Para Trump se tornar um potencial vencedor das eleições seria necessário que sucedesse algo que, como o 11 de setembro, criasse nos EUA uma paranoia de medo securitário, o que, diga-se, pode acontecer num mundo pejado de terrorismo, como se viu ontem em Bruxelas.
Nota final: Na CPLP aconteceu o pior dos cenários para Portugal. A função de secretário executivo vai para S. Tomé e só dois anos depois virá para nós. Para enganar os tolos, diz-se que é a mesma coisa. Falso. A tradição é que o país que tem o lugar faz sempre dois mandatos. A solução encontrada reduz a metade o tempo de exercício da função. Santos Silva, o nosso MNE, tinha batido com o punho na mesa, proclamando que não podia ser assim. Partiu a mão e nem sequer pôde gritar a dor. A habilidosa dupla Costa-Marcelo perdeu esta batalha por falta de um ponta-de-lança concretizador.
Jornalista