Uma exposição, num espaço da dimensão do Museu Coleção Berardo, com seis peças é coisa para nos deixar a pensar. Mas esta opção é, por si só, uma afirmação, uma constatação. A escala é também uma linguagem artística, reflete um tempo e os seus constrangimentos. Por isto, “O Enigma – Arte Portuguesa na ColeçãoBerardo” começa por surpreender, duplamente, pela escala. Por um lado são apenas seis peças, mas estas ocupam os limites do espaço. “São peças de grande escala e de grande densidade”, explica Pedro Lapa, diretor artístico do Museu Coleção Berardo e curador desta exposição. “Isto tem muito a ver com as condições da produção artística nos anos 90 e início dos 2000. Os trabalhos ganharam escala até porque as próprias galerias e museus que entretanto foram construídos também cresceram. Até a exterioridade passou a ser considerada. Mas a opção de mostrarmos apenas seis peças teve ainda a ver com um outro fator: só é possível explorar o diálogo das obras mostrando poucas peças.” Neste caso, os escolhidos foram Rui Chafes, Jorge Molder, João Maria Gusmão e Pedro Paiva, Pedro Cabrita Reis, João Tabarra e Ana Vieira.
Com a ideia em mente de que esta não poderia ser uma mostra encerrada numa noção de geração ou movimento artístico, mas antes transversal e constituída por peças capazes de comunicarem entre si, o percurso por esta exposição, dividida por duas salas, arranca com “Ambiente”, de Ana Vieira, uma réplica da Vénus de Milo rodeada por 12 cadeiras, que além de servir de homenagem à artista que morreu em fevereiro, é uma “possível imagem do passado da arte e daquilo de que a arte se libertou, numa afirmação da obra de arte como laicização de religiosidade, de um tempo em que se contemplava a arte da mesma forma que antes apenas a religião era contemplada”. Esta ideia de contemplação acaba refutada pela segunda peça, “Menos Arte, de Rui Chafes, menos meditativa e mais inquieta, uma ideia que, de resto, prossegue pelas restantes cinco peças da exposição.
“O Enigma – Arte Portuguesa na Coleção Berardo” ocorre assente em duas razões fundamentais. Por um lado, num museu que representa maioritariamente os movimentos artísticos do século XX, na sua amplitude, “isso faz com que a representação portuguesa acabe disseminada, até para que não seja uma abordagem paroquial”, explica Pedro Lapa. Isto implica que ciclicamente haja a necessidade de trabalhar a coleção Berardo sob este ponto de vista de destacar as obras de arte portuguesa que a constituem. “Até porque sentimos a responsabilidade de mostrar arte portuguesa.” Uma necessidade aguçada pela quantidade crescente de turistas que visitam Lisboa, nomeadamente durante os meses mais quentes. “Cada vez recebemos mais visitantes estrangeiros – sobretudo nos períodos estivais – por isso a programação também tem tentado proporcionar ao visitante um conhecimento do que é nosso. É por termos consciência disto que temos reservado esses meses para garantir visibilidade à arte portuguesa, enquanto as exposições internacionais acontecem mais a partir de outubro.”
A outra razão de ser desta mostra tem a ver com “a necessidade de pensar o trabalho artístico no momento atual”, diz Pedro Lapa, recorrendo ao filósofo alemão Theodor W. Adorno – para quem todo o objeto artístico é criador de enigma e a “arte é magia libertada da mentira de ser verdadeira” – para justificar o título da mostra. “A liberdade do artista é condicionada pelo mundo e isso provoca incerteza estrutural no trabalho artístico e na própria arte. A incerteza entendida como noção de enigma”, remata Lapa.
“O Enigma – Arte Portuguesa na Coleção Berardo” estará patente até 25 de setembro, altura em que arrancará a segunda parte desta exposição.