Irlanda. Consórcio português condenado a indemnizar trabalhadores

Irlanda. Consórcio português condenado a indemnizar trabalhadores


Tribunal confirma irregularidades contratuais e condições de trabalho “deploráveis” na contratação de portugueses para construção de autoestrada em 2007


Ao fim de nove longos anos, está a chegar ao fim a batalha legal que cerca de 30 trabalhadores portugueses travam com a empresa que os levou a ir trabalhar para a Irlanda em condições precárias. A RAC Eire – consórcio entre as construtoras portuguesas Rosas Construtores S.A., Construções Gabriel A.S. Couto S.A. e Amândio Carvalho S.A. – foi condenada a indemnizar os trabalhadores num valor que só será fechado em abril mas que a imprensa irlandesa diz poder ultrapassar os 1,5 milhões de euros.

Na última sexta-feira, o juiz David Keane considerou provadas as violações “sistemáticas e deliberadas” na contagem de horas de trabalho, que levou o consórcio a evitar o pagamento de horas extraordinárias aos trabalhadores portugueses que foram levados para a Irlanda para a construção de um troço de autoestrada entre as cidades de Limerick e Nenagh. Da cerca de uma centena de portugueses que trabalhou na obra, só 27 – 26 operários e um empregado de limpeza – serão recompensados por esta decisão. Outros 10 aceitaram um acordo com a empresa antes do julgamento, que levou a RAC a pagar cerca de 140 mil euros a esse grupo, e 17 conhecerão a sentença em abril, embora o juiz tenha indicado que a decisão transitará para todas as queixas relacionadas com este caso.

O tribunal considerou também que as empresas não tinham o direito de cobrar a estadia dos trabalhadores no estaleiro, até porque estes viveram ali em condições “deploráveis e até perigosas”. Os operários pagavam uma diária de 17,5 euros para estar instalados num estaleiro “inaceitavelmente lotado” e com instalações sanitárias “precárias e inadequadas”.                

Em novembro de 2007, um desses trabalhadores falou ao “Sol” e comparou a situação com “escravatura”: “A água, por exemplo, é extraída de um furo com seis metros feito ao lado de um ribeiro que tem ali um gerador que liberta óleo”.

O operário, que foi apresentado com nome fictício, explicava ainda que, diariamente, as primeiras cinco horas de trabalho eram feitas para pagar ao empregador, pois além dos 17,5 euros diários para acomodação, pagavam 15 euros por três refeições diárias e 3,75 por cada quilo de roupa que entregavam para lavar. O contrato previa o pagamento de 7,5 euros por hora, o que foi considerado ilegal pelo tribunal irlandês, que recordou que ao ganhar o concurso de construção, o consórcio tinha de se sujeitar às leis laborais locais.

Então, José Maria Alves Rosa e Amândio Oliveira Carvalho, em nome da RAC Eire, recorreram à figura do direito de resposta para garantir que o consórcio garantia “o cumprimento rigoroso da legislação irlandesa em todos os domínios da sua atividade”, assim como garantiam que o estaleiro tinha condições “em conformidade com as normas legais irlandesas.”

Na sexta-feira, o juiz – que condenou os arguidos a pagar todas as despesas deste longo confronto jurídico – recordou que uma das testemunhas considerara o nível das instalações inferior ao dos estabelecimentos prisionais irlandeses. E aceitou as provas que apontam para as “diferenças consideráveis” entre o contrato assinado e as condições oferecidas aos trabalhadores ainda em Portugal – tal como os trabalhadores já haviam denunciado no “Sol”, a empresa terá aproveitado o desconhecimento destes em língua inglesa para os levarem a assinar um acordo diferente do verbalizado. Segundo testemunhas, os trabalhadores viajaram com a promessa de receber 1350 euros mensais e sem pagamentos à empresa. 

A Justiça exige agora que os empregadores compensem os operários lesados com a soma total das horas não pagas e a devolução das somas gastas em pagamentos considerados ilegais – da acomodação e da lavandaria. A isto acrescerão juros de 8% desde a data das queixas, 2007 para alguns trabalhadores e o ano seguinte para outros.