Quotas. Advogados devem mais que médicos, farmacêuticos e engenheiros juntos

Quotas. Advogados devem mais que médicos, farmacêuticos e engenheiros juntos


Valor está perto dos sete milhões. Ordem aponta o dedo às condições de trabalho e às opções políticas adotadas


Quase sete milhões de euros é quanto os advogados devem à ordem em quotas por pagar – mais do que médicos, farmacêuticos e engenheiros juntos, de acordo aos dados mais recentes a que o i teve acesso. Para a Ordem dos Advogados (OA), as dificuldades financeiras que o país registou nos últimos anos só explicam parte do problema.

O buraco nas contas da OA tem vindo a crescer progressivamente nos últimos anos e metade dessa dívida já se arrasta há mais de meia década. Mas o número de profissionais em falta não cresceu no mesmo ritmo, sinal de que não há muito mais advogados a falhar o pagamento de quotas. O que acontece é que há alguns destes profissionais (não foi possível apurar quantos, mas em 2013 eram, segundo o “DN”, cerca de 10 mil) que deixam de pagar esse valor anos a fio. “A dívida tem tido um crescimento constante por acumulação, já que o número de advogados que não cumprem a sua obrigação de pagamento de quotas se tem mantido regular, existindo variações não significativas”, explica fonte oficial da OA.

Mercado esgotado Atualmente, a dívida na OA é de pouco menos de 6,8 milhões de euros, numa instituição que não chega aos 30 mil inscritos. Em comparação, a Ordem dos Médicos tem 23,6 mil membros e um passivo de mais de três milhões de euros.

Mas alargando a comparação ao mercado de trabalho num e noutro caso, é fácil constatar que, à partida, a segurança no emprego estará mais garantida para os médicos que para os advogados.

Esse é, de resto, um dos motivos que a OA apresenta para explicar tanto a dimensão atual da dívida como a demora na regularização desta situação. Mas há outras: “As opções políticas que traduzem medidas de desjudicialização, o aumento dos custos associados à justiça, a reorganização judiciária e a falta de celeridade na administração da justiça, a massificação da profissão” e, por fim, “os próprios condicionalismos que o país atravessa e que se repercutem também na esfera dos advogados”, refere a ordem, em resposta ao i. Todos juntos, considera a OA, estes fatores “têm conduzido a uma progressiva e cada vez mais acentuada deterioração das condições do exercício da profissão de advogado”.

Moratórias concedidas Os valores a que os advogados estão obrigados, no que toca a quotas, variam em função do tempo de atividade – e estão congelados há 12 anos.

Desde 2008 que menos de quatro anos de inscrição na ordem correspondem a 18,75 euros mensais (antes, essa quota reduzida valia por três anos). Mais de quatro anos de inscrição, inclusive para os advogados reformados mas autorizados a exercer, e o valor passa para o dobro, 37,5 euros.

Mas os valores começaram a falhar e, em consequência, a ordem tomou medidas. “O Conselho Geral da OA tem promovido campanhas de sensibilização para a regularização da dívida resultante da falta de pagamento de quotas, possibilitando o seu pagamento faseado e em prestações.”

O resultado tem ficado aquém das expectativas e as quotas em atraso têm consequências – no limite, a suspensão da atividade, “quando se apure que é culposo e se prolongue por período superior a 12 meses”, como estabelecem os estatutos.

Mas mesmo com uma dívida a chegar aos sete milhões de euros, a bastonária, Elina Fraga, prefere esperar antes de agir. “Tendo em conta a atual conjuntura económica e a degradação das condições de exercício da advocacia, que não são imputáveis aos próprios advogados”, a OA “tem dado prioridade à interpelação para pagamento” aos profissionais “que não cumprem” as suas responsabilidades. Também tem aceitado “os planos de pagamento apresentados, sempre que os mesmos obedeçam às condições fixadas em deliberação aprovada pelo Conselho Geral”.

Além disso, continuam a beneficiar de um seguro de responsabilidade civil de 150 mil euros e a ter acesso ao certificado digital. Na prática, continuam a ter carta livre para exercer.