Quando ontem, às 12h59, a maioria dos deputados eleitos, todos eles em representação do país, obrigados a exercerem as suas funções de forma livre, apenas conduzidos pelo absoluto da razão e a honra do seu compromisso, e num ato de gerada consciência, votaram favoravelmente o Orçamento, transformaram o improvável em serena esperança e escreveram história.
Este é um Orçamento melhor, de olhos no futuro. É um Orçamento de compromisso e de caminho. Este Orçamento vai para além das consequências económicas e sociais. Ele cria de forma indelével a convicção de que existem outras formas de fazer e entender a política.
De que existem sempre outros caminhos e são sempre possíveis outras alternativas, de que em política o compromisso sustentado no possível é uma arte fina, e que mais importante que garantir que todos desejamos tudo da mesma forma e ritmo, é pormo-nos de acordo com o que não queremos.
Neste caso, o ponto de partida era que não queríamos mais direita no poder. A partir dessa certeza, dessa comunhão política, estavam garantidos os mínimos, as vontades para tornar o anunciado como risível, na bofetada do possível demonstrado.
Desde esse momento, a medição ideológica dos atos estava submetida ao pragmatismo e coragem dos líderes políticos que entenderam os sinais dos tempos.
Perfilharam o essencial em vez de se entregarem ao acessório, resistiram aos apelos dos medíocres asilados na tradição, às ameaças das fações extremistas e aos movimentos conspiradores dos traiçoeiros.
Perceberam que a comunidade, o povo não perdoaria esta oportunidade perdida e que, por muito difícil que fosse tentar algo diferente, por muito que não se percebesse o que seria o dia seguinte, a verdade é que sem a coragem desse primeiro passo, o caminho não seria possível.
Quem em nome de uma utopia imaculada enjeitasse contribuir para resolver os problemas reais das pessoas e minorar o sofrimento dos injustiçados, quem por preconceito ou cálculo de hábito e privilégio, por medo ou beata doutrina, tivesse preferido as soluções dos interesses corruptos instalados ao desafio e obrigação de encontrar formas mais justas de partilhar o pão e distribuir a riqueza, estaria, estariam condenados à irrelevância e á derrota.
Por isso, este é também um Orçamento da memória, para que não se esqueça o que foi uma política de desastre, de agravamento da exploração e de empobrecimento generalizado, de erros e excessos cometidos, como já até dirigentes dos partidos de direita vieram publicamente admitir.
É um Orçamento de todos os que não se calaram, dos que não se resignaram e lutaram, dos que não se deixaram intimidar.
É um Orçamento, na sua efetividade, de homenagem aos velhos que guardaram a dignidade, aos jovens que lideraram lutas e empunharam bandeiras, aos trabalhadores que contra o espetro do desemprego e da miséria mantiveram a economia a funcionar.
Este Orçamento é para eles um pouco de luz, uma esperança renascida, uma Grândola cantarolada, uma mobilização.
António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins deram rosto à viragem histórica que hoje vivemos. Foi devido ao seu engenho, coragem e determinação que defrontamos o desafio de provar que outra política e outras formas de desenvolvimento e progresso coletivo são possíveis.
Tremenda responsabilidade, mas saibam responder às esperanças dos que clamam por justiça e dos que, afinal, todos os dias, com o seu trabalho e inteligência, fazem o país avançar, saibam oferecer futuro e um renovado sentimento de dignidade, e o apoio nas ruas não lhes faltará.
Desde que o beto do Vasco nada Pulido e pouco Valente, a não ser quando se trata de atormentar o sexo que dizem fraco, em ressaca gatafunhou a palavra “geringonça” que os betos da direita e alguns outros mongos de neurónio enriquecido a cachaça adotaram esta forma para demonstrar a desarticulação e fragilidade de um projeto politico que, por isso, não chegará ao fim.
Não sabem, por néscios, que tudo começa por uma geringonça, a primeira bicicleta, o avião dos irmãos Wright, o primeiro carro; o pensamento é uma geringonça que, primeiro, sonha, depois é remoinho da imaginação e das emoções, para no fim ser ideia.
A geringonça é o princípio, é o projeto rabiscado, é a passarola, é a terra antes da estrada, é o vapor para o satélite, é a primeira letra desenhada.
Esta é a nossa geringonça extraordinária que, depois da neblina e da angústia, nos faz acreditar que a primavera chegou às 12h59 de ontem.