Thao & The Get Down Stay Down. O rock segundo uma tarifa bi-horária

Thao & The Get Down Stay Down. O rock segundo uma tarifa bi-horária


Uma adolescência passada sem pai e na lavandaria automática da mãe. “A Man Alive” é o terceiro e mais fascinante disco de Thao Nguyen. 


Nunca misturar as meias pretas com as meias coloridas. O mesmo para as camisas. Cuidado com as lãs que os borbotos são tramados. Acertar os programas da tarifa bi-horária que isto dos quilowatts em excesso é coisa para arruinar a credibilidade de qualquer banda. Menos desta. Que se há alma que sabe poupar na lida do tira-casacos-mete-cuecas é Thao Nguyen, norte-americana que passou a adolescência entre roupa alheia e a sua guitarra, entre trocos e semicolcheias, na lavandaria automática que a mãe tinha em Virgínia, EUA. “Tinha sempre a guitarra comigo, costumava tocar entre um e outro cliente. Basicamente, lembro-me de dobrar roupa durante toda a minha adolescência”, confessa-nos por telefone. “A Man Alive” é o terceiro e mais vistoso disco de Thao & The Get Down Stay Down. Lavemos isto bem. 

Se bem que não há quem seja capaz de criar grandes relações de amizade com lixívias, detergentes e amoníacos, como a própria nos confirma. “Confesso que esse ambiente não me inspirou grande coisa. Foi muito difícil lidar com o que tinha à minha frente, custou-me perceber o quanto a minha mãe trabalhava, isso deu-me uma diferente perspetiva da vida, percebi que tinha de a apreciar, de lhe dar um sentido”. 

“A Man Alive” é o sucessor de “We the Common”, editado em 2013, sendo que antes disso já se tinham estreado com “Know Better Learn Faster”, ainda em 2009. O terceiro longa-duração é filho de uma marcação de estúdio, aquela que ditou a hora em que Thao se sentou na cadeira certa, com a caneta perfeita. “Sabia que não tínhamos um disco, apenas umas coisas soltas, mas também sabia que tínhamos marcações e dois meses antes de entrarmos em estúdio comecei a escrever. Não sabia sobre o que seria o disco, sentei-me e desatei a escrever, depois percebi que todas as canções falavam de uma temática apenas”, esclarece. É que Thao Nguyen foi abandonada pelo pai ainda em criança, gente que a deixou sem chão, assunto que nunca tinha tido coragem de encarar com a guitarra na mão. “É um disco profundamente emotivo, com emoção suficiente para gerar vários tipos de sonoridade, texturas distintas. No passado ficava algo desconfortável por fazer uma música diretamente triste, porque me tornava vulnerável, agora sinto que isso me liberta. Sinto-me muito exposta mas foi o facto de ter chegado a essa vulnerabilidade que me fez criar o meu melhor trabalho”, conta a artista. 

Não se caia no erro de pensar que “A Man Alive” é coisa frouxa, mergulhada em lamechice estilo compota de pêssego e mel para devorar com granola. Pelo contrário. O que aqui se ouve é alguém que sabe domar as feras melancólicas que urgem dentro de si, é costa abaixo numa primavera a querer ser verão como é trovoada a pedir esplanada interior para ver o granito magoar a calçada. Vontades que nunca se apresentam descontroladas ou linha de harmonia que se cria sem horizonte idealizado. 

Faça-se antes o que tem que ser feito: respeitar cada canção. “O mais importante foi ser honesto com a melodia, respeitá-lo com o ambiente que lhe era inerente. E nós temos uma secção rítmica incrível, ou seja, sabia que por mais triste que a música fosse nunca deixaria de ter groove, nunca deixaria de ser nosso, só assim conseguimos essa harmonia”, afirma Nguyen. E não confundamos harmonia com linearidade, que “A Man Alive” não deixa de ser lascivo, dançável. É tudo o que Thao Nguyen quer que seja: “Sinto que isto é a vez em que nos aproximamos mais daquilo que queríamos fazer e isso sabe muito bem”. Proximidade significa atuação em Portugal? “Nós adoraríamos, diria que não está fora de questão”, diz. Bom saber.