O governo tem prazo até agosto de 2017 para vender o Novo Banco. Quando se deveria ter a discussão sobre se a venda é a melhor solução?
O timing dessa discussão era ontem. Foram cometidos erros sucessivos. Nem todos da responsabilidade do Banco de Portugal, alguns por escolhas políticas feitas pelo governo anterior. E chegamos à situação em que parecem condenar-nos a termos de nos pronunciar entre ter uma banca privada inteiramente em mãos de capital espanhol ou preservar alguns centros de decisão angolanos. É como se as hipóteses se esgotassem por aqui.
Entre Angola e Espanha…
E isso é o retrato de um fracasso histórico na gestão do sistema financeiro.
Esse fracasso é atribuível a quem?
A todo o processo da privatização da banca. Portugal, ao abdicar de ter um controlo estratégico público sobre o setor financeiro, que é um instrumento de apoio à economia, transformou o sistema financeiro num sistema de renda, num negócio privado alimentado a partir da especulação imobiliária e desta circulação permanente entre os cargos governativos e a administração da banca. O resultado disto foi que, ao primeiro abanão forte, o sistema mostrou-se frágil.
Qual é a importância de evitar o controlo estrangeiro da banca?
Não há nenhum país europeu que possa aceitar ter a sua banca inteiramente em mãos estrangeiras. Têm sido várias as personalidades políticas da direita à esquerda a pronunciarem-se sobre a necessidade deste controlo estratégico.
Não é suficiente ter uma CGD pública?
A lógica do projeto de união bancária europeia vai acabar por pôr em causa o próprio controlo da CGD. No momento em que o Estado precisar de capitalizar a CGD, esse vai ser o argumento do Banco Central Europeu e dos bancos espanhóis para dizer que isso é uma ajuda de Estado e que, se a CGD precisa de capital, esse capital tem de ser privado. E é assim que se pretenderá mais tarde abrir a porta a uma privatização da CGD.
Espera que Costa mantenha a CGD na esfera pública apesar dessas pressões?
António Costa tem o compromisso de que, enquanto for primeiro-ministro, a CGD se mantém 100% pública. Esse compromisso pode implicar, a prazo, um conflito com a Europa, porque no momento da capitalização vai haver essa pressão. Esse conflito vai existir para que Costa seja fiel ao seu mandato. Se é para termos um conflito em defesa do sistema bancário português, então é melhor fazê-lo já.
A situação da CGD reforça a necessidade de privatizar o Novo Banco?
A nacionalização do Novo Banco é importante para criar uma banca pública forte que impeça prejuízos maiores para os contribuintes, seja pelo facto de a venda poder não corresponder ao dinheiro que já foi colocado no banco, seja pela litigância futura que o processo de resolução implica para o Estado. Hoje, o Novo Banco já é uma fatura colossal para os contribuintes, que têm pelo menos a expectativa de poder reforçar o setor bancário público para os erros sistémicos que foram cometidos na banca.
Isso não tem implicações negativas no défice?
O que tem implicações negativas no défice é uma má venda do Novo Banco, que é a única possível.
O Presidente da República pode ajudar a evitar o risco de espanholização da banca portuguesa?
Sim. Do lado direito do espetro político, que é onde se insere Marcelo Rebelo de Sousa, tem havido diversos pronunciamentos críticos que percebem que a dinâmica que está criada com o processo do Banif e com o do Novo Banco é insustentável para a autonomia estratégica da economia portuguesa. Ouvimos Paulo Portas, no seu discurso de despedida, vir pedir uma espécie de visto gold judicial para as figuras poderosas do regime angolano em Portugal, com desjudicialização das relações entre Portugal e Angola. E toda a gente sabe do que ele está a falar. Está a dizer que Portugal deve fazer, não um combate na Europa para manter um controlo público sobre uma parte estratégica do sistema bancário, e assim assegurar as condições essenciais de direção económica, mas sim um combate na Europa para manter um capital do regime angolano.
Mas espera do Presidente uma intervenção que passe pelo apoio à nacionalização?
Está por ver.
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