Nicolau Breyner. O criador ilusionista

Nicolau Breyner. O criador ilusionista


Um ataque cardíaco foi a causa da morte do ator. Ele que tanto nos provocou tumultos internos, rasgos de emoção. Foi encontrado em casa na manhã de ontem. Tinha 75 anos  


Há gente que fica por um papel, aquele protagonista da tal novela líder de audiências, o filme mítico que atravessou gerações, a encenação incrível que encheu a mesma sala durante um ano. Tentar fazê-lo com Nicolau Breyner é, além de arriscado, ofensivo. O ator que foi um dos maiores, peça fulcral da ficção portuguesa, morreu ontem, vítima de ataque cardíaco. Foi encontrado em casa depois de não ter comparecido na escola NB Academia, escola de atores que abriu recentemente. Estava também a gravar “A Impostora”, a próxima novela da TVI, que ainda não estreou. Tinha 75 anos.

Os novos capítulos de “Jardins Proibidos” e “O Beijo do Escorpião” foram os seus últimos trabalhos em televisão. Em cinema fez “Os Gatos não Têm Vertigens”, do amigo António Pedro Vasconcelos. Antes disso tinha ainda participado em “Comboio Noturno Para Lisboa”, de Bille August, uma produção internacional que tinha Jeremy Irons como protagonista, adaptado do livro homónimo do suíço Pascal Mercier.

Foi a 30 de julho de 1940, em Serpa, que nasceu João Nicolau de Melo Breyner Lopes. Filho de proprietários agrícolas, o Alentejo parecia ser pequeno – talvez árido – para o seu talento. Mudou-se para Lisboa com os pais de Sophia de Mello Breyner Andresen, de quem era primo. Foi no Liceu Camões que cumpriu grande parte da sua educação, algo que viria a levá-lo à Faculdade de Direito de Lisboa, perseguindo o desejo ter a diplomacia como ocupação principal. Só que o Direito foi coisa curta, tendo abdicado do curso para se vir a inscrever no Conservatório. Passado um tempo só mudaram as paredes: do canto – arte que havia privilegiado durante bastante tempo tendo mesmo chegado a integrar o coro da Juventude Musical Portuguesa – passou para o teatro, e a vontade de ser cantor deve ter-se esfumado algures por ali.

Ou isso ou uma participação em “Leonor Telles”, peça de Marcelino Mesquita, encenada por Ribeirinho no Teatro Nacional Popular, hoje Teatro da Trindade, com a qual se estreou na interpretação. Estávamos em abril de 1960. Um ano antes de se estrear em cinema com “Raça”, de Augusto Fraga. Se foi através da porta do teatro que Nicolau Breyner entrou para o universo artístico, não foi no mesmo que viria a ter o seu lugar ao sol. Apesar de ter feito sucesso em algumas comédias ao lado de Laura Alves, foi no cinema e na televisão que Nico, como é conhecido pelos amigos, se fez ator. Daí se explica que tenha feito, só na década de 60, quando se lançou no grande ecrã, 13 filmes.

Em televisão foi Pasquale em “As Aventuras de Pasquale”, para a RTP em 1966, pequena série sem grande crédito na sua carreira. A verdadeira aventura neste formato viria a iniciar-se no pós-Revolução, em 1975, quando concebeu o programa “Nicolau no País das Maravilhas”. Nunca a comédia nacional viria a ser a mesma, que com Breyner o rock na ficção começava aqui. Essencialmente pela rubrica “Senhor Feliz, Senhor Contente”, que trouxe Herman José para junto dos holofotes, com apenas 21 anos. Estes dois senhores tiveram tanto sucesso que ganharam até direito a espaço próprio, tendo apresentado este conceito por várias salas do norte ao sul do país, tudo a querer ouvir: “Diga a gente, diga a gente, como vai este país?”.

E o país lá foi andando, como vai sempre, como também foi indo Breyner, em décadas de crescimento que o levaram ao sortido de personagens em modo sketches, como em “Eu Show Nico”, 1980. Ainda durante os anos 80 o ator não para, ao ponto de ser o mordomo Horácio em “Gente Fina É Outra Coisa”, 1982, série de humor onde é um dos coautores – a meias com César de Oliveira e Mário Zambujal – e cuja protagonista era esse génio do teatro português Amélia Rey Colaço. Outro crédito impossível de lhe roubar é do mesmo ano. Foi em 1982 que “Vila Faia”, a primeira telenovela portuguesa, ganhou cor. E se há culpados a referir um deles é Nicolau Breyner, que, em conjunto com Francisco Nicholson, foi um dos criadores do projeto, e, por consequência, um dos grandes responsáveis pela aposta no formato telenovela em Portugal. Se assim não fosse não teria criado a NBP, Nicolau Breyner Produções, embrião da atual Plural Entertainment, onde foi tudo: realizador, produtor, administrador e ator.

Depois disto apelidá-lo apenas de ator tornou-se indigno. Foi um verdadeiro criativo, mas que nunca abdicou daquilo que lhe parecia dar mais gozo: interpretar. Acumulou participações em séries e novelas, assim como em filmes, fazendo ainda uma perninha como apresentador, sobretudo na década de 90, tendo inclusive sido um dos apresentadores do Festival RTP da Canção 1994. Venceu três Globos de Ouro para Melhor Ator com “Os Imortais”, (António Pedro Vasconcelos, 2003), “Kiss Me” (António da Cunha Teles, 2004) e “O Milagre Segundo Salomé” (Mário Barroso, 2004).

Há outra ocupação que é necessária atribuir-lhe: diretor de atores. Formou tantos e tão diversos que é natural, quase obrigatório, que muitas das reações à sua morte sejam de atores por si ensinados. E praticamente todos afirmam que era um homem extremamente generoso. “Há diretores de atores que não sabem sequer aquilo que querem. Eu digo o que quero e depois dou-lhes liberdade para criarem. Costumo dizer aos meus alunos de representação: ‘Surpreendam-me, mesmo que seja uma grande merda, mas façam qualquer coisa de diferente’”, disse ao “SOL” em 2012.

A nível pessoal era adorado pelos pares. Nicolau Breyner era um pronto-socorro, amigo incondicional sempre disposto a ouvir, a dar o seu conselho, ainda que fosse a meio de um take ou na pausa para almoço, segundo os relatos de inúmeros colegas de profissão. Em 2009 foi-lhe diagnosticado um cancro na próstata que viria a vencer. Além disso era profundamente católico, de tal forma que antes de começar a gravar grandes produções passava pela Basílica da Estrela para fazer a sua reza, coisa que não era impeditiva de estar todos os domingos, sem exceção, na missa. Português de gema e portanto benfiquista. Casou cinco vezes e teve duas filhas de Cláudia Fidalgo Ramos. As entrevistas de vida acumularam-se nos últimos anos, como prenúncio da idade avançada. Foi numa delas, no programa “Alta Definição”, na SIC, que espelhou a sua falta de medo da morte: “No dia em que eu morrer, ao contrário do que nós temos com aquela expressão ‘quando eu morrer o mundo vai parar’, não vai parar porra nenhuma. Nada para. O mundo gira, as lojas abrem, as pessoas riem, as pessoas choram, nascem pessoas. Tudo isso no dia em que eu morrer, portanto não é importante com certeza”. Se nos permite, preferimos discordar.