Quando chegou ao “Correio da Manhã”, o jornal vendia muito menos do que o “JN”, certo?
Muito menos. E o objetivo, quando entrei em 2002, era atingir os 100 mil no prazo de um ano. Quando esse objetivo foi anunciado, peguei no “JN” e disse “vamos ultrapassar estes senhores”. Foi no fim do ano de 2003.
Qual foi o investimento que fez para conquistar o norte?
A conquista do norte ainda continua.
Tem correspondentes em todo o lado?
Não é em todo o lado, mas temos correspondentes nos sítios mais importantes. A única delegação que abrimos foi a de Coimbra, onde já éramos líderes. E em Braga já estamos em condições de ter um estúdio.
Qual é a estratégia em ter jornalistas no norte? É dar notícias locais?
Intensidade.
O que quer dizer com isso?
Não interessa o local, o que interessa é a intensidade. E esta traduz-se em cada área noticiosa. Por exemplo: entre sociedade, economia, cultura e desporto, a hierarquia é ditada pela intensidade.
Mas se sabe que há uma zona onde pode vender mais jornais, aposta aí e não numa zona sem leitores, certo?
Não. Eu não aposto num sítio onde não haja ocorrências. Onde é que há mais ocorrências? Onde é que há mais futebol? Onde é que há mais pessoas a morrer nos hospitais? Onde há mais gente.
Saiu do “DN” por discordância de temas. Na “TVI”, também não concordava com algumas questões editoriais. O “CM” caracteriza-se por ter uma informação muito direcionada ao crime e tenta casar investigação com opinião, o que é um pouco diferente das histórias de crime. Como se casam estes dois mundos?
Não sei, mas temos casado bem. Temos um milhão e 180 mil leitores por dia. Acho que estes mundos casam. A televisão, e principalmente a “TVI”, ensinou-me muito. Aprendi com muita gente, como por exemplo o José Eduardo Moniz. Vejam o caso do Big Brother: a primeira pessoa que me ligou a dizer que tinha havido cena entre os concorrentes – O Marco tinha dado um pontapé na Marta – foi uma colega minha de faculdade. Portanto, os mundos não se separam tanto assim. Agora as ocorrências, a segurança e os crimes precisam de ser bem contados e bem escritos. São histórias com pessoas dentro. É ver o que se passa à nossa volta. Por exemplo: há um acidente na Ponte da Arrábida, no sentido sul-norte. O que é que acontece no sentido norte-sul? Alguém anda como deve ser? Ninguém, porque querem ver! E os que querem ver são só os que têm um Fiat Punto velho? Não: toda a gente quer ver. As pessoas são assim.
Porque apostou o “CM” na televisão?
A televisão era, na minha perspetiva, a salvação e o caminho do grupo Cofina. Como éramos um grupo essencialmente de papel, fiz tudo para que tivéssemos uma televisão. E achei que tínhamos que seguir esse caminho, além do mais, porque iria permitir-nos melhorar no plano digital. A televisão e o digital são primos-irmãos, enquanto o papel é uma coisa que acontece uma vez por dia, no máximo, como o nascer do sol.
O melhor que a “CMTV” televisão conseguiu até agora foi 2,8% de audiência. Isso significa quantos espetadores?
50 e tal mil telespetadores.
A “CMTV” é mais vista que o jornal?
Não. Por agora o papel está em primeiro, em todos os sentidos: na audiência e nas receitas.
Como se cria uma televisão? Qual é o orçamento?
Não posso dizer. Mas foi um orçamento que devia fazer de mim e dos meus colegas de equipa pessoas muito mais bem pagas. É muito abaixo de 50% dos outros. Já para não falar da “RTP” que é uma vergonha e um escândalo. Nós conseguimos quase um milagre que foi contratar praticamente só a super-estrutura da televisão e integrá-la com o que já havia do jornal, que hoje é uma estrutura só, e o resto são miúdos. À excepção desta equipa – que é o pessoal jornalista da redação –, o que contratámos foram técnicos. Tirando essas pessoas, já estava tudo lá. Houve pessoas de 50 anos a aprender a fazer televisão.
Mas no início tiveram um problema.
Sim, na única área que não pôde ser controlada totalmente pela minha equipa. Foi um desastre que podia ter comprometido o projecto e a mim tirou-me anos de vida. Foram decisões incompetentes na área do investimento.
Que tipo de investimento?
A instalação. Foi ter metido pneus de bicicleta num Ferrari.
Como se monta uma estrutura como a que têm em que, quando há um acidente, está logo lá alguém vosso? Têm mesmo câmaras nesses locais ou são telemóveis?
Podem ser usados telemóveis, mas temos câmaras.
Quantas estão espalhadas pelo país?
Temos as suficientes.
Recusa portanto a ideia de que a “CMTV” passa algumas imagens feitas com telemóvel?
Não tenho nada contra imagens de telemóvel, mas ninguém faz imagens de telemóvel. Mas se fizerem eu agradeço, desde que sejam boas.
É ou não verdade que pagam para ter informação privilegiada de hospitais e polícia?
Não, não, não.
Então é só simpatia das pessoas desses sítios que vos alertam de que entrou a pessoa X?
Aí é o histórico do “CM” a funcionar. No meu tempo, nunca se pagou. E não aceito que se pague a nenhuma fonte de informação. A única coisa que se pode pagar é o que essa fonte tenha pago por documentos. Essa ideia de que pagamos pela informação é totalmente falsa. Agora, se recebemos um telefonema de um médico a dizer que chegou ao hospital uma pessoa com sintomas estranhos é porque sente que é por ali o caminho para revelar qualquer coisa que ache importante.
Tem câmaras em todo o lado?
Não, mas ponho o mais rápido possível. Nos atentados de Paris os nossos concorrentes ainda não estavam a dar a notícia e a nossa produção já estava a pôr uma equipa lá. Na manhã do outro dia, já lá estávamos. Tiros no meio de Paris? Eu prefiro mandar a minha equipa e não ter acontecido nada do que o contrário.
Tem um filho com 12 anos. Se ele estiver a ver a “CMTV” não fica assustado com tantos crimes?
Não. Aliás, tenho a minha televisão sempre ligada na “CMTV”. Até porque quando damos os filmes que não são apropriados para a idade dele, ele está a dormir.
Em janeiro, a “CMTV” tinha 1,3% de audiência, a “TVI24” 1,9%, a “SIC Notícias” 2,3% e a “RTP3” 0,8. Em fevereiro, a “CMTV” tem 1,7%, a “TVI24” 1,8% e a “SIC Notícias” 2,1%, sendo que a partir de meados de fevereiro a “CMTV” começa a ganhar quase todos os dias à “TVI24”. Como explica isto?
Talvez por a “TVI” ter mais dinheiro para gastar num ano em futebol do que eu em pessoas e em grelha…
Como comenta a frase do diretor da “TVI”, Sérgio Figueiredo, há uns dias, numa entrevista: “A CMTV é perigosa para a democracia porque quando tem um jornalista a fazer de juiz está tudo errado”?
Obviamente, a “CMTV” não é nada disso e esse senhor não é jornalista.
Então é o quê?
É um comissionista de interesses instalados. É só olhar para o projeto dele. Aliás, a “TVI” está dominada por uma coligação de serventuários de Sócrates e castelhanos. Não vou perder muito mais tempo com isso, mas o que esse senhor quer é ser o juiz, o votante e o carrasco. Nós limitamo-nos a dar a realidade tal qual ela é. Esse senhor quer juízes como a juíza que caucionou a providência cautelar contra nós, quer escrever artigos em que diz que é amigo de José Sócrates (que foi o que ele escreveu quando José Sócrates foi detido). Depois, curiosamente, disse que ia vê-lo a Évora, mas não foi – o que eu lamento. Se é amigo, devia ter ido logo na primeira semana, levar tabaco, levar uns livros, que é aquilo que se leva aos amigos. Agora, esse indivíduo é um abcesso da democracia. Quando saiu do jornalismo foi para uma Fundação [EDP], voltou e vamos ver o futuro. Eu registo apenas uma curiosidade cronológica. Ele foi para a “TVI” ao mesmo tempo que um “general prussiano” foi para o “JN”, mas o general não disse que era amigo do José Sócrates e ele disse. Gostava de saber de onde é que ele é amigo do José Sócrates. Uma vez, quando a “CMTV” estava a começar (há mais de dois anos, portanto), o Paulo Portas disse-me uma coisa que se revelou quase profética. Não falou diretamente para mim, mas falou alto para eu ouvir: “A ‘CMTV’ está a provocar a futebolização do cabo”. Esse senhor que diz que a “CMTV” é má para a democracia, aderiu à futebolização do cabo. Eu, se estivesse instalado como a “TVI” ou a “SIC” não faria isso. A “CMTV” ocupou os espaços que estavam por cobrir. E o que esse senhor tem feito desde que chegou à “TVI” é imitar a “CMTV”.
Mas a “TVI” nega isso.
Basta olhar para a grelha deles. Desmente isso da mesma forma que o Sócrates nega que haja indícios.
Admite um dia ter um programa tipo “As cenas de um Funeral?”
Claro que não. Agora, se há um funeral e isso é o último capítulo de uma história que acompanhamos desde o início… Vejam o caso do miúdo que morreu em Portimão. Desapareceu de casa e deu-se uma breve em todos os jornais, mesmo no “CM”. No dia seguinte já não foi uma breve porque a mãe do miúdo disse que tinha cartazes para mostrar e que andava à procura dele – e então mostramos o cartaz do miúdo. Emtão e depois não acompanhariamos o funeral porquê? Esse senhor da “TVI” também acompanha o quê? Acompanha os jogos de futebol até ao fim e não dá os prolongamentos? Acompanhou o funeral e até acompanhou um acidente em que revelou o rosto de uma pessoa que pediu para não ser revelada. Isso pode acontecer a qualquer um, até ao “CM”, mas tentarei que não cometa. Se cometer, ficarei muito triste, não vou é fingir que não aconteceu. Permitam-me que diga: o Sérgio Figueiredo está é a panicar. Não tem a direção com ele, não tem a redação com ele e está a deixar de ter a administração. E isto justifica tudo.
Apostou em vários nomes para darem opinião.
O que costumo apostar não é em nomes é em inteligência. O que gosto de ter no nosso jornal é gente que acende luzes de cada vez que escreve um texto.
Acha que está a obrigar os outros canais a repensar a informação?
Sim, mas de uma forma preocupante.
Por que razão só arrancaram no Meo?
Porque ninguém nos dava espaço. O negócio de televisão hoje em Portugal é a área mais parecida com condicionamento industrial.
Como reage às críticas de que a partir das duas da manhã a “CMTV” é um canal pornográfico?
Somos um canal pornográfico quando damos a Ninfomaníaca do Lars Von Trier? Quando damos o Nove Canções? Isso é que é pornografia? Qualquer dia começamos a tapar as estátuas quando vêm cá os senhores do Irão. Nós damos grandes filmes do cinema europeu e latino-americano que, na sequência da narrativa, têm cenas eróticas. Não são pornográficos.
E o seu filho de 12 anos vê isso?
Não. O meu filho de 12 anos nem está acordado a essa hora. Se algum miúdo está a ver filmes que dão às duas da manhã é porque há um problema na sua casa. E há que ter em atenção numa coisa. A nossa grelha é o nosso plano B. A nossa melhor programação é quando acabamos com a grelha.
Como assim?
Se há uma notícia, acaba a grelha toda.
Ficam à noite em permanência à espera de alguma novidade?
Sim. Eu próprio estou sempre alerta.
Por que não há noticiários durante a noite?
Entre as duas e as seis da manhã não acontece nada. O nosso plano inicial previa isso. Previa e esteve em prática, mas não posso ter pessoas a apanhar borboletas quando não há borboletas. Nós temos uma marca que foi criada pelo José Carlos Castro que é o ‘Alerta CM’. E a partir do momento em que há um ‘Alerta CM’ acabou a grelha. Pode haver um de cinco minutos, mas pode haver um de dois ou três dias – já aconteceu algumas vezes. Quando a informação se impõe, acabou a grelha. Não sei se as pessoas têm noção, mas nós produzimos 18 horas por dia em direto. E mesmo quando se está em direto, se há um ‘Alerta CM’, acabou.
Ao revelarem o áudio dos interrogatórios e escutas da Operação Marquês, não estão a violar o segredo de justiça, já que são assistentes do processo?
Nós sermos assistentes do processo é uma coisa, mas nós enquanto projeto jornalístico somos outra: aí, estamos a exercer o contraditório. O principal arguido tem monólogos montados pelo senhor Sérgio Figueiredo de uma hora a dizer: “não há indícios, apresentem-me os indícios”. Não há indícios, não é? Disse isto no mínimo dez vezes, durante dois monólogos passados em dois dias seguidos. Então, nós estamos a exercer o contraditório. Porém, quando apresentamos os indícios, tentamos sempre ver o contraditório, vamos tocar à campainha do senhor José Sócrates.
Fernanda Câncio queixou-se publicamente que não falaram com ela.
Não? Então foi uma grande falha nossa. Nós queremos muito ouvi-la, vamos procurá-la onde quer que a senhora esteja. Mas ela também tem os nossos contactos e sabe onde são os nossos estúdios. Teremos muito gosto em recebê-la. Isto é uma questão de contraditório. Não pode haver um senhor a montar monólogos pelo país e monólogos numa das televisões de maior consumo em Portugal onde diz o que lhe apetece sem ser questionado. E diz e repete várias vezes que não há indícios.
Não acha que isso pertence à Justiça?
Nos pesos e contrapesos de que é feito o nosso sistema, a opinião pública é essencial.
Não acha que está a fazer um julgamento popular?
Qual julgamento? Isso é outra coisa. O que não podemos é ter a ressoar no espaço público “não há indícios” e não poder fazer nada para ir ver se há indícios. Se eu descobrir indícios, tenho que os contrapor à teoria do “não há indícios”. E o julgamento é feito pelas pessoas. O julgamento na opinião pública é feito pelas pessoas.
Não tem medo de ser escutado e de as suas conversas serem desenquadradas?
Se forem escutadas no âmbito de um inquérito criminal, têm de corresponder a uma pena de prisão superior a cinco anos e validadas democraticamente por um juiz e eu não tenho nada contra. Se estiver a falar com amigos sobre brincadeiras, tenho a certeza de que essas escutas não serão transcritas. Agora, por exemplo, se estiver a combinar comprar uma casa no Chiado de três milhões, eu que sou uma pessoa de parcas posses e você uma alegada jornalista que faz opinião no “DN”, isso é muito estranho, não é? A nossa responsabilidade perante os cidadãos é contrapor a um senhor que diz que não há indícios contrapor indícios do contrário.
O que acha do alegado plano orquestrado por José Sócrates, Proença de Carvalho e Afonso Camões de controlarem o grupo “DN”/”JN”/”TSF”?
Acho que não temos uma educação verdadeiramente democrática e virada para o espírito crítico e para a exigência de cidadania. E só isso pode explicar a apatia das instituições face ao que já se conhece.
Como assim?
Há um senhor que é advogado de um ex-primeiro-ministro e têm conversas em conjunto para avaliar o perfil de pessoas que vão ficar à frente de órgãos de comunicação social essenciais no país. A nossa missão como jornalistas não é a mesma dos juízes, dos polícias ou dos políticos. Mas todas visam uma coisa que é o conhecimento do grande soberano que existe numa democracia que é o povo e que precisa de saber para decidir.
Como é que enquanto diretor de um órgão de comunicação social olha para o diretor de um órgão concorrente a aparecer nessas escutas?
Acho incrível que o Sindicato dos Jornalistas ainda não tenha tomado nenhuma posição musculada e que a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) não tenha feito nada. E o que dizer então do vogal da ERC a ser apanhado a ligar aos seus capos e a dizer “olhe, já chegou a posição deles [“CM”]? Não há nenhum contínuo neste país que desça tão baixo. E ninguém diz nada?
Está a falar de Sócrates?
Claro. E de Arons de Carvalho, vogal da ERC, um órgão que é quase comparado a uma magistratura. Que país é este onde se sabe também que Afonso Camões como presidente da “Lusa” lê a Sócrates os textos que a própria agência faz sobre ele antes de entrarem em linha, para ver se ele concorda ou não. Como é que o presidente de uma empresa tem acesso às notícias antes de elas irem para a linha? E como é que os lê a alguém externo à empresa? E como é que ninguém faz nada relativamente a isto e esse senhor continua à frente de um jornal (“JN”) que, dos diários, é o segundo mais lido? Talvez isso explique um bocadinho o facto de esse jornal ter caído 10%.
O que acha da RTP3?
A “RTP3” está com problemas de identidade. Umas vezes procura cumprir a sua missão pública e outras vezes entra frenética na competição dos privados.
Mas tem baixa audiência.
Sim, mas porque é que o Estado precisa de estar no cabo? Há falta de oferta de informação no cabo? Não pagamos o arquivo da “RTP”? E está na posse da “RTP” porquê? A “RTP” quando vai ao seu arquivo paga alguma coisa? Então porque é que eu pago? O arquivo da “RTP” é duplamente público. Qualquer cidadão que queira comprar um minuto de imagens da “RTP” paga 300€.
Voltando à televisão, acha que vai ser líder até ao final do ano?
Penso que se nos mantivermos unidos, no verão consolidaremos a nossa liderança. Mas o mais importante já está. E vamos sempre debater-nos pela liderança. Nós temos uma roda de 85% do tamanho da roda dos outros.
85%?
Sim, não estamos nem na Vodafone nem na Cabo Visão.
E o que falta para chegar aos 100%?
Falta chegarmos lá, ainda temos que percorrer um caminho.
Depende de vocês ou depende dos outros?
Depende dos outros. É preciso que a Vodafone e a Cabo Visão se batam por nos ter. Porque nós somos uma fator essencial de competição para eles. Não nos têm e por isso têm menos um fator de diferenciamento. O resto não me cabe a mim.
A “CMTV” faz três anos no próximo dia 17. Pode fazer um balanço? Qual o melhor e o pior momento?
O pior momento foi o início desastroso devido à única área que não pôde ser controlada pela minha equipa. O melhor não consigo definir, é sempre o próximo.
No início da entrevista falou em lançar búzios. Acredita nessas coisas?
Não, não acredito nem nunca recorri a estas coisas. Tenho apenas um número da sorte, que é o 13.
Nasceu em Montargil mas é do Barreiro que tem as recordações de infância e adolescência…
Sim, fui com dois ou três anos para o Barreiro, onde me tornei um atleta de ginástica, boxe e futebol. Fui descoberto, quando jogava na rua, com 11 ou 12 anos, e o treinador entendeu que eu precisava de ganhar agressividade e por isso levou-me primeiro para o boxe. Depois comecei a jogar futebol e andei sempre um escalão á frente da minha idade. Fui contra a vontade dos meus pais mas correu tudo bem.
Sendo o Barreiro um bastião do Partido Comunista tinha consciência política desde muito novo?
Sim, aprendi em casa onde o meu pai e a minha mãe falavam abertamente contra o regime. O meu pai era e é um republicano, socialista democrático e tinha também uma figura extraordinária de uma tia-avó que era freira e com cargos de madre superiora e que tinha uma consciência social muito forte.
Que imagem tem do regime?
Recordo-me de acordar com os cascos dos cavalos da GNR que faziam a ronda do Barreiro. Diria, sem ter a certeza, que eram mais de 50 e os guardas tocavam sons marciais à entrada de cada rua. No Barreiro, por exemplo, não havia Carnaval, as pessoas não podiam andar mascaradas.
Nesse ambiente castrador, acaba por fazer muito desporto e aderir a movimentos culturais.
O Barreiro fervilhava de cultura, de música, poesia, filosofia. Não havia muitos sítios para ir, havia tertúlias… Adorava ler e declamara poesia e praticava muito desporto.
Depois dá-se o 25 de Abril e tem algumas desilusões.
O que veio depois conseguiu ser pior do que o antigo regime. Recordo-me de ir comprar jornais ao meu pai, como a “Luta”, e ver pessoas a apontar os nomes de quem comprava jornais considerados subversivos. Entravam numa lista negra, a dos fascistas. Quando saíamos de casa havia brigadas com homens de braçadeiras vermelhas que revistavam os carros dos tais fascistas… Lutámos contra essas coisas, nomeadamente na escola, e acabámos por abrir um caminho que permitiu ao Barreiro diversificar-se até ser mais tolerante e democrático.
Consta que tinha muito jeito para o futebol e que passou ao lado de uma grande carreira.
O futebol era uma coisa que adorava, vibrava com aquilo. Não tinha distanciamento, vibrava demasiado e não me fez bem jogar futebol por um clube que eu amava tanto. Ao ponto de não conseguir ter frieza nem a jogar em jogos importantes nem a fazer contratos. Acho que o futebol deve ser uma paixão para quem vê e não para quem joga. Para quem joga deve ser um jogo. E eu perdia um bocadinho porque não fazia esse distanciamento.
Mas era um jogador acima da média?
Sim, pode dizer-se que sim. Eu driblava, fazia golos. Mas não era constante. E tive um treinador na segunda época profissional que me dizia que se tivesse nascido pobre era um jogador de topo. Mas que me faltava força de vontade e eu acho que ele tinha razão. O mister Manuel de Oliveira é que pôs a jogar com os profissionais. É o grande inspirador do Jorge Jesus e taticamente era um treinador extraordinário. Colocou-me a treinar com os seniores aos 15 anos. Sou da geração a seguir ao Carlos Manuel.
Vai subindo vários escalões e está sempre acima da idade.
Sim, mas tentei conciliar os estudos com o futebol, a música, as namoradas, os copos e não deu certo. Fui para Direito por causa dos meus pais, mas achava que ia era seguir a vida ligada ao futebol. Os meus treinadores diziam-me que eu tinha futuro. Mas o facto de me dividir entre o direito e o futebol tornou-se inconciliável bem como outros instintos que vão chegando: as namoradas, os copos, a cultura, a poesia, a música.
Teve duas grandes desilusões no futebol…
Sim. O jogo mais histórico foi quando fomos roubados, não há outra palavra, pelo melhor árbitro da altura, o António Garrido, o árbitro que ia aos mundiais e foi arbitrar o jogo da segunda divisão? Depois foi trabalhar para o FCP quando acabou a carreira.
E depois há o maior desgosto da sua vida até então que é uma lesão grave em que teve de abandonar a competição. O que se sente quando se tem de arrumar as botas?
Ainda hoje me arrepio a pensar nisso. Tive noção da decadência do corpo aos 23 anos. Os piores anos da minha vida, graças a Deus, são esses e a morte do Miguel Ganhão Pereira anos depois. E digo graças a Deus porque são separados por muitos anos e porque a vida continua.
Custou muito deixar o futebol? Foi uma lesão grave.
Sim. Já não me lembro bem mas andei dois anos em que não fazia nada, nem sequer estudava para terminar o curso. Fazia só o que me apetecia, os meus pais tiveram uma paciência enorme. E depois descobri a comunicação, os Rococó…
Como entra na música?
A música entra na “Rádio Sul e Sueste” onde descubro malta com grande qualidade intelectual e comecei a desenvolver esse gosto, além de que também fazia notícias. E é aí que entra a música, a pintura, o estilismo. A música é apenas um elemento de um movimento cultural que ultrapassou a barreira da poesia ao estilismo. É uma geração de gente.
E fez parte de uma banda que não tinha instrumentos.
Sim, os Rococó. Eu tocava máquina de escrever – às vezes punha folhas muito finas de metal para mudar o som – aspirador e máquina de lavar roupa. A banda quando acabou tinha 13 pessoas, mas começou com quatro em que duas não acreditavam.
E havia vidros.
Só um é que trabalhava com os vidros, que é o João Vaz, um grande militar português. Só tocava vidros: garrafas e vidros. Não chegávamos a um minuto e tal de música. Escolhíamos um poema e o poema começava com um pé de cabra a dar um grito absolutamente selvagem a violentar a coisa. E começava com o grito “picaste-me, já galguei outro obstáculo”.
Mas ninguém tocava nenhum instrumento.
Só havia um que tocava baixo com três cordas. Por incrível que parece estivemos no fecho do Rock Rendez Vous e foi um sucesso estrondoso. Antes tínhamos tocado no Fórum Picoas. Num dos concertos fiz um solo fabuloso com uma máquina de lavar roupa que a minha irmã me tinha fornecido. Ao desafinar o tambor, aquilo anda e faz sons incríveis até entrar em curto-circuito.
E como estava o jornalismo?
Quando os Rococó eclodem já estou no jornalismo e há um momento de preparação muito longo em que nos conhecemos e nos entendemos. No primeiro concerto no Barreiro, aquilo gerou uma onda tão forte na população que estava a assistir e cortaram-nos a energia. No dia seguinte andavam putos adolescentes com bandeiras a gritar “Rococó”. Nessa altura eu já estava a começar o jornalismo e já andava pelo “Semanário”. Dos meus camaradas de banda um estava a começar a ser economista na Renault, outro noutra empresa famosa… Já sabíamos o que queiramos fazer da vida e, por isso, no último concerto no Rock Rendez Vous já havia alguns disfarçados com capacetes. E a banda acabou por causa disso.
Safava-se bem a fazer desporto no Semanário”?
Eu tive um gozo enorme em entrar no “Semanário” e em quatro anos não tive férias. Sentia que tinha perdido demasiado tempo com relutâncias e com diversão. Profissionalizei-me em 88, já não era novo para começar. Além do desporto, fazia economia, cultura, fazia de tudo. Esses quatro anos valem pelo dobro, apaixonei-me pela profissão, embrenhei-me completamente.
Seguiu-se a “RTP”.
Sim, o Bessa Tavares criou uma excelente equipa onde estava eu, o Nuno Santos, o Nuno Marques Ferreira e o Rodrigo Guedes de Carvalho. Depois acabei por aceitar o convite para fazer a primeira revista, A “Notícias Magazine”, que saía no mesmo dia no “DN” e no “JN”, mas passado um tempo acabei por me incompatibilizar com Freitas Cruz, que era diretor do “JN” e presidente do conselho de administração. Ele queria fazer uma revista de romarias e eu queria uma coisa mais cosmopolita. Acabei no desemprego.
Entrou depois no mundo da política.
Fui para assessor do ministro Couto dos Santos. O convite partiu de Marques Mendes porque me conhecia do jornalismo. Acho que fiz coisas muito boas mas não era o meu campeonato, não me sentia bem ali. Ao fim de oito meses apareceu um convite da “TVI”, que ia ser lançada e não hesitei. E isto é uma coisa que nunca ninguém disse: a primeira voz que aparece na antena da “TVI” é a minha. Tínhamos comprado um jogo Brasil-Argentina ou Argentina-Brasil só que houve um adiamento do início da estação, para aí um mês. Já tínhamos a frequência e tudo montado e por isso demos o jogo, mas sem estúdio. Lembro-me que estava como narrador e li uma mensagem inicial de boas-vindas da estação aos telespetadores. Depois do jogo a estação esteve apagada durante mais de meio mês. O único setor já verdadeiramente exigente e de qualidade que está na génese da “TVI” é o desporto. Eu vou para o desporto com o Jaime Almeida Ribeiro, com o Nuno Marques Ferreira, que é agora o diretor da “SportTv” e tínhamos um padrão de qualidade que não se comparava com a estação. Na “TVI” vivi os dramas de não ter dinheiro para fazer coisas, vivi os maus conceitos darem maus resultados. Mas ainda estou na “TVI” quando ganhamos o prime time.
Com o Big Brother?
A “TVI” ganhou o prime time com uma informação agressiva, na maioria dos casos editada por mim, porque era diretor adjunto, e também com o Big Brother, sim. Na “TVI” aprendi muito.
Mas incompatibiliza-se com o José Eduardo Moniz.
Sim. Não gosto da forma como são geridas as pessoas e não gosto da forma como se olha para a realidade. Não se olha para a realidade sempre do mesmo sítio. Quando eu estou a escrever a carta de demissão há uma coisa chamada 11 de Setembro, 2001. Tenho um ecrã enorme à minha frente sintonizado na “CNN” e de repente começo a olhar para uma torre a deitar fumo.
Então não acompanha o atentado.
Acompanho. Tinha de trabalhar. Escrevo a carta de demissão depois. Fizemos o melhor que podíamos e depois entreguei a carta de demissão.
E vai para onde?
Para lado nenhum. Saio para nada. O José Eduardo nem acreditava. Só comecei a ganhar tanto como quando estava na “TVI” quando passei a diretor do “CM”. Depois fui freelancer da “Visão” e comentador da “SportTv”. Durante um ano foi isso que fiz. Escrevi mais um texto ou outro, mas o dinheiro para me manter a mim e à minha família veio da “SportTv” e do espírito humano do Carlos Monteiro e do Pedro Camacho que imediatamente me puseram a escrever na Visão e a fazer reportagens.
Até que entrou no “CM”?
Recebo um convite para o “CM” mas como editor executivo, não entrei por cima. Fui convidado pelo João Marcelino. O João é um homem inteligente e dois meses depois passa-me logo a chefe de redação. Meio ano depois passa-me a subdiretor, mas meio ano e passa-me a diretor adjunto, onde eu fico com toda a lealdade e empenho até ele ir para o “DN”.
Mas antes teve um convite para voltar para a “TVI”, certo?
Sim.
Para o lugar de Moniz. Quem lhe oferece o lugar?
José Sócrates. Mas nessa altura já era diretor do “CM”.
E como é que o Sócrates lhe faz o convite?
Ele convida-me para almoçar, nós já tínhamos tido dois almoços institucionais em que eu chegava com os meus diretores adjuntos e ele estava com um secretário de Estado.
Já era primeiro-ministro?
Sim. O convite terá sido feito em 2008, 2009. Ele liga-me e convida-me para almoçar mas pede para eu ir sozinho porque se tratava de um assunto pessoal. Fui sozinho e ele também foi aparentemente sozinho. Depois estávamos num restaurante e estávamos os dois numa mesa e as mesas circundantes estavam todas vazias quando o restaurante estava praticamente cheio. E há um momento em que me pergunta se eu gostava de voltar à “TVI”, porque ele quer dar um golpe na “TVI”.
O que o leva a recusar o convite?
É uma questão de princípio. Não posso ir para um sítio cumprir uma missão que não é jornalismo. Disse que não tinha o perfil, fui educado.
Mas Sócrates disse-lhe o que queria?
Disse que queria tirar a Manuela [Moura Guedes] do ar. Ele é uma pessoa inteligente. Sabe que eu chegaria à “TVI” e tiraria a Manuela de lá, como é óbvio.
E porque que a tiraria?
Porque não é jornalista. Mas eu não poderia fazer isso a mando de alguém que tinha um interesse político. Nunca se atinge nada de bom e que perdure através de consentimentos negativos. Aliás, depois pus a Manuela a escrever no “CM”, quando ficou sem nada que fazer.
Quanto ao João Marcelino, ele vai para o “DN” e o Octávio fica a substituí-lo. Vocês ficaram picados.
Não é bem assim. Eu sempre quis ficar apesar de poder ter ido. Podia ter feito parte do pacote de para aí 16 pessoas que foram para o DN. Ia ganhar mais, ia ser uma loucura. Agora aquele era o meu momento e há momentos que não se podem perder. Ele atacou-me algumas vezes, mas a mim não me picou nada. Acho piada ao João Marcelino, é um ótimo jornalista desportivo, não tenho nada contra ele.