Crise atinge ordens. Quotas em atraso abrem buraco de 4,5 milhões

Crise atinge ordens. Quotas em atraso abrem buraco de 4,5 milhões


Ordem dos Médicos é a que tem a maior dívida. Dificuldades dos últimos três anos explicam quotas em falta


No final de 2015, quatro das ordens profissionais em Portugal tinham um buraco nas contas de quase 4,5 milhões de euros. O valor diz respeito a quotas em atraso, que sofreram um aumento global desde 2010. Nos dados a que o i teve acesso, a Ordem dos Médicos (OM) é aquela que revela um passivo mais elevado.

Médicos, arquitetos e farmacêuticos foram as três ordens a disponibilizar dados a este respeito. No primeiro caso, a Ordem dos Médicos revela um valor em dívida superior a três milhões de euros. O buraco é de mais de 1,3 milhões de euros no caso dos engenheiros e deverá rondar os 13 mil euros na Ordem dos Arquitetos (cálculos feitos pelo i, a partir do número de profissionais suspensos por quotas em dívida e pela média de valores cobrados pela ordem).

Buraco de três milhões Na Ordem dos Médicos, a situação já era complicada no início da crise, altura em que o valor em falta nos cofres era um pouco mais de um milhão de euros. Mas quando a troika saiu de Portugal, o buraco já tinha triplicado, chegando aos 3,06 milhões de euros.

O ano passado foi, de resto, aquele em que o desequilíbrio das contas mais se acentuou, ficando por cobrar quase 900 mil euros. Mas olhando para esse intervalo de seis anos (2010-2015), o último foi, na verdade, o culminar de anos de défice crescente no orçamento da Ordem dos Médicos.

Àquele milhão de euros em falta em 2010 acresceram mais 180 mil euros em 2011 e outros 207 mil em 2012. A meio da crise (2013), os médicos voltaram a acrescentar 286 mil euros a esse passivo da ordem e, em 2014, o valor em falta chegou perto de meio milhão de euros.

De todas as ordens contactadas pelo i – farmacêuticos, médicos, arquitetos, engenheiros, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, economistas e advogados -, apenas as cinco primeiras deram algum tipo de resposta. E sobre a situação financeira (no que toca à cobrança de quotas), apenas as três primeiras quiseram (ou disseram ter condições para) divulgar os dados. As ordens dos Engenheiros e dos Médicos foram as que disponibilizaram a informação mais completa. Neste último caso, os dados correspondem à região Sul (a mais significativa de todas, correspondente às sub-regiões de Beja, Évora, Faro, Lisboa Cidade, Grande Lisboa, Oeste, Portalegre, Ribatejo, Setúbal e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira).

“Atualmente” – e os dados dizem respeito ao final de 2015, refere Graciela Simões, tesoureira daquela região da OM -, “a região do Sul tem em dívida quotas no valor de 3 059 914,00 euros, o que corresponde a pequenos e grandes devedores, cujo número ultrapassa os cinco mil”. Ainda assim, no ano passado, a OM recuperou “630 mil euros, o que indicia que durante o ano de 2016 podem ainda ser recuperadas quotas em atraso”.

Confrontada com o défice acentuado nas suas contas, a OM avançou nos últimos dois anos com planos de regularização de dívidas, permitindo facilidades de pagamento. “No entanto, nem sempre os compromissos assumidos pelos médicos são cumpridos”, refere ao i a tesoureira da região Sul da OM.

Arquitetos devem menos O caso dos arquitetos também é significativo. “O valor da dívida à data de 31 de dezembro de 2015 é de 1 326 941 euros”, tendo ficar por cobrar, só no ano passado, mais de 220 mil euros, esclarece a ordem. Estes profissionais têm de pagar uma quota anual de 190 euros, estando atualmente inscritos “cerca de 20 mil membros”.

Nos caso dos arquitetos, os dados disponibilizados remontam a 2012 (e não ao período apontado como o de início da crise, em finais de 2010, início de 2011). Ainda assim, refere a Ordem dos Arquitetos, “a dívida em 2012 foi de 1 220 126 euros e cresceu ligeiramente até 2103, tendo decrescido nos últimos dois anos”. Estão disponíveis planos de pagamento em prestações.

O passivo na Ordem dos Farmacêuticos (OF) será consideravelmente mais baixo. Nos dados que disponibilizou ao i, a OF refere que, no ano passado, os seus membros “pagaram uma quota mensal que podia ir desde os 11,81 euros até aos 18,07 euros”, valores que se mantêm inalterados precisamente desde 2010. Em média, considera–se que os membros da OF pagarão uma quota de 14,94 euros por mês.

Ao mesmo tempo, a OF refere que “em 31 de dezembro de 2015 existiam 872 membros suspensos administrativamente por falta de pagamento”, uma solução de recurso aplicada aos farmacêuticos com mais de um ano de quotas em atraso e que falhem o prazo de regularização da sua dívida à ordem.

Pelo caminho (entre outubro de 2013 e março de 2014), a Ordem dos Farmacêuticos, com mais de 15 mil membros, abriu um plano extraordinário de regularização de dívidas, “disponibilizando condições especiais e extraordinárias para a regularização de quotas em atraso dos membros da OF e para o reingresso de ex-membros”.

Apesar disso, e com contas feitas por alto, a dívida na OF corresponderia a pouco mais de 13 mil euros, significativamente abaixo dos casos anteriores. E mesmo que se considerasse que todos os membros com quotas em atraso pudessem pagar o valor máximo, a dívida nunca seria superior a 15,7 mil euros (quase dez vezes menos que a dívida na Ordem dos Arquitetos).

Um problema chamado crise O contexto é indissociável desta situação financeira nas ordens que disponibilizaram a informação pedida. Os médicos, como os arquitetos e os farmacêuticos, sublinham a implicação que os anos de crise tiveram na situação económico-financeira dos seus membros, à semelhança do que aconteceu com outras classes profissionais.

As alterações à lei feitas em 2013 apertaram a malha à cobrança de valores em dívida nestes organismos, colocando essa tarefa nas mãos da Autoridade Tributária e abrindo a porta à realização de execuções fiscais. Mas Graciela Simões prevê que a situação possa ser regularizada por iniciativa dos médicos. “Conscientes das restrições financeiras que atingiram todos os portugueses, inclusive os médicos, com significativa perda de rendimentos, resolvemos, na região do Sul, dar mais algum tempo antes de ser aplicada, na sua plenitude, a cobrança dos créditos da ordem pelo processo de execução tributária, por via dos Serviços de Finanças da Autoridade Tributária e Aduaneira”, sublinha a tesoureira da OM.

A Ordem dos Arquitetos (OA) refere que o valor de quotas em atraso “representa uma reserva de tesouraria que é importante para a OA recuperar, considerando que a atividade da ordem é planeada em função das suas disponibilidades financeiras”. Mas não esconde que “os valores da dívida são indissociáveis da situação socioeconómica que o país tem atravessado” e que, “nos últimos dois anos, o decréscimo deste valor é fruto de uma maior eficácia dos mecanismos de cobrança da AO”.