Polémica. Edifícios emblemáticos dão lugar a hotéis

Polémica. Edifícios emblemáticos dão lugar a hotéis


Crescimento do turismo leva ao aparecimento de novas unidades hoteleiras que têm como alvo os centros históricos das principais cidades portuguesas


Primeiro surgiu a notícia de transformar o edifício do “Diário de Notícias” e da Rádio Renascença em hotéis, agora é a vez das discotecas Jamaica, Tokyo e Europa no Cais do Sodré terem o mesmo destino. Lisboa bate recordes no turismo e a tentação de encontrar alternativas de alojamento é grande.

A fórmula é simples: o aumento generalizado da procura imobiliária nas áreas centrais da capital, o crescimento do número de turistas e a escassez de oferta qualificada, devido ao significativo número de imóveis devolutos, têm conduzido a um investimento cada vez maior em obras de reabilitação em detrimento de construção nova.

De acordo com a consultora Worx, as licenças de obra que deram entrada na Câmara Municipal de Lisboa, entre 2014 e 2015, são na sua maioria intervenções em edifícios já existentes. E em 2015, 35% do total das licenças emitidas são para obras nas áreas históricas das freguesias de Santo António, Santa Maria Maior e Misericórdia.

Contestação Para já, ainda há incertezas em relação à futura utilização do edifício do DN. Há quem aponte para um hotel de luxo, outra alternativa passa por dar lugar a residências de luxo.

O que é certo é que, independentemente da sua utilização esta notícia caiu quase como uma bomba para o Fórum Cidadania Lx. Da autoria do arquiteto Porfírio Pardal Monteiro, o edifício recebeu em 1940 o Prémio Valmor. Em 1986 foi declarado Imóvel de Interesse Público e é considerado um exemplo de um edifício simbólico do Movimento Modernista em Portugal.

Este grupo considera que a sua transformação em hotel pode pôr em causa o prédio, daí pedir a intervenção da Ordem dos Arquitetos para que tenha uma posição forte junto do promotor da venda, da autarquia e da Direção-Geral do Património Cultural, já que consideram que “a eventual transformação daquele edifício num hotel irá implicar a realização de obras profundas no mesmo, acarretando, possivelmente, a destruição dos elementos interiores estruturantes de origem ainda existentes”.

No entanto, a concretização da venda e a sua transformação numa unidade hoteleira está ainda pendente de luz verde da Direção-Geral do Património Cultural. A operação vai permitir um encaixe financeiro que deverá rondar entre os 20 e os 25 mil euros. Até ao final do ano, a redação vai mudar para as novas instalações, nas Torres de Lisboa.

Também o edifício da Rádio Renascença, situado na Rua Ivens, no Chiado, foi vendido e será transformado num hotel de charme com 94 quartos. A rádio, que ocupa esse espaço desde 1937, irá mudar-se para a Quinta do Pastor, perto de Benfica. O grupo português que ficará com o edifício gere também o Lx Boutique Hotel. A nova unidade hoteleira deverá abrir portas neste edifício pombalino do século XIX no final de 2017.

Fim do Braz & Braz Mas as alterações não ficam por aqui. Também o emblemático edifício do Braz & Braz, em pleno coração de Lisboa, vai ser transformado num hotel de quatro estrelas pela mão da Sotelmo. A empresa dona do Hotel Mundial e Hotel Portugal, localizados também na baixa da capital, vai investir um total de 17,5 milhões de euros na compra e reabilitação deste imóvel.

O novo hotel, instalado nos oito mil metros quadrados do antigo Braz & Braz, vai ter 120 quartos, um restaurante, bar, piscina interior, ginásio, spa e salas de reunião.

Estes são alguns dos exemplos que se vão juntar ao mais recente caso no Cais do Sodré, que vai levar ao encerramento de três discotecas. Os senhorios querem reabilitar os edifícios e no novo espaço deverá nascer um hotel dedicado à música pela mão de um grupo francês que está a fazer uma outra unidade hoteleira no Largo do Corpo Santo.

Esta iniciativa já levou à criação de uma petição pública que conta neste momento com mais de três mil assinaturas.

Já o convento dos Inglesinhos, no Bairro Alto, que foi transformado em condomínio de luxo tem alguns dos seus apartamentos arrendados a turistas.

Freguesias alarmadas O descontentamento não é novo. No passado mês de fevereiro, os presidentes das juntas de freguesia do centro histórico de Lisboa – Santa Maria Maior, São Vicente, Misericórdia e Santo António –, preocupados com “os problemas levantados pela pressão turística”, decidiram fazer um conjunto de exigências à câmara e ao governo. Entre elas a de que haja “uma maior regulamentação e legislação que limite a proliferação desmedida dos alojamentos locais e hostels”.

Também o PCP apresentou na última reunião da Assembleia Municipal de Lisboa uma proposta de suspensão dos processos de licenciamento de atividades de novas unidades hoteleiras e proceda a uma avaliação do impacto das existentes na qualidade de vida dos cidadãos e de quem visita a cidade”.

 A proposta acabou por ser recusada. Ainda assim, a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) mostrou-se surpreendida com esta iniciativa. De acordo com a entidade, “a hotelaria não tem contribuído para qualquer degradação da qualidade de vida dos habitantes de Lisboa nem para o desenvolvimento insustentável da cidade, bem pelo contrário. Seguramente haverá aqui uma confusão que está disponível para ajudar a esclarecer”.   

A AHP lembra que estas unidades não só geram emprego, como também contribuem para a dinamização das cidades. Por isso mesmo, consideram que propor uma suspensão de novas unidades hoteleiras “é totalmente contrário ao desenvolvimento económico e social das cidades” e dizem que “certamente se está a confundir o licenciamento de unidades hoteleiras com o crescimento desmesurado de alojamento local e sem regulação”.

Um fenómeno que, no entender da associação, coloca em causa o equilíbrio com os residentes em alguns bairros históricos da cidade. A solução, de acordo com a AHP, passa por fazer uma monitorização para que haja equilíbrio entre a habitação efetiva e o alojamento turístico que se faz a coberto de licenças de habitação. Isto para que não se confundam “unidades hoteleiras com alojamento local. Cada tipo de alojamento tem as suas especificidades e têm impactos diferentes nas cidades”.