Júdice. “O excesso de expectativa é perigoso”

Júdice. “O excesso de expectativa é perigoso”


José Miguel Júdice admite que “unanimidade nacional” à volta de Marcelo pode ser um “risco”. Presidente recebe Costa amanhã, enquanto celebra a tomada de posse


Marcelo Rebelo de Sousa toma hoje posse como Presidente da República. No mês e meio que passou entre a eleição a 24 de janeiro e o juramento da Constituição no parlamento, o ex-comentador manteve a popularidade: surpreendeu com o programa da posse e com a equipa que formou para a sua Casa Civil, onde se conta uma ex-ministra de José Sócrates e um jornalista. “Ele não podia partir melhor”, resume José Miguel Júdice.

Apoiante de primeira hora de Marcelo na corrida a Belém, o jurista e amigo do professor admite, porém, que a “unanimidade nacional” à volta de Marcelo tem um “caráter excessivo” – e isso, frisa, é “perigoso”.

“Ele parte com quase unanimidade nacional: 100% dos portugueses estão otimistas e há até um caráter messiânico. Ou seja, há a ideia de que ele pode resolver os problemas todos. Por isso, entendo que este excesso de expectativa é um risco e perigoso. E ele tem de se preparar para gerir essa expectativa”, sublinha Júdice ao i.

O novo chefe de Estado já deixou bem claro que será um Presidente anti-Cavaco, ao mesmo tempo que afasta a ideia de que terá um governo-sombra em Belém. Em entrevista à SIC, em dezembro, deixou bem claro ao que vem e que tipo de mandato quer exercer: “Vou ser um Presidente hiperativo”, disse. “Marcelo vai fazer tudo para que o sistema possa funcionar o melhor possível”, acrescenta José Miguel Júdice, que em 1983 criou com Marcelo a tendência Nova Esperança no PSD para combater o bloco central.

Sobre o primeiro momento crítico para Marcelo, o jurista recusa antever o calendário, até porque irá depender da coesão que António Costa conseguir assegurar entre o governo e os partidos que o suportam no parlamento: PS, BE, PCP e PEV. Ainda assim, Júdice não evita prever que “o momento mais crítico pode ser onde ele ganhe mais força”. E mais não disse.

Na festa de olho no OE O Presidente da República entra em funções num momento particularmente tenso. O governo assume a plenitude de funções – depois da crise saída das legislativas de outubro – e prepara–se para aprovar um Orçamento do Estado que pode não ser suficiente para que Portugal cumpra as metas orçamentais definidas pela Comissão Europeia. Ontem, Marcelo esteve reunido com Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, que hoje assiste à tomada de posse em São Bento. A agenda do encontro no Grémio Literário não foi revelada. Mas Marcelo e Juncker não terão passado ao lado do OE e dos alertas de Bruxelas sobre o diploma.

Amanhã, e depois de um dia com 12 horas de festa (hoje, ver mapa) que continuam na sexta-feira, no Porto, Marcelo vai receber o primeiro-ministro em Belém, por volta das 18 horas, e logo no mesmo dia em que Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos, está em Lisboa para reunir com Costa e com Mário Centeno.

O Orçamento está a ser discutido na especialidade e a votação final global é já na próxima semana, dia 16. Bruxelas insiste na necessidade de o governo apresentar medidas adicionais de austeridade, enquanto o primeiro-ministro português contraria as instituições: “Não temos razão para achar que serão necessárias mais medidas”, arrumou.

Amanhã, antes do encontro com Costa, Marcelo recebe o corpo diplomático, esperando–se que faça o seu primeiro discurso sobre política externa. Em Belém, à mesma hora, já estarão a trabalhar os assessores com compõem a Casa Civil do Presidente. Marcelo não quer perder tempo. Preparou uma transição cuidadosa da qual também dependeu a colaboração de Cavaco Silva. “Agradeço muito reconhecido esses votos, bem como o modo como o sr. Presidente da República providenciou para que a passagem de testemunho decorresse da melhor forma possível”, reagiu ontem Marcelo ao “Expresso”, depois de Cavaco lhe ter desejado “os maiores sucessos”.

Marcelo prometeu um comentário ao Orçamento que entra em vigor a 1 de abril ao mesmo tempo que a sua promulgação, ainda este mês. O Presidente estará em festa até sexta-feira, mas não tira o olho dos dossiês. Até porque expectativa é o que não falta à porta de Belém.