A polis


A minha formação em História ensinou-me a olhar com distância o presente, a interrogar criticamente as conjunturas e a estar muito mais atento às chamadas “longas durações”, aos fenómenos estruturais, procurando sempre interpretá--los cientificamente com as ferramentas adequadas ao ofício do historiador, mas sempre, inquestionavelmente, à luz das ideias e do presente que somos. 


Consolidei assim, na minha atitude pessoal, uma reserva mental persistente perante todos os providencialismos do sound bite, do que está a dar, e uma enorme desconfiança crítica relativamente a planos aparentemente luminosos 
e redentores. 

Quando nos anos 90 coordenei o projeto A Sétima Colina, no âmbito da Lisboa-94, começámos por fazer um levantamento rigoroso de todos os edifícios que integravam o eixo patrimonial de 3,5 km que se estende do Cais do Sodré até ao Largo do Rato, e ficámos a saber que todo esse rico património do chamado “eixo romântico” (onde só há quatro edifícios do séc. xx) se distribuía em proporções praticamente iguais por três áreas de atividade – habitação, comércio e serviços. Afinal, bem vistas as coisas, era essa a razão de uma persistência secular, orgânica, autêntica, sem proteções e planos especiais, apenas porque a vida citadina sempre ali existiu sob o chapéu desse virtuoso e involuntário equilíbrio funcional. Aprendi assim, e repito-o agora continuadamente, que em cultura, e na vida das cidades, o património mais importante são as pessoas. Como diz sabiamente José-Augusto França: “A rua nos dá o que tem e a cultura que temos.” É isso a polis, não são gavetas. 

Escreve à terça-feira 


A polis


A minha formação em História ensinou-me a olhar com distância o presente, a interrogar criticamente as conjunturas e a estar muito mais atento às chamadas “longas durações”, aos fenómenos estruturais, procurando sempre interpretá--los cientificamente com as ferramentas adequadas ao ofício do historiador, mas sempre, inquestionavelmente, à luz das ideias e do presente que somos. 


Consolidei assim, na minha atitude pessoal, uma reserva mental persistente perante todos os providencialismos do sound bite, do que está a dar, e uma enorme desconfiança crítica relativamente a planos aparentemente luminosos 
e redentores. 

Quando nos anos 90 coordenei o projeto A Sétima Colina, no âmbito da Lisboa-94, começámos por fazer um levantamento rigoroso de todos os edifícios que integravam o eixo patrimonial de 3,5 km que se estende do Cais do Sodré até ao Largo do Rato, e ficámos a saber que todo esse rico património do chamado “eixo romântico” (onde só há quatro edifícios do séc. xx) se distribuía em proporções praticamente iguais por três áreas de atividade – habitação, comércio e serviços. Afinal, bem vistas as coisas, era essa a razão de uma persistência secular, orgânica, autêntica, sem proteções e planos especiais, apenas porque a vida citadina sempre ali existiu sob o chapéu desse virtuoso e involuntário equilíbrio funcional. Aprendi assim, e repito-o agora continuadamente, que em cultura, e na vida das cidades, o património mais importante são as pessoas. Como diz sabiamente José-Augusto França: “A rua nos dá o que tem e a cultura que temos.” É isso a polis, não são gavetas. 

Escreve à terça-feira