A Alemanha declara guerra a Portugal… há cem anos!


A apreensão dos navios alemães que estavam nos portos portugueses com as suas cargas levou à guerra com este país. Mas, 20 anos depois, ainda havia contas por pagar e a República ficou ferida de morte.


Foram tempos de grandes mudanças na Europa, anos de chumbo em que ocorreu uma grande crise política, económica e social. Portugal teria, em 1917, a ditadura de Sidónio Pais, antigo embaixador em Berlim; na Rússia dar-se-ia a revolução bolchevista. Morreram milhões de pessoas e as baixas civis só não foram maiores porque a aviação começava ainda a dar os primeiros passos.

Houve histórias dentro da história, como o nosso herói, o soldado Milhões, ou Von Richt-hofen, o Barão Vermelho, o naufrágio do Lusitânia, os animais na guerra, o que eram as trincheiras, onde milhares de homens morreram, durante meses e meses, para avançarem duas escassas centenas de metros num ou noutro sentido. O sofrimento da Primeira Grande Guerra não tem a mesma dimensão da Grande, não em termos de violência ou de genocídio, mas em lástima de perda de vidas humanas pelas tentações hegemónicas e imperialistas de alguns países, pela vontade nacionalista de nações e pelo desenvolvimento desenfreado dos armamentos.

Por cá, os políticos estavam divididos entre os intervencionistas e os neutrais mas, a dizer a verdade, a guerra já tinha começado, em África, onde os apetites alemães não eram poucos – de qualquer forma, entre os dois países não havia guerra declarada.

No dia 23 de fevereiro de 1916 foi dado um passo para a entrada de Portugal na i Guerra Mundial com a subida a bordo dos navios alemães ancorados em portos nacionais de emissários portugueses levando uma carta de requisição dos mesmos, seguindo uma lei publicada nesse próprio dia. No seguimento dessa lei, assinada por Bernardino Machado (Presidente) e Afonso Costa (chefe do governo), foram apreendidos 72 navios e respetivas cargas. Os ingleses, alegando serem nossos aliados e estarem em guerra, requisitaram imediatamente a maioria desta tonelagem para reforçar a sua frota. Por essa altura, a Alemanha tinha 12 linhas de navegação comercial a fazer escala regular em Lisboa, e vários cidadãos alemães viviam em Lisboa e no Porto, dedicando-se ao comércio. 

Assim, no dia 9 de março de 1916, faz amanhã cem anos, a Alemanha, através do embaixador Von Rosen, entregou ao governo português a carta de declaração de guerra que, depois de justificar a decisão, terminava da seguinte (e curiosa) forma: “O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo português. Considera-se de agora em diante como achando-se em estado de guerra com o Governo português. Ao levar o que precede, segundo me foi determinado, ao conhecimento de V. Exa., tenho a honra de exprimir a V. Exa. a minha distinta consideração.”

Publicamente, numa entrevista ao jornal “O Século”, a 10 de fevereiro, o deputado almirante Leotte do Rego defendia o “aproveitamento temporário” dos vapores alemães. “O governo não deve hesitar em fazê-lo, embora preze aos germanófilos, aos seus falsos medos de zepelins, de complicações, de açoites de qualquer Von, medos que se escondem atrás das lamúrias de certos loiros Falstaffs, sobre a sorte dos pobres soldadinhos, que terão de deixar o amanho das suas vinhas.”

Os portugueses estavam, pois, destinados a fazer a guerra na frente europeia, em França. Formou-se o Corpo Expedicionário Português (CEP), constituído em grande parte por jovens “arrancados” às suas aldeias e às enxadas para serem transformados em soldados e lidarem com armas, em escassas semanas, em Tancos, no que se designou cinicamente como “o milagre de Tancos” ou “a cidade de Paulona”, por ser feito tudo à pressa, “de pau e de lona”. Essa impreparação far-se-ia sentir na derrota sofrida na batalha de La Lys, dois anos depois.

Em janeiro de 1917 iniciou-se o embarque, em sete navios ingleses e dois portugueses, escoltados pela Royal Navy. O ambiente no cais de Alcântara era de grande emoção. Ao fim de três dias de viagem marítima os soldados do CEP chegavam a Brest, fazendo depois uma viagem de mil quilómetros de comboio até à frente.

Se contarmos todas as frentes, mobilizaram-se 105 mil homens dos quais, em números redondos, 8 mil morreram, 17 mil sofreram ferimentos e 14 mil foram presos, além dos que suportaram as sequelas das guerras, psicológicas e físicas, incluindo o efeito dos ataques com gás. Desde Alcácer-Quibir, em 1578, que não havia uma hecatombe militar tão grande. Aliás, este facto é relembrado ainda nas famílias e nas ruas e avenidas que têm o nome de Combatentes da Grande Guerra ou no Túmulo do Soldado Desconhecido, na Batalha – são eles, os nossos heróis, muitos deles arrancados das suas terras e da sua juventude para serem levados para França e para África, para combaterem nas piores condições, porventura maravilhados porque tinham visto Lisboa pela primeira mas, em muitos casos, também pela última vez…

Apesar de Portugal ter atingido os objetivos que nortearam a sua entrada na guerra – a defesa da liberdade e da democracia e a oposição às tentativas hegemónicas e imperialistas da Alemanha e dos seus aliados –, o saldo foi muito pesado e iniciou o caminho que levou à ditadura militar de 1926. O mundo foi vítima de várias circunstâncias, de lutas políticas mas, sobretudo da loucura bélica dos líderes alemães e austro-húngaros. Infelizmente, a história viria a repetir-se escassos 20 anos depois, e se a esquecermos ou minimizarmos ir-se-á repetindo ciclicamente.

Daí a Associação de Pais e o Grupo dos Professores de História do Agrupamento D. Filipa de Lencastre ter decidido levar a cabo esta exposição, que estará aberta até dia 17, no átrio da escola. Para que os alunos regressem 100 anos atrás e vejam o “filme” de muitos dos seus familiares.

P.S.: E, hoje, um bom dia para todas as mulheres. O seu dia internacional ainda tem, infelizmente, de ser comemorado porque, Constituição e leis à parte, as desigualdades ainda existem, se bem que o nosso país nem seja dos que se porta pior neste domínio. Um dia talvez não seja necessário… será um bom sinal!

A Alemanha declara guerra a Portugal… há cem anos!


A apreensão dos navios alemães que estavam nos portos portugueses com as suas cargas levou à guerra com este país. Mas, 20 anos depois, ainda havia contas por pagar e a República ficou ferida de morte.


Foram tempos de grandes mudanças na Europa, anos de chumbo em que ocorreu uma grande crise política, económica e social. Portugal teria, em 1917, a ditadura de Sidónio Pais, antigo embaixador em Berlim; na Rússia dar-se-ia a revolução bolchevista. Morreram milhões de pessoas e as baixas civis só não foram maiores porque a aviação começava ainda a dar os primeiros passos.

Houve histórias dentro da história, como o nosso herói, o soldado Milhões, ou Von Richt-hofen, o Barão Vermelho, o naufrágio do Lusitânia, os animais na guerra, o que eram as trincheiras, onde milhares de homens morreram, durante meses e meses, para avançarem duas escassas centenas de metros num ou noutro sentido. O sofrimento da Primeira Grande Guerra não tem a mesma dimensão da Grande, não em termos de violência ou de genocídio, mas em lástima de perda de vidas humanas pelas tentações hegemónicas e imperialistas de alguns países, pela vontade nacionalista de nações e pelo desenvolvimento desenfreado dos armamentos.

Por cá, os políticos estavam divididos entre os intervencionistas e os neutrais mas, a dizer a verdade, a guerra já tinha começado, em África, onde os apetites alemães não eram poucos – de qualquer forma, entre os dois países não havia guerra declarada.

No dia 23 de fevereiro de 1916 foi dado um passo para a entrada de Portugal na i Guerra Mundial com a subida a bordo dos navios alemães ancorados em portos nacionais de emissários portugueses levando uma carta de requisição dos mesmos, seguindo uma lei publicada nesse próprio dia. No seguimento dessa lei, assinada por Bernardino Machado (Presidente) e Afonso Costa (chefe do governo), foram apreendidos 72 navios e respetivas cargas. Os ingleses, alegando serem nossos aliados e estarem em guerra, requisitaram imediatamente a maioria desta tonelagem para reforçar a sua frota. Por essa altura, a Alemanha tinha 12 linhas de navegação comercial a fazer escala regular em Lisboa, e vários cidadãos alemães viviam em Lisboa e no Porto, dedicando-se ao comércio. 

Assim, no dia 9 de março de 1916, faz amanhã cem anos, a Alemanha, através do embaixador Von Rosen, entregou ao governo português a carta de declaração de guerra que, depois de justificar a decisão, terminava da seguinte (e curiosa) forma: “O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo português. Considera-se de agora em diante como achando-se em estado de guerra com o Governo português. Ao levar o que precede, segundo me foi determinado, ao conhecimento de V. Exa., tenho a honra de exprimir a V. Exa. a minha distinta consideração.”

Publicamente, numa entrevista ao jornal “O Século”, a 10 de fevereiro, o deputado almirante Leotte do Rego defendia o “aproveitamento temporário” dos vapores alemães. “O governo não deve hesitar em fazê-lo, embora preze aos germanófilos, aos seus falsos medos de zepelins, de complicações, de açoites de qualquer Von, medos que se escondem atrás das lamúrias de certos loiros Falstaffs, sobre a sorte dos pobres soldadinhos, que terão de deixar o amanho das suas vinhas.”

Os portugueses estavam, pois, destinados a fazer a guerra na frente europeia, em França. Formou-se o Corpo Expedicionário Português (CEP), constituído em grande parte por jovens “arrancados” às suas aldeias e às enxadas para serem transformados em soldados e lidarem com armas, em escassas semanas, em Tancos, no que se designou cinicamente como “o milagre de Tancos” ou “a cidade de Paulona”, por ser feito tudo à pressa, “de pau e de lona”. Essa impreparação far-se-ia sentir na derrota sofrida na batalha de La Lys, dois anos depois.

Em janeiro de 1917 iniciou-se o embarque, em sete navios ingleses e dois portugueses, escoltados pela Royal Navy. O ambiente no cais de Alcântara era de grande emoção. Ao fim de três dias de viagem marítima os soldados do CEP chegavam a Brest, fazendo depois uma viagem de mil quilómetros de comboio até à frente.

Se contarmos todas as frentes, mobilizaram-se 105 mil homens dos quais, em números redondos, 8 mil morreram, 17 mil sofreram ferimentos e 14 mil foram presos, além dos que suportaram as sequelas das guerras, psicológicas e físicas, incluindo o efeito dos ataques com gás. Desde Alcácer-Quibir, em 1578, que não havia uma hecatombe militar tão grande. Aliás, este facto é relembrado ainda nas famílias e nas ruas e avenidas que têm o nome de Combatentes da Grande Guerra ou no Túmulo do Soldado Desconhecido, na Batalha – são eles, os nossos heróis, muitos deles arrancados das suas terras e da sua juventude para serem levados para França e para África, para combaterem nas piores condições, porventura maravilhados porque tinham visto Lisboa pela primeira mas, em muitos casos, também pela última vez…

Apesar de Portugal ter atingido os objetivos que nortearam a sua entrada na guerra – a defesa da liberdade e da democracia e a oposição às tentativas hegemónicas e imperialistas da Alemanha e dos seus aliados –, o saldo foi muito pesado e iniciou o caminho que levou à ditadura militar de 1926. O mundo foi vítima de várias circunstâncias, de lutas políticas mas, sobretudo da loucura bélica dos líderes alemães e austro-húngaros. Infelizmente, a história viria a repetir-se escassos 20 anos depois, e se a esquecermos ou minimizarmos ir-se-á repetindo ciclicamente.

Daí a Associação de Pais e o Grupo dos Professores de História do Agrupamento D. Filipa de Lencastre ter decidido levar a cabo esta exposição, que estará aberta até dia 17, no átrio da escola. Para que os alunos regressem 100 anos atrás e vejam o “filme” de muitos dos seus familiares.

P.S.: E, hoje, um bom dia para todas as mulheres. O seu dia internacional ainda tem, infelizmente, de ser comemorado porque, Constituição e leis à parte, as desigualdades ainda existem, se bem que o nosso país nem seja dos que se porta pior neste domínio. Um dia talvez não seja necessário… será um bom sinal!