Rute Marlene fez da “moda do pisca, pisca” um hit musical dos anos 90 em que os homens usavam as suas “artimanhas” para conquistar mulheres. “Parece que está a dar e que veio pr’a ficar”, cantava-se numa altura em que a internet ainda dava os primeiros passos e a palavra cara a cara era arma principal para o engate. Hoje, a moda é outra e vem em forma de aplicação de encontros online para todos os gostos [ver caixa ao lado]. Mas falemos do Tinder, uma aplicação lançada em 2012 que está em 196 países. E o que é isso? Encontros entre desconhecidos ao toque de um clique no smartphone. Já 100 milhões de pessoas à volta do mundo fizeram o download gratuito e continua a crescer. 85% dos utilizadores estão entre os 18 e os 34 anos. E desses utilizadores – divididos 50/50 entre homens e mulheres – já existem mesmo “bebés Tinder” que nasceram de relações que começaram nesta app, como contou ao i uma porta-voz da empresa.
Mas antes de explicar o que é isso dos matches, é preciso perceber o porquê de falarmos de uma aplicação que existe há quatro anos. A semana passada, a deputada do PS Isabel Moreira apareceu nas notícias por ter conta no Tinder. A polémica estalou fora e dentro da internet.
E é Isabel Moreira que nos traz até aqui – mas não mais que isso. Traz-nos a um admirável mundo novo de opções amorosas que vão desde um simples café a um one night stand. Como se faz? Faz download, liga a sua conta ao Facebook e escolhe, mediante o gosto, a rapariga/rapaz (ou os dois) num raio que chega aos 160 quilómetros e num intervalo de idade entre os 18 e os mais de 55. Faz swipe (virar) à direita se gostar, e swipe à esquerda se não gostar – e é esta a única associação política que se poderá fazer. Se os dois gostarem, lá se dá o match, ou um arranjinho em linha, em bom português. E os números não param de crescer. Em cada dia são feitos 1,4 mil milhões de swipes e 26 milhões de matches – mais de 10 mil milhões até agora, segundo dados oficiais. Portugal está no top-30 dos mercados em que a empresa opera.
E será a deputada a única a utilizar? Obviamente que não. E que mal tem isso? Nenhum. Para Ana Carvalheira, terapeuta e professora afiliada no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA), que se debruçou na sua tese de doutoramento em 2000 sobre sexo e amor na internet, o Tinder “não é negativo, é só outra forma de comunicar”, diz ao i. “É só mais um instrumento de comunicação que põe as pessoas em contacto” para se falar, conversar, ter relações sexuais e tantas outras coisas.
Numa era em que os canais de comunicação abertos e a “aceitação para o amor e o sexo neste contexto aumentaram, as pessoas querem as coisas para já, no imediato. O imediatismo é um valor da modernidade”. E o Tinder, que oferece um maior controlo da interação – o que protege quem o utiliza – e onde o medo da avaliação social é inferior, não diminuiu os jogos de sedução. Torna-os mais “acelerados”. A intimidade cresce através da escrita, que pode ser “um extraordinário instrumento de comunicação erótica”, afirma a terapeuta. É quase como voltar às cartas de amor que depois, no encontro cara a cara, já trazem algum grau de conhecimento. Mas, aí, os que escrevem melhor estarão sempre em vantagem.
E um simples swipe não torna tudo superficial? “Se você for a um bar e meter conversa com uma rapariga, não lhe vai fazer uma pergunta?”, questiona Ana Carvalheira.
A pergunta, claro, precisa de uma resposta para comprovar a tese. Para isso falámos com um homem e com uma mulher, para perceber se por cá a app já virou moda. Carlos (nome falso) tem 23 anos, utilizou o Tinder desde que foi criado e, depois de terminar uma relação, pareceu-lhe “a maneira mais fácil de conhecer alguém que não fosse do grupo de amigos”. Teve vários encontros que se desenrolaram de maneiras diferentes. “Desde um simples café a uma noite de aventura, já tive de tudo”, afirma. À procura de algo casual “e nada sério”, ficou amigo de algumas mulheres e outras nunca mais as viu. Então qual será a mais-valia? “Quando marcas um encontro, já vais com algum conhecimento dessa pessoa, o que torna a conversa mais fácil” – tese comprovada. Agora Carlos deixou o smartphone para se dedicar a uma relação que não começou no Tinder.
Já Carla (nome falso), de 22 anos, deu uma hipótese ao Tinder “por curiosidade”, para perceber como funcionava. Encontrou-se “ocasionalmente com uma pessoa e correu bem”, mas a relação não evoluiu. Porquê? “Acho muito impessoal para mim, ficámos amigos”, conta. Desde então não houve mais matches nem swipes para ninguém, até porque reconhece ter tido dificuldades “em habituar-se à ideia”.
Pois, é que, como Ana Carvalheira nos tinha contado, utilizar o Tinder é ir à procura de uma relação. E em Portugal, muitas vezes, quando isso é visto aos olhos de todos – como no caso de Isabel Moreira -, ainda não é bem aceite. “Estar no Tinder é assumir socialmente que se está à procura de um parceiro para uma relação”, explica a professora universitária. E por cá, especialmente quando se é mulher, ainda se torna menos aceitável, já que “a sociedade portuguesa é mais permissiva com os homens”, remata.
Mas não é sobre política nem sobre igualdade de género que este artigo fala. É sim sobre novas formas de praticar amor e sexo. Porque as modas vão e vêm ao ritmo de um “pisca pisca” ou de outros tantos swipes que nos esperam por aí. E isso não tem mal nenhum.