Agora que o futebol recuperou a hegemonia na comunicação social, vale a pena fazer uma síntese do que aconteceu recentemente na vida política portuguesa.
Cumprido o caderno de encargos acordado com o PS, restava ao PCP passar, por via da CGTP, a uma forma superior de luta, lançando novas reivindicações e regressando à “luta de massas”, desenrolando a habitual onda de greves no setor público dos transportes e na função pública. Foi no repetir desta tradição que apostaram PSD e CDS, sonhando com a fábula da rã e do escorpião. Para já, enganaram-se. O escorpião não deixou de acreditar na luta de massas e nas virtudes das vagas de greves mas, pela vez primeira na sua história, o PCP assustou-se muito com um resultado eleitoral e admite que o que aconteceu nas presidenciais se pode repetir se houver eleições legislativas antecipadas. E, até ver, na Soeiro Pereira Gomes ninguém contribuirá para a queda de António Costa.
Pelo Bloco assistimos a um crescendo do desejo de acabar com o “coitus interruptus” em que se traduz o acordo de incidência parlamentar celebrado com o PS. Ao contrário do PCP, os bloquistas estiveram disponíveis para se entregarem à governação do país mas não o quiseram fazer sem a companhia dos avós políticos. Será extraordinariamente interessante ver, nos próximos tempos, até que ponto é que o Bloco poderá, na sua estratégia de esvaziamento do PCP, consumar o desejo de subir para o carro do Estado.
No CDS assistimos à leitura em voz alta do testamento político de Portas, que quis nomear a sucessora e assegurou um nível mínimo de ruído por parte dos que, legitimamente, ambicionavam disputar a liderança. Haverá tropelias e contar de espingardas porque também de tais fenómenos é feita a vida partidária. Não será de estranhar que a consagração da nova chefe vá de par com a aprovação de uma moção que não é a sua. Boas notícias para o PSD, que poderia concretizar o abraço de urso a que o CDS, por via da coligação pré-eleitoral, tinha escapado.
Passos Coelho continua teimosamente a acenar aos portugueses com a promessa do falhanço do governo de António Costa, como se a promessa de mais desgraças fosse uma boa base programática. E completa a estratégia com a garantia de que, despejada a cornucópia das desgraças carregada pelos socialistas, cá estará, firme e hirto, para retomar as rédeas do poder. Decidiu cavalgar esta estratégia suicida assobiando o lema “social-democracia sempre”, tornando ainda mais flagrante a contradição entre o que foi a sua prática governativa e o mote que furtou. Por desgraça, este mergulho no abismo coincide com um ciclo de legitimação formal da liderança do PSD, em que muito dificilmente surgirão alternativas viáveis à liderança de Passos.
No que respeita ao PSD, há que olhar com esperança para o novo inquilino do Palácio de Belém. Marcelo andará muito ocupado a vestir o fato de árbitro do sistema de governo e terá, por algum tempo, de engolir o apito. Mas no “pelado” do PSD fora do poder não parará de correr e, com o movimento, o apito engolido soará muitas vezes, convocando um futuro governo dirigido a partir de Belém.
António Costa tem razões para sorrir. Todas as que foram elencadas nos parágrafos anteriores e também a continuação do programa de compra de dívida pública por parte do BCE, as taxas de juro negativas e o petróleo em mínimos. Tudo isto garantido até 2017. É pouco? Muitos dias tem um ano e, como descobriu esta semana Pedro Sánchez, há dias que são mais compridos do que curtos.
Escreve à sexta-feira