Violência sexual. É urgente um Óscar para “mudar de cultura”

Violência sexual. É urgente um Óscar para “mudar de cultura”


Joe Biden e Lady Gaga roubaram o protagonismo às estrelas de Hollywood para apelar ao combate à violência sexual nas universidades – um fenómeno que se repete a cada 21 horas


É referido como o momento mais marcante da cerimónia dos Óscares: a visita inesperada do vice-presidente do país serviu para apresentar o momento musical de Lady Gaga, que foi acompanhada no palco por meia centena de vítimas de crimes sexuais. “Devemos e podemos mudar de cultura”, disse Joe Biden no mais sonante alerta para um fenómeno que afeta uma em cada cinco estudantes norte-americanas.

É o Centro Nacional de Pesquisa de Violência Sexual que o diz: não só 20% das estudantes são vítimas de crimes sexuais antes de completarem os estudos como o mesmo fenómeno atinge um em cada 16 homens residentes nos campus universitários do país. Feitas as contas, há um novo caso nos estabelecimentos de ensino do país a cada 21 horas, segundo estatísticas do clevelandrapecrisis.org.

O flagelo foi retratado no documentário “The Hunting Ground” (O Terreno de Caça), nomeado para a categoria de Melhor Música Original com o tema “Til It Happens To You”, de Lady Gaga. E foi a apresentar esse tema que Biden lembrou o movimento “It’s On Us” (Depende de nós), que criou há um ano para alertar para este flagelo. O vice-presidente apelou aos milhões que seguiam o espetáculo na televisão para se “comprometerem a intervir em situações em que o consentimento não foi ou não pode ser dado”.

Foi o meter o dedo na ferida. O consentimento, ou a falta dele, continua a ser tema de debate num país onde um em cada 12 estudantes masculinos admite já ter estado envolvido em situações que preenchem todos os requisitos para serem consideradas violações ou tentativas, embora não se considerem violadores – segundo um estudo sobre os comportamentos de risco para a saúde nos estabelecimentos de ensino. O estudo foi publicado em 2000, mas todas as estatísticas mostram que o nível de ataques se mantém estável desde a década de 80 do século passado – e já então 40% dos homens consideravam que uma mulher que bebe álcool está a mostrar-se disponível para ter relações sexuais.

Outra análise, feita em 2011, indica que perto de um terço das violações são perpetradas por homens que já estavam romanticamente envolvidos com as vítimas, sendo 60% da responsabilidade de pessoas conhecidas. Com apenas 8% atribuídas a estranhos, o consentimento torna-se rapidamente a questão central – para grande pesadelo das vítimas (ver texto ao lado).

Tudo isso são razões que levam a que apenas 11% das vítimas acabem por relatar os casos à polícia. E o número baixa para 7% quando as alunas assumem ter consumido álcool ou drogas nas horas que antecederam o ataque. E mesmo assim, apenas 10% dos casos que chegam à polícia acabam com acusações formais aos violadores.

O objetivo de Biden passa por combater a ideia de impunidade para os crimes sexuais em campus universitários, mas as estatísticas também mostram que os próprios estabelecimentos de ensino acabam por alimentá-la. A revista “Mother Jones” comparou, em outubro do ano passado, o número de casos assumidos pelas universidades com o número de vítimas que dizem ter apresentado queixa formal. E concluiu que nas 25 universidades analisadas, só 585 dos 3329 casos denunciados no ano letivo 2014/15 foram alvo de um inquérito.

A revista cita o Centro pela Integridade Pública para acusar as faculdades de omitirem muitos casos, criando sistemas de apoio às vítimas que, escudados na confidencialidade, acabam por esconder o volume de ataques sexuais nas suas residências universitárias. O fenómeno tornou-se visível em 2014, quando o ano acabou com 91% das faculdades e escolas secundárias do país a reportarem zero casos de violência sexual – algo difícil de acreditar num país que sabe ter mais de um milhão de casos de violação por ano (isto já incluindo os episódios não relacionados com estudantes).

Sem surpresas, o “Huffington Post” noticiava em janeiro que 159 escolas e universidades estavam sob investigação do Departamento da Educação devido à forma como atuam quando é denunciada uma violação nas suas instalações.