Passos Coelho não quer voltar a sentar-se no Palácio de São Bento sem ir a eleições e isso mesmo tem repetido vezes sem conta ao seu núcleo duro no PSD. Ontem, porém, após a entrega na São Caetano à Lapa da moção estratégica com que se apresenta a votos para mais um mandato na liderança dos sociais-democratas, a dúvida instalou-se: Passos, afinal, admite voltar a formar governo sem ir a votos?
A moção ‘Compromisso Reformista’, que será votada no sábado, nas diretas do PSD, para as quais Passos é o único candidato, é escorregadia. Sobretudo quando lembra que existem “mecanismos no quadro constitucional” para solucionar uma crise política num governo e que cabe aos partidos políticos com assento no parlamento e ao Presidente da República “avaliarem as melhores soluções a adotar em face das circunstâncias concretas”. Passos poderia estar a considerar a possibilidade de um governo de iniciativa presidencial, liderado por si. Mas não.
O ex-primeiro-ministro deixa bem claro que se o governo de António Costa falhar, deve ser “substituído”. “Qualquer crise que sobrevenha no atual quadro parlamentar não pode deixar de resultar do desentendimento gerado no seio da maioria que suporta o governo”, frisa. E ensaia duas saídas, condicionando Belém: “Se tal contingência originará um outro governo de coligação entre as forças que atualmente apoiam o governo [ou seja, PS, BE e PCP] ou se acabará por conduzir à realização de eleições é matéria que não cabe, a esta distância e a quem lidera a oposição, especular”, lê-se no documento de 33 páginas. Passos atira, assim, para Marcelo Rebelo de Sousa, que toma posse como Presidente da República de hoje a uma semana, a responsabilidade de resolver uma crise política. E sugere que não aceita voltar a formar governo, se não renovar o mandato dos portugueses nas urnas. Seja isso quando for.
Qual é a pressa? Passos entende que Marcelo, face a uma crise política, não estará obrigado a antecipar eleições. Até porque o líder do PSD não quer o seu partido a apelar constantemente a eleições antecipadas ou a defender a instabilidade política “como método de afirmação política”. Mas uma coisa é certa: “O PSD não deixará de estar sempre preparado para reassumir responsabilidades de governo, se a isso vier a conduzir o esgotamento da solução de governo do Partido Socialista”.
O ex-primeiro-ministro acredita que o PSD, mais cedo ou mais tarde, vai ser chamado a governar. Por ora, faz votos de que António Costa consiga cumprir os quatro anos da legislatura. “Qualquer que seja o desfecho político da atual solução de governo, e quer ela sobreviva às contradições dos partidos que a suportem, quer ela se mostre mais coesa e mais resiliente do que muitos esperam, o país sempre continuará a precisar de uma alternativa liderada pelo PSD”, escreve o candidato. Numa entrevista à SIC, à noite, depois da apresentação da moção, Passos admitia, com as dúvidas que lhe são reconhecidas, que se a estratégia de António Costa resultar será ele o primeiro a apelar ao voto na esquerda.
Alternativa, sem sombra Passos insiste numa “oposição firme e determinada” e na “construção da alternativa” a um “governo como este que só serve para gerir o dia a dia, não para assegurar soluções de longo prazo”. Mas não se pense que o maior partido da oposição se vai transformar num “governo de assembleia em que os partidos parlamentares apresentam iniciativas que se substituem ao governo naquilo que representa a esfera típica de intervenção administrativa deste”. Passos recusa liderar um governo sombra a partir da bancada social-democrata no parlamento.
Se estivesse no governo, o líder do PSD admite que estaria a cumprir o programa que foi sufragado a 4 de outubro. Passos defende uma “segunda geração de reformas para Portugal” e recusa criar com “artificialismo um programa que, nas suas linhas essenciais, divirja do que ainda há menos de meio ano apresentámos aos portugueses”, disse. “As prioridades e os objetivos que se incluíam no programa que apresentámos para os próximos 4 anos não perdeu qualquer atualidade. Muito pelo contrário: vários aspetos nele incluídos reganharam importância face ao retrocesso de muitas políticas em curso”, acrescenta Passos.