Líbia 2011: um sucesso catastrófico


O regresso dos EUA ao Médio Oriente tem de se materializar, com vista a reparar o sucesso catastrófico que foi a operação militar na Líbia em 2011


“O EI usa o YouTube, Facebook, Twitter, os chats. Na última contagem usavam 150 línguas.”

Cristian Leuprecht

Um sucesso catastrófico. Era assim que altas patentes da NATO, em 2011, chamavam a atenção para aquilo que consideravam poder vir a ser o resultado de uma intervenção militar externa na Líbia. Os seus temores e o seu vaticínio confirmaram-se. Cinco anos depois, a Líbia é um sucesso catastrófico. Com repercussões gravíssimas em várias geografias, de onde se destacam quer o Médio Oriente quer a Europa.

Aliás, antes de 2011, muita gente e até o coronel Khadafi gostavam de dizer que a Líbia tinha as chaves da entrada na Europa, sobretudo a sul e a leste, e as chaves da cadeia da África do norte (que era a Líbia) onde eram guardados milhares de refugiados, asilados e migrantes de vários países. Passados cinco anos, a Líbia é uma espécie de bomba migratória num território de atravessamento para milhares de pessoas que querem cruzar o Mediterrâneo para a Europa. Os estilhaços dessa bomba estão a atingir gravemente o continente europeu e os seus povos e países.

A Líbia, ao longo da sua história, sempre teve particularidades políticas, económicas, sociais e sobretudo étnicas e religiosas que levaram a que fosse sempre tratada com pinças. Território pulverizado por centenas de milícias e tribos em estado de guerra. País africano, grande produtor e exportador de petróleo, ex-colónia italiana, país e território arábico ou berbere, considerando a sua situação geográfica, sempre foi olhado como um país a não desestabilizar por qualquer preço. É que a Líbia é o país que tem, por exemplo, a maior costa marítima da África do norte, com quase dois mil quilómetros, e é um território que, quando está transformado num caos, fica à mercê de contrabandistas, traficantes e terroristas. Somando-se mais 500 quilómetros de fronteiras terrestres, muitas delas sem qualquer controlo fronteiriço, dos quais muitos quilómetros com o Egito, país que tem centenas de milhares de trabalhadores no território líbio. A Líbia (como a Síria e o Iraque) é um território-viveiro de terroristas, contrabandistas e traficantes de pessoas e de armas, qual Estado-fantasma, que precisa urgentemente de ser estabilizado militar e politicamente para pôr fim ao caos que impera há já demasiados anos – caos esse que é um escape para muito do desespero e revolta de milhões de pessoas, que fazem uso do território líbio como atravessamento para a Europa. A não acontecer essa estabilização, em caso extremo poderemos ficar perante a possibilidade de nuclearização do Médio Oriente – que, a acontecer, será um grande risco para a Europa e para os europeus. A Líbia enquanto Estado-fantasma é hoje um território–laboratório para todos os tipos de terrorismo (doméstico, internacional e transnacional). Aliás, o rasto do fornecimento de armamento militar ao Daesh tem a Líbia como um território-base. O efeito de contágio a partir da Líbia tem-se feito sentir também em vários países da região. Veja-se o que tem acontecido, por exemplo, na Tunísia, um dos países de maior pendor laico. Daí se deve concluir que soluções como a que alguns militares e especialistas em geopolítica sustentam, da estabilização militar e política da Líbia através da sua divisão territorial, não fazem sentido. Sobretudo junto dos que defendem a independência da região da Cirenaica, que tem produzido cerca de 80 por cento do petróleo líbio. O Ocidente, e a Europa em particular, tem de refrear o unilateralismo militar, político e diplomático em relação ao Médio Oriente, devendo ter mais cuidado com a estratégia de exportação da democracia, para não obter de volta, apenas e só, a importação do caos.

É que ainda temos no Médio Oriente elites e quadros dirigentes que consideram a guerra inevitável nos seus territórios. E que a existência de guerra é uma fatalidade e até uma necessidade e modo de viver.

O regresso dos EUA ao Médio Oriente tem de se materializar não só militarmente mas também, e sobretudo, diplomaticamente, com vista a reparar o sucesso catastrófico que foi a operação militar na Líbia em 2011.

É urgente que o Médio Oriente seja estabilizado, o Daesh derrotado e a guerra fria entre a Arábia Saudita e o Irão atenuada. Bem como a extinção das guerras por procuração, que provocam tantos milhões de mortos e refugiados.

Escreve à segunda-feira


Líbia 2011: um sucesso catastrófico


O regresso dos EUA ao Médio Oriente tem de se materializar, com vista a reparar o sucesso catastrófico que foi a operação militar na Líbia em 2011


“O EI usa o YouTube, Facebook, Twitter, os chats. Na última contagem usavam 150 línguas.”

Cristian Leuprecht

Um sucesso catastrófico. Era assim que altas patentes da NATO, em 2011, chamavam a atenção para aquilo que consideravam poder vir a ser o resultado de uma intervenção militar externa na Líbia. Os seus temores e o seu vaticínio confirmaram-se. Cinco anos depois, a Líbia é um sucesso catastrófico. Com repercussões gravíssimas em várias geografias, de onde se destacam quer o Médio Oriente quer a Europa.

Aliás, antes de 2011, muita gente e até o coronel Khadafi gostavam de dizer que a Líbia tinha as chaves da entrada na Europa, sobretudo a sul e a leste, e as chaves da cadeia da África do norte (que era a Líbia) onde eram guardados milhares de refugiados, asilados e migrantes de vários países. Passados cinco anos, a Líbia é uma espécie de bomba migratória num território de atravessamento para milhares de pessoas que querem cruzar o Mediterrâneo para a Europa. Os estilhaços dessa bomba estão a atingir gravemente o continente europeu e os seus povos e países.

A Líbia, ao longo da sua história, sempre teve particularidades políticas, económicas, sociais e sobretudo étnicas e religiosas que levaram a que fosse sempre tratada com pinças. Território pulverizado por centenas de milícias e tribos em estado de guerra. País africano, grande produtor e exportador de petróleo, ex-colónia italiana, país e território arábico ou berbere, considerando a sua situação geográfica, sempre foi olhado como um país a não desestabilizar por qualquer preço. É que a Líbia é o país que tem, por exemplo, a maior costa marítima da África do norte, com quase dois mil quilómetros, e é um território que, quando está transformado num caos, fica à mercê de contrabandistas, traficantes e terroristas. Somando-se mais 500 quilómetros de fronteiras terrestres, muitas delas sem qualquer controlo fronteiriço, dos quais muitos quilómetros com o Egito, país que tem centenas de milhares de trabalhadores no território líbio. A Líbia (como a Síria e o Iraque) é um território-viveiro de terroristas, contrabandistas e traficantes de pessoas e de armas, qual Estado-fantasma, que precisa urgentemente de ser estabilizado militar e politicamente para pôr fim ao caos que impera há já demasiados anos – caos esse que é um escape para muito do desespero e revolta de milhões de pessoas, que fazem uso do território líbio como atravessamento para a Europa. A não acontecer essa estabilização, em caso extremo poderemos ficar perante a possibilidade de nuclearização do Médio Oriente – que, a acontecer, será um grande risco para a Europa e para os europeus. A Líbia enquanto Estado-fantasma é hoje um território–laboratório para todos os tipos de terrorismo (doméstico, internacional e transnacional). Aliás, o rasto do fornecimento de armamento militar ao Daesh tem a Líbia como um território-base. O efeito de contágio a partir da Líbia tem-se feito sentir também em vários países da região. Veja-se o que tem acontecido, por exemplo, na Tunísia, um dos países de maior pendor laico. Daí se deve concluir que soluções como a que alguns militares e especialistas em geopolítica sustentam, da estabilização militar e política da Líbia através da sua divisão territorial, não fazem sentido. Sobretudo junto dos que defendem a independência da região da Cirenaica, que tem produzido cerca de 80 por cento do petróleo líbio. O Ocidente, e a Europa em particular, tem de refrear o unilateralismo militar, político e diplomático em relação ao Médio Oriente, devendo ter mais cuidado com a estratégia de exportação da democracia, para não obter de volta, apenas e só, a importação do caos.

É que ainda temos no Médio Oriente elites e quadros dirigentes que consideram a guerra inevitável nos seus territórios. E que a existência de guerra é uma fatalidade e até uma necessidade e modo de viver.

O regresso dos EUA ao Médio Oriente tem de se materializar não só militarmente mas também, e sobretudo, diplomaticamente, com vista a reparar o sucesso catastrófico que foi a operação militar na Líbia em 2011.

É urgente que o Médio Oriente seja estabilizado, o Daesh derrotado e a guerra fria entre a Arábia Saudita e o Irão atenuada. Bem como a extinção das guerras por procuração, que provocam tantos milhões de mortos e refugiados.

Escreve à segunda-feira