Os homens que odiavam, odeiam e odiarão mulheres

Os homens que odiavam, odeiam e odiarão mulheres


Não falamos de ciúmes, de machismo ou de sexismo. Este artigo é sobre algo que vai (ainda) mais além: a misoginia. E como a maioria dos temas que enchem as páginas dos jornais, não surge desfasado da atualidade.


Referimo-nos a Manuel Maria Carrilho, já apelidado de misógino de forma mais ou menos explícita na imprensa. Misoginia é uma repulsa profunda do homem pelo género feminino – que nada tem a ver com questões sexuais – que pode ou não incluir manifestações de violência física, mas inclui sempre ataques verbais.

A própria raiz latina do nome, que significa literalmente ódio às mulheres, denuncia a longevidade do (à falta de melhor expressão) problema. Há, houve e haverá homens que odeiam mulheres. E desengane-se quem traçar na sua cabeça o perfil de um homem iletrado, desinteressado e desinteressante. Tome-se o exemplo presente: Manuel Maria Carrilho licenciou-se e doutorou-se em Filosofia, é professor catedrático, foi ministro da Cultura, deputado e embaixador de Portugal na UNESCO. Candidatou-se à Câmara Municipal de Lisboa em 2005. A campanha foi, na altura, feita “em tons de rosa choque”, como descreveram alguns jornais. O candidato fazia-se acompanhar da mulher, Bárbara Guimarães – contra a qual agora se digladia em tribunal, acusado de violência doméstica – e do filho mais velho, Dinis, que agora presta declarações sobre o casamento dos pais.

Quem os viu não podia imaginar o que agora vê. Mas não é fácil detetar um misógino: os psicólogos definem-nos como pessoas socialmente “normais”, com vidas iguais às de tantos de nós mas que, no seu íntimo, carregam um ódio visceral às mulheres. Este sentimento, irracional e inconsciente, surge quase sempre no início da vida, decorrente de algum tipo de desilusão com uma figura feminina anteriormente importante e confiável para estes homens.

A mulher foi o segundo erro de Deus Ver a mulher como ser submisso, inferior e menos dotado de capacidades intelectuais foi, ao longo da história da sociedade ocidental, prática comum e socialmente aceite. No entanto, alguns pensadores deixaram uma marca indelével de ódio que ia para além do seu tempo, denotando assim comportamentos misóginos.

Friedrich Nietzsche, reputadíssimo filósofo, poeta e compositor alemão do século xix, foi também autor de reflexões (verdadeiras pérolas, diga-se de passagem) sobre o sexo feminino. “Quando o amor e o ódio não concorrem ao jogo, o jogo da mulher torna-se medíocre”, “ao sair para encontrar uma mulher não se esqueça do chicote” ou “a mulher foi o segundo erro de Deus” são apenas algumas delas.

Também Sigmund Freud, o pai da psicanálise, teceu ao longo da sua carreira algumas considerações menos abonatórias para as mulheres. Por exemplo, considerou-as biologicamente “mais suscetíveis de serem neuróticas” e disse que, depois de “30 anos de pesquisas”, ainda não sabia o que as mulheres queriam.

Estas afirmações são longínquas, podem não ter matado, mas continuam a moer. Pode parecer quase inócuo que Freud tenha feito estas declarações, mas tendo em conta que partiram de um dos mais citados nomes quando se fala das questões da mente humana, obviamente, o peso é diferente. São estas e outras ideias que se foram infiltrando no discurso, qual afluente a correr para um rio. E tudo aquilo de que os homens que odeiam mulheres menos precisam é de validação da sociedade.

Há dias, o “Expresso” dava conta de uma personagem de seu cibernome Roosh V, um blogger norte-americano que se diz inventor de uma nova filosofia de vida, a ”neomasculinidade”. Entre as propostas deste homem há uma especialmente chocante e que lhe valeu o epíteto de “o homem mais odiado do mundo”. Roosh V defende que a “violação dentro de casa deveria ser legalizada”.

APAV recebe 17 chamadas por dia No início desta semana celebrou-se o Dia Europeu da Vítima da Crise, tendo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) escolhido esta data para divulgar as estatísticas da instituição.

Desde 17 de novembro de 2014 que a APAV tem uma linha de apoio à vítima. Até ao fim desse ano foram recebidas 185 chamadas. Em 2015, o número fixou–se nas 3634, o que significa que 17 pessoas ligam por dia a pedir ajuda. No decorrer dos telefonemas foram abertos 2303 novos processos de apoio.

Segundo as estatísticas da_APAV, foram cometidos 3968 crimes e outras formas de violência. Deste total, 66,4% dos crimes são “por maus-tratos físicos e psíquicos no âmbito da violência doméstica”. De acordo com “dados apurados pela APAV entre novembro de 2014 e dezembro de 2015”, 84% das vítimas são do sexo feminino. A esmagadora maioria dos autores do crime (83%) são… homens.