Café Vianna. O antigo banco da cidade de Braga

Café Vianna. O antigo banco da cidade de Braga


Teve um papel importante logo após a I Grande Guerra, na Guerra Civil Espanhola e durante o Estado Novo. Hoje continua a ser frequentado pelos mais velhos mas quer atrair os mais novos.


Há quem esteja sempre a ver Braga por um canudo, mas também se pode ver a cidade pelos seus cafés. E o que não pode realmente faltar na lista é o Café Vianna. Situado mesmo no centro, na Praça da República, muitos bracarenses ali se sentam a apreciar um bom café há 145 anos. Ou será há 158?

A verdade é que não se sabe há quanto tempo abriu – a data oficial é 1871 mas, de acordo com os atuais gerentes, existem referências ao Vianna em jornais de 1858. Fundado por Manuel José da Costa Vianna (que acrescentou o último apelido para que se estabelecesse uma relação entre o espaço e o seu dono), este café foi palco de muitos momentos históricos nacionais e internacionais.

“Conhece a história das moedas? O Vianna teve um papel crucial na vida de Braga”, começa por dizer o sr. Artur, antigo gerente do espaço. De acordo com os documentos mais antigos da cidade, este café serviu de banco logo após a i Guerra Mundial, conflito em que Portugal combateu ao lado dos Aliados. O metal tinha sido todo usado na produção de materiais de guerra, o que fez com que houvesse falta de moedas. Com dificuldades em fazer o dinheiro circular, Braga tornou-se uma cidade estagnada e a sua população tinha muita dificuldade em adquirir bens essenciais para o dia-a-dia.

“Foi nessa altura, nos anos 20, que o Vianna começou a fazer senhas que corriam em toda a cidade e substituíam o dinheiro. Era como se fosse o banco da cidade”, explica o sr. Artur.

Para além do papel importante na dinamização da economia local, o café foi também cenário de um episódio da história dos nossos vizinhos: entre 1936 e 1939, altura em que decorreu a Guerra Civil Espanhola, o Vianna transformou–se num centro revolucionário, sendo frequentado por defensores das forças republicanas. Não esquecer que as regiões da Galiza, Castela e Leão eram, desde o início do conflito, zonas nacionalistas.

Nesta altura viviam-se também tempos de mudança em Portugal – o Estado Novo tinha sido instituído em 1933 e, com ele, surgem os primeiros sinais de repressão. Na mesma altura é criada a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), que em 1945 muda de nome para Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Esta tinha como função a prevenção criminal e a repressão de quaisquer atividades de oposição ao regime. Era no Vianna que muitos se juntavam para conspirar contra Salazar, uma atividade considerada criminosa. “Juntavam-se aqui muitas pessoas. Quando entrava alguém estranho, ficava tudo calado, com medo. O Vianna era o local onde se comentava o que se estava a passar, mas sempre com precauções”, recorda o antigo sócio do espaço.

Quem passa vai ficando Mal abrimos o menu deste café vemos um pequeno resumo da sua história. Através dessas linhas sabemos que, já no século xix, o Vianna era um espaço frequentado pela elite literária – Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco são os dois nomes referidos no pequeno texto.

Hoje em dia, várias figuras continuam a frequentar este espaço: “Miguel Macedo e Cavaco Silva já cá estiveram algumas vezes. O professor Marcelo Rebelo de Sousa passa aqui sempre que vem a Braga. Não podemos esquecer-nos que é a sua terra”, diz Ana Travessa, uma das atuais sócias do espaço, fazendo referência a Celorico de Basto, a terra de uma das avós do Presidente da República eleito.

“Vários atores passaram por aqui – o Pedro Lima, o José Raposo, a Marina Mota, muitos nomes da televisão e do teatro”, acrescenta Ana, sendo rapidamente interrompida por Mário Pereira, um dos outros sócios e filho do sr. Artur: “Mas são as pessoas que cá costumam vir com frequência que devemos destacar. Temos professores, médicos, trabalhadores da câmara, reformados, jovens, todo o tipo de gente passa aqui. E temos clientes que praticamente todos os dias passam por cá. Temos um cliente que vem cá comer o seu bacalhau e um grupo de senhoras mais velhas que gostam de vir ouvir um pouco de música ao vivo. São essas as pessoas que merecem ser referidas.”

A verdade é que, ao passarmos pela esplanada do Vianna durante o dia, vemos vários idosos a tomar o seu café ou o seu aperitivo. São pessoas que estão reformadas, gostam de vir até ao centro da cidade e conversar com os amigos de longa data no sítio do costume. Mas aos fins-de-semana, o espaço recebe os mais jovens, aqueles que estiveram a trabalhar e, à sexta-feira ou sábado à noite, gostam de ir com os amigos beber um copo para descontrair.

“O Vianna não é um café esquecido”, diz o octogenário sr. Artur, cheio de ânimo. Tal como os restantes clientes (e neste caso, com um carinho diferente e mais especial ainda), o sr. Artur continua a ir ao Vianna com regularidade e a prestar atenção a todos os detalhes – as mesas antigas continuam a ser das mais seguras de qualquer café, os grandes espelhos continuam a refletir as luzes do espaço e os rostos de quem por ali anda há mais de 60 anos.

 E o sr. Artur tem toda a razão no que diz. Faça esta pequena experiência: no dia em que for a Braga, pergunte a um bracarense onde fica o Vianna. Tenha oito ou 80 anos, qualquer deles lhe dirá “fica nas arcadas” ou “muito perto do McDonald’s” (as referências são sempre diferentes consoante as gerações…). O mais novo, se calhar, não sabe que foi o café que serviu de banco a seguir à Grande Guerra, e o mais velho pode não fazer ideia de que é o sítio onde se pode ouvir música ao vivo e beber um copo até às 02h00, mas basta ouvir o nome Vianna que todos sabem do que estamos a falar.