Com as obras do Túnel do Marão e das barragens de Salamonde e da Venda Nova a terminar, mais de sete mil trabalhadores do setor da construção civil têm os postos de trabalho ameaçados. As obras na serra do Marão acabam já em março. As barragens, dentro de apenas três ou quatro meses.
Ao i, Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção Civil, explica que esta realidade vai ser um problema já a curto prazo e que é necessário que sejam tomadas medidas urgentes para evitar este cenário.
Mas este número diz apenas respeito a obras públicas como as barragens, cujas obras estão a terminar. Em relação à generalidade do setor, o responsável pelo sindicato deixa claro que o número de postos de trabalho em risco pode chegar aos 50 mil. “Se contarmos com todas as dificuldades do setor, não nos podemos esquecer das pequenas obras, que representam cerca de 70% do trabalho. Por isso, este ano, se nada mudar, está em causa a vida de aproximadamente 50 mil trabalhadores”, explica, acrescentando que, apesar de ainda não ter data, já está decidida uma reunião com o executivo de António Costa.
2015 foi o pior ano Para o mercado das obras públicas, 2015 foi o pior ano desde a entrada da troika em Portugal. O alerta foi dado no início deste mês pela Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), que diz que os dados falam por si: as promoções de concursos de obras públicas caíram 22% face a 2011 e o volume de contratos celebrados registou uma quebra de 35% em relação a 2014.
Mas o impacto não se fica por aqui. O despedimento coletivo de 500 pessoas anunciado, em dezembro de 2015, pela Soares da Costa é revelador da crise que se faz sentir há anos no setor da construção civil, agravada nos últimos meses com a falta de encomendas e pagamentos no mercado angolano (ver texto ao lado).
As dificuldades têm-se acentuado, aliás, de ano para ano. Se recuarmos até 2002, estavam nesta atividade 618 mil pessoas, um número que foi caindo desde então. No terceiro trimestre de 2015 havia apenas 276 mil trabalhadores no setor.
Caso Soares da Costa O custo previsto para o despedimento coletivo de 500 pessoas era de 18 milhões de euros em indemnizações. Cerca de 65% dos trabalhadores abrangidos estão em Portugal e os restantes estão sobretudo no Brasil, explicou ao i fonte oficial do grupo, garantindo que não estão previstas outras reduções de pessoal. “Com esta medida, a empresa fica ajustada à sua atividade atual. A empresa perde por ano 60 milhões de euros e, por isso, não pode ter 200 pessoas em casa durante dois anos a receber”, justificou na altura em que foram anunciadas as medidas de reestruturação da empresa.
Fecho de empresas Analisando o período entre 2007 e 2014, o total de pessoas a trabalhar na construção caiu de 527 mil para 276 mil, o que significa que, em apenas seis anos, o setor da construção ficou quase sem metade dos postos de trabalho que tinha.
Esta evolução reflete o impacto e a persistência da crise neste setor. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, o ano mais crítico dos últimos seis foi o de 2012, com uma queda de 15,5% no total do emprego nesta área. Mas este é apenas um dos vários sintomas. Lado a lado com a quebra no emprego está o desaparecimento de 45 mil empresas entre 2008 e 2013.
De acordo com a AICCOPN, só este ano estão em risco mais 8500 empresas. Por isso, patrões e trabalhadores pedem que a situação seja revista e que sejam aplicados fundos comunitários. Para Albano Ribeiro, uma das soluções pode ser a aposta na reabilitação urbana. “Há muitos edifícios que precisam de ser reabilitados. Isto daria emprego a muita gente”, explica.
Recorde-se que, até aos dias de hoje, muitas empresas escapam ao mediatismo por serem de dimensão mais reduzida, mas mesmo dentro das maiores empresas de construção, o caso da Soares da Costa não é inédito. Em outubro, também a Somague anunciou que iria despedir cerca de 273 trabalhadores no âmbito de um processo de reestruturação, igualmente motivado pela retração em Angola, Moçambique e Brasil.
Fundos comunitários No início deste mês, Reis Campos, presidente da AICCOPN, explicou que, para este ano, as perspetivas não são animadoras. E a solução pode ter de passar pelos fundos comunitários disponíveis. “Sabemos que o Orçamento do Estado não pode contemplar verbas para as obras públicas, mas devemos aproveitar o programa Portugal 20/20 e o plano Juncker.”
O setor terminou 2015 com um total de 1237 milhões de euros de concursos de obras públicas – um valor inferior ao que foi alcançado em 2011, altura em que Portugal recorreu à ajuda externa.