Orlando Figueira. Ex-procurador mudou declarações de IRS

Orlando Figueira. Ex-procurador mudou declarações de IRS


Figueira comunicou alterações ao documento para incluir alegadas ‘luvas’. Vice-presidente de Angola será suspeito de corrupção ativa


Precisamente no ano em que o Ministério Público recebeu uma denúncia sobre os alegados atos de corrupção de Orlando Figueira, o ex-procurador decidiu pedir às Finanças para fazer um retificação à sua declaração de IRS referente ao ano de 2012 – quando entraram na sua conta bancária milhares de euros para pagar alegadas ‘luvas’. O vice-presidente de Angola terá também sido indiciado por corrupção ativa agravada no processo.

Orlando Figueira estava há dois anos fora da magistratura. Tinha pedido uma licença sem vencimento com efeitos práticos a partir de 1 setembro de 2012. No seu currículo pós-Ministério Público (MP) passou a constar a sua colaboração com o Millenium BCP – um banco com forte intervenção angolana. Nessa instituição, logo em 2012, o ex-procurador assumiu as funções de consultor na área de compliance (que garante o cumprimento das regras no combate ao branqueamento de capitais). A partir de 2014 passou a ser também assessor jurídico do administrador do Activo Bank (instituição também ligada a Angola, através do BCP).

Foi já nesse contexto profissional que, apurou o i, as Finanças receberam, há dois anos, de Orlando Figueira um pedido: queria alterar a declaração de rendimentos que tinha apresentado ainda enquanto procurador, para acrescentar verbas que tinham ficado de fora (por declarar), no documento original.

Investigava vice de Angola Segundo a investigação à “Operação Fizz” – que levou, esta terça-feira, à detenção do antigo magistrado por suspeitas de corrupção passiva na forma agravada, branqueamento de capitais e falsidade informática – , Figueira terá recebido ‘luvas’ para deixar cair um processo em que o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, era investigado por branqueamento de capitais. No mesmo caso estavam a ser investigados Leopoldino Nascimento (general da Casa Militar do Presidente de Angola) e José Pedro Morais Júnior (governador do Banco Nacional de Angola).

Os procuradores encarregues de investigar o antigo colega descobriram que no mesmo dia em que o procurador arquivou um processo contra Manuel Vicente, a 16 de janeiro de 2012, alegando “ausência de provas”, caíam na sua conta 170 mil euros provenientes da sociedade Primagest, onde a Sonangol (de que Vicente tinha sido presidente) tem participação. Antes, já teriam sido transferidos outros 130 mil euros, levando a que as ‘luvas’ pagas para arquivar o processo contra Manuel Vicente chegassem aos 300 mil euros.

Segundo o MP, esse arquivamento ter-lhe-á valido os cargos que veio a desempenhar nos anos seguintes, como forma de pagamento do favor enquanto procurador do DCIAP e, segundo o i apurou, terá já levado os procuradores a indiciar Manuel Vicente pelo crime de corrupção ativa agravada.

Afastamento suspeito Mas a saída de Figueira do MP ficou envolta em suspeitas (só ao fim de longos meses ficou claro para onde tinha ido trabalhar). Suspeitas que se agravaram, como o i adiantou ontem, com a denúncia anónima recebida pelo MP em 2014 e, logo a seguir, com a investigação feita às contas do ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Ontem, depois de passar a noite no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária, Orlando Figueira esteve a ser ouvido pela juíza Maria Antónia Andrade para primeiro interrogatório. Apesar de estarem em causa suspeitas da prática de crimes de natureza economico-financeira, a instrução do processo não passa pelo Tribunal Central de Instrução Criminal porque os factos em investigação se circunscrevem à zona de Lisboa.

Com Felícia Cabrita