Dupond Guterres e Dupont Barroso e algo mais sério chamado democracia


O sistema de organização social que até aqui temos designado como democrático tornou-se uma plutocracia, governo dos ricos


No seu relatório sobre o estado dos direitos humanos no mundo, a Amnistia Internacional declara que “os nossos direitos estão em risco e a forma como muitos países reagiram às ameaças à segurança nacional resultou no esmagamento da sociedade civil e no incremento da violação dos direitos humanos”.

Mas na opinião da Amnistia, não são só os nossos direitos que estão sob ameaça, também as leis e o sistema que os protegem correm perigo. “São mais de 70 anos de trabalho duro e progressos que estão agora em causa.”

E as liberdades estão mais ameaçadas quando as lideranças políticas são medíocres. Quem assistiu à amena e bacoca cavaqueira entre Dupond Guterres e Dupont Barroso e os ouviu criticar, sem se rirem, “as lideranças nacionais que sacrificaram a Europa aos interesses políticos locais” os mesmos dois que abandonaram o país à sua sorte enquanto faziam cálculo aos seus interesses exclusivamente pessoais?

Ou os dois derramarem beata preocupação sobre um mundo mais perigoso e complexo, em que o Ocidente “não tem uma política para o Médio Oriente, cuja situação está muito pior do que há 20 anos”, como lembrou Barroso, o mesmo que em 2003, todo ereto, apoiou a criminosa invasão do Iraque? Isto recorda-nos que estes tartufos se transmutam na cadência dos seus interesses privados. Tudo o resto, para eles, foi sempre instrumental.

 Numa época de mudança acelerada, em que quase tudo o que fazemos ou experienciamos nas nossas vidas quotidianas foi afetado, há uma área que continua surpreendentemente imune:

As formas como nos governamos, como governamos as nossas comunidades e o sistema internacional. Ou as formas como nós, enquanto indivíduos, nos envolvemos no processo político.

As ideologias transformam-se em tese e desaparecem, os partidos nascem e morrem, algumas práticas governamentais foram melhoradas por reformas e pela tecnologia da informação. É verdade que cada vez mais pessoas são governadas por líderes que elegeram, e não por ditadores impostos.

Mas apesar de tudo, estas tímidas mudanças ficam muito aquém das transformações extraordinárias ocorridas nas comunicações, na medicina, nas empresas, na conquista do espaço, na física e até na guerra.

Ou seja, a atividade política, que se encontra na origem da organização do homem social, que influi na sua cidadania e que molda a aplicação de toda a descoberta científica e desenvolvimento técnico, é extremamente conservadora e fechada à inovação.

É também por isso que os partidos políticos tradicionais vivem a contradição insanável de, querendo afirmar-se como pilares do poder democrático, verem afastar-se de si os cidadãos, que não lhes reconhecerem capacidade para acompanharem os desafios que o progresso lhes coloca no seu quotidiano.

Mas a transformação atingirá também a arena política. É impossível evitar transformações importantes na forma como a humanidade se organiza a fim de tomar decisões para sobreviver e progredir.  A democracia grega e a vaga de inovações políticas desencadeadas pela Revolução Francesa e pela Revolução Russa, são apenas alguns exemplos disso.

Estimulada pela transformação na aquisição, utilização e conservação do poder, a humanidade vai encontrar novas formas de se governar.

Como dizia Saramago, “uma democracia que não se auto-observe, não se autocritique, estará condenada a anquilosar” e acabará por paralisar, ficar só pela forma, como um rótulo de produto há muito fora de prazo e impróprio para consumo humano, parecendo algo que já não é: uma democracia.

A questão central de qualquer tipo de organização social humana, da qual todas as outras decorrem, é a questão do poder.

Por sua própria natureza e definição, o poder democrático será sempre provisório e conjuntural, dependerá da instabilidade do voto, da agitação das ideologias e dos interesses de classes.

O sistema de organização social que até aqui temos designado como democrático tornou-se uma plutocracia, governo dos ricos. A chamada democracia ocidental entrou num processo de transformação retrógrada que é incapaz de parar e inverter, e cujo resultado final será a sua própria negação. 

Temos de deixar de considerar a democracia como um dado adquirido, sagrado, definido de uma vez e para sempre intocável.

Como nos animou o escritor, discutamos a democracia, em todos os lados e foros, encontremos a forma de a reinventar, porque se não o fizermos a tempo, não será só a democracia que se perderá: o progresso, as conquistas civilizacionais e os direitos humanos estarão irremediavelmente condenados.

Claro que teremos sempre os hipócritas em direto na TV.

Consultor de comunicação

Escreve às quintas-feiras


Dupond Guterres e Dupont Barroso e algo mais sério chamado democracia


O sistema de organização social que até aqui temos designado como democrático tornou-se uma plutocracia, governo dos ricos


No seu relatório sobre o estado dos direitos humanos no mundo, a Amnistia Internacional declara que “os nossos direitos estão em risco e a forma como muitos países reagiram às ameaças à segurança nacional resultou no esmagamento da sociedade civil e no incremento da violação dos direitos humanos”.

Mas na opinião da Amnistia, não são só os nossos direitos que estão sob ameaça, também as leis e o sistema que os protegem correm perigo. “São mais de 70 anos de trabalho duro e progressos que estão agora em causa.”

E as liberdades estão mais ameaçadas quando as lideranças políticas são medíocres. Quem assistiu à amena e bacoca cavaqueira entre Dupond Guterres e Dupont Barroso e os ouviu criticar, sem se rirem, “as lideranças nacionais que sacrificaram a Europa aos interesses políticos locais” os mesmos dois que abandonaram o país à sua sorte enquanto faziam cálculo aos seus interesses exclusivamente pessoais?

Ou os dois derramarem beata preocupação sobre um mundo mais perigoso e complexo, em que o Ocidente “não tem uma política para o Médio Oriente, cuja situação está muito pior do que há 20 anos”, como lembrou Barroso, o mesmo que em 2003, todo ereto, apoiou a criminosa invasão do Iraque? Isto recorda-nos que estes tartufos se transmutam na cadência dos seus interesses privados. Tudo o resto, para eles, foi sempre instrumental.

 Numa época de mudança acelerada, em que quase tudo o que fazemos ou experienciamos nas nossas vidas quotidianas foi afetado, há uma área que continua surpreendentemente imune:

As formas como nos governamos, como governamos as nossas comunidades e o sistema internacional. Ou as formas como nós, enquanto indivíduos, nos envolvemos no processo político.

As ideologias transformam-se em tese e desaparecem, os partidos nascem e morrem, algumas práticas governamentais foram melhoradas por reformas e pela tecnologia da informação. É verdade que cada vez mais pessoas são governadas por líderes que elegeram, e não por ditadores impostos.

Mas apesar de tudo, estas tímidas mudanças ficam muito aquém das transformações extraordinárias ocorridas nas comunicações, na medicina, nas empresas, na conquista do espaço, na física e até na guerra.

Ou seja, a atividade política, que se encontra na origem da organização do homem social, que influi na sua cidadania e que molda a aplicação de toda a descoberta científica e desenvolvimento técnico, é extremamente conservadora e fechada à inovação.

É também por isso que os partidos políticos tradicionais vivem a contradição insanável de, querendo afirmar-se como pilares do poder democrático, verem afastar-se de si os cidadãos, que não lhes reconhecerem capacidade para acompanharem os desafios que o progresso lhes coloca no seu quotidiano.

Mas a transformação atingirá também a arena política. É impossível evitar transformações importantes na forma como a humanidade se organiza a fim de tomar decisões para sobreviver e progredir.  A democracia grega e a vaga de inovações políticas desencadeadas pela Revolução Francesa e pela Revolução Russa, são apenas alguns exemplos disso.

Estimulada pela transformação na aquisição, utilização e conservação do poder, a humanidade vai encontrar novas formas de se governar.

Como dizia Saramago, “uma democracia que não se auto-observe, não se autocritique, estará condenada a anquilosar” e acabará por paralisar, ficar só pela forma, como um rótulo de produto há muito fora de prazo e impróprio para consumo humano, parecendo algo que já não é: uma democracia.

A questão central de qualquer tipo de organização social humana, da qual todas as outras decorrem, é a questão do poder.

Por sua própria natureza e definição, o poder democrático será sempre provisório e conjuntural, dependerá da instabilidade do voto, da agitação das ideologias e dos interesses de classes.

O sistema de organização social que até aqui temos designado como democrático tornou-se uma plutocracia, governo dos ricos. A chamada democracia ocidental entrou num processo de transformação retrógrada que é incapaz de parar e inverter, e cujo resultado final será a sua própria negação. 

Temos de deixar de considerar a democracia como um dado adquirido, sagrado, definido de uma vez e para sempre intocável.

Como nos animou o escritor, discutamos a democracia, em todos os lados e foros, encontremos a forma de a reinventar, porque se não o fizermos a tempo, não será só a democracia que se perderá: o progresso, as conquistas civilizacionais e os direitos humanos estarão irremediavelmente condenados.

Claro que teremos sempre os hipócritas em direto na TV.

Consultor de comunicação

Escreve às quintas-feiras