Quando Orlando Figueira pediu para deixar o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), para onde tinha sido destacado em 2008, já tinham passado pelas mãos do procurador da República milhares de páginas com informação sensível sobre Angola, o sistema financeiro daquele país e as ligações entre o poder político e a alta finança. Não disse para onde ia – deixando outros procuradores incomodados com eventuais conflitos de interesse – e ainda ficou com a porta aberta para voltar ao Ministério Público mais tarde, se quisesse.
É depois de chegar ao DCIAP, o departamento da Procuradoria-Geral da República que investiga a criminalidade mais grave, que a carreira de Orlando Figueira começou a cruzar-se com mais intensidade com Angola. Além dos processos-crime que teve em mãos, e que envolviam altas figuras daquele país, o procurador fez parte da equipa do DCIAP que deu formação a dois grupos diferentes de magistrados angolanos.
Por essa altura, Orlando Figueira já se tinha especializado no direito penal e na criminalidade económico-financeira – foi, de resto, essa a informação que o magistrado fez questão de colocar no currículo que apresentava na BAS, sociedade de advogados (e que ontem continuava disponível no respetivo site).
O escritório, no coração de Lisboa, perto do Marquês de Pombal, foi uma das moradas profissionais do ex-procurador, depois de se afastar do DCIAP. Acabou por ser alvo de buscas durante o dia de ontem, precisamente no mesmo espaço onde exerce Diogo Lacerda Machado, o advogado que o primeiro-ministro António Costa chamou para negociar com o grupo dos chamados lesados do Banco Espírito Santo e com o consórcio privado que entrou no capital da TAP, e que já tinha sido seu secretário de Estado da Justiça no Governo de António Guterres.
As últimas funções assumidas por Orlando Figueira foram as de assessor jurídico do CEO do ActivoBank (que desempenhava desde 2014), uma instituição do grupo Millenium BCP, com ligações a Angola e de que o ex-procurador era colaborador desde o momento em que deixou o Ministério Público (precisamente a informação que preferiu não mencionar junto da hierarquia).
Mais distantes dos contactos internacionais de alto nível, Orlando Figueira começou a carreira como consultor jurídico da Associação de Jovens Agricultores de Portugal, entre 1985 e 1988, logo depois de acabar o curso na Faculdade de Direito de Lisboa. Durante esses três anos, Figueira foi professor do ensino secundário e fez uma pós-graduação em Estudos Europeus e passou pelo Centro de Estudos Judiciários, porta de entrada na magistratura.