António Costa quer que os portugueses fixem este número: 700 milhões de euros. É esse o valor da diferença entre as medidas de aumento do rendimento, no valor de 1372 milhões, e os 600 milhões de aumento de impostos. É esse o número que o primeiro-ministro tem repetido à exaustão para defender um Orçamento do Estado do qual ninguém parece gostar. PS, BE, PCP e PEV admitem que não é o que gostariam de aprovar. PSD e CDS atacam-no por ser “irresponsável” e aumentar a carga fiscal.
Para explicar que este Orçamento possível é, afinal, o menos mau, Costa foi ao parlamento sublinhar que este documento faz uma espécie de quadratura do círculo. “Repõe a normalidade constitucional” e cumpre “os compromissos assumidos pelo PS com o BE, o PCP e o PEV”, ao mesmo tempo que respeita os “compromissos assumidos no quadro do euro”.
Acima de tudo, o que o primeiro-ministro quer deixar claro é que o Orçamento do Estado para 2016 desenhado por Mário Centeno é bem diferente daquele que um governo PSD/CDS teria para apresentar aos portugueses. Por isso, Costa retomou ontem na Assembleia da República a comparação que tem feito entre o seu Orçamento e o Programa de Estabilidade entregue por Passos Coelho em Bruxelas em abril do ano passado. Os 600 milhões de euros de corte em pensões previstos no documento feito por Passos, que marcaram a campanha das legislativas, voltaram, por isso, a ser usados por Costa para marcar a diferença entre as suas políticas e as do governo da direita.
“Sim, este é um Orçamento responsável, que dialoga com as instituições europeias, com os parceiros sociais, com os partidos parlamentares, mas é um Orçamento que faz escolhas e assume opções”, frisou o primeiro-ministro, que apontou a descida do IVA da restauração, o fim da sobretaxa, o fim da isenção de IMI para os fundos imobiliários e a reposição de prestações sociais como marcas da diferença que, acredita, traduz um “virar da página da austeridade”.
“Este é um Orçamento que prova que há sempre alternativa”, declarou Costa, que atacou a falta de ideias da direita sobre um documento em relação ao qual anunciou ontem o voto contra. “Espero, por isso, que a oposição que tanto critica este Orçamento tenha a frontalidade de aqui apresentar a sua alternativa”, desafiou.
Ataque à direita Apesar das declarações de apelo ao diálogo com o PSD que fez ao “Expresso”, entretanto já secundadas por Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva, António Costa foi particularmente duro com a direita. O primeiro-ministro fez questão de colar o PSD à defesa da austeridade, acusando os sociais-democratas de “todos os dias acenderem uma velinha a ver quando é que uma agência de rating diz que este governo não pode ser”. Costa atacou mesmo o eurodeputado do PSD Paulo Rangel por ter protagonizado um dos “momentos mais tristes” quando falou no Parlamento Europeu para “defender que a Comissão Europeia chumbasse o Orçamento de Portugal”.
Abertura à esquerda Com BE, PCP e PEV a assumir que este Orçamento está longe de ser o queriam, apesar do voto favorável anunciado, António Costa preferiu mostrar alguma abertura às propostas da esquerda na discussão na especialidade. A regra do impacto orçamental neutro é para manter mas, cumprido esse critério, o primeiro-ministro está disposto a acolher algumas propostas. “Reconheço propostas positivas”, apontou ao PCP, depois de ter elogiado a tarifa social da energia proposta pelo BE.
O que António Costa deixou mesmo sem resposta foi a ideia de Catarina Martins de renegociar a dívida. Depois de a líder bloquista ter anunciado que o BE não vai deixar cair essa sua bandeira, o primeiro-ministro não fez qualquer comentário sobre o assunto. Catarina é que defendeu o voto favorável dos bloquistas com a mudança “tímida” que o documento encerra e que, apesar de estar longe do que consideraria necessário, defende como positiva.
O ponto em que Costa quis tranquilizar a esquerda foi o “plano B”, que motivou insistentes perguntas do CDS. O primeiro-ministro usou uma metáfora rodoviária para assegurar que está a fazer o possível para “cumprir as metas” que estão no Orçamento, mas que não pode prever “um desastre ou um engarrafamento que atrase o percurso”. O que pode é garantir que vai manter a política de reposição de rendimentos, crescimento da economia e redução do défice. “Podem estar tranquilos, prosseguiremos a política que temos”, garantiu ao BE.
Uma coisa é certa: apesar de BE, PCP e PEV insistirem nos apelos a uma negociação mais firme com Bruxelas, para já, António Costa não tem de se preocupar com a esquerda, pelo menos no que toca a este Orçamento. Bloquistas, comunistas e verdes saíram em defesa do documento, concentrando todos os ataques no PSD e no CDS. Na esquerda, todos estão convencidos de que a alternativa seria pior, se a nova geometria parlamentar não tivesse permitido a Costa formar governo.