Trump poderá vir a ser o próximo presidente dos Estados Unidos. Se há meses considerei essa possibilidade, sempre entendi também que o mais difícil para o próprio será uma eventual nomeação republicana e não a general election. Porque se vem de um presidente democrata e a ordem natural no país ao fim de dois mandatos é a alternância de uma força para outra. Acrescido à fragilidade de um passado de Hillary Clinton que vem do establishment, de uma grande franja americana caracterizada pelo confortável “Joe” que deixou o secundário e assim esqueceu também a universidade, sem que o mundo, em maior, e o país, em menor grau lhe consigam oferecer o mesmo conforto ou projecto de vida – em muitos sectores que deixaram de estar disponíveis. Welcome to a more competitive world. Mas é justamente o público de Trump e a sua cativação que também me interessa.
Sempre que se sente visado pela imprensa, um senador, Ex-presidente, ou qualquer outro membro que habilmente define como fazendo parte do “terrível establishment,” a retórica vira-se contra estes e outros liberais que o detestam. E eis que surgem os berros, “are you with them? Or are you with me and want to make America great again?” E o público reage. Aí está a sua medalha. O seu catch por mais básico que seja.
Repare-se como num debate nacional longe do simples comício, ele mantém alguma da sua linha, mas de forma muito mais comedida e menos combativa. Trump é um oportunista extremamente ignorante em certos capítulos, mas muito esperto (não confundir com inteligência) noutros, o que lhe permite reconhecer o público que tem diante dele como poucos, jogando com as suas frustrações, medos – e mesmo sentido de vitimização. Atrai esperança para os pobres e justiça para que os “Joe´s” tenham hoje a mesma vida de ontem, num país cada vez mais competitivo e que sofre de alguns dos mesmos males que a Europa.
Não menos preocupante e que ainda mais força lhe deu foi a reacção dos democratas aos ataques de Paris e São Bernardino. Muitos liberais nos EUA que não tinham qualquer apreço pela personagem passaram a simpatizar com ela em virtude dessa mesma negação do “terrorismo islâmico” por parte dos democratas – (e a dificuldade que tiveram em chamar-lhe isso mesmo.) Uma dificuldade que mais tarde se tornaria gritante. Na presença de uma posição moralmente forte por parte dos democratas, a força deste candidato não se começaria a desenhar e as suas posições xenófobas teriam pouco eco.
Trump tem também provado que a generalidade dos americanos pouco ou nada se importam com a mudança constante de posições por parte dos políticos. Desde que estes o façam com confiança e estrondo. Veremos pessoas a cair nisso mesmo na eleição geral. Caso consiga a nomeação republicana, será mobilizador para muitos. Será igualmente irónico vê-lo a mudar de discurso, ajustando-se ao seu novo público. Enquanto Rubio ou Cruz (na hipótese menos provável de um deles levar a nomeação), bem mais fundamentados e educados, não deixarão de sustentar “algumas” posições igualmente extremas numa eleição geral, parece-me que o mesmo não se poderá vir a dizer do cabelo do paulo nunes, que as largará à vista do novo e mais expressivo ou influente “Joe” de modo a agarrar o resultado geral.
Para lá de tudo isto e para os que ainda mantinham esperança no Comité Nacional Republicano, soube-se hoje ainda através do seu porta-voz que – tendo Donald Trump mais votos – a nomeação será sua. Compreende-se. Até prova em contrário (abstenho-me de citar a já muito citada frase de Churchill), you can’t fight democracy. Por mais estúpidos que sejam e venham a ser os caminhos que dela advêm.