Rescaldo. O que há entre um sintetizador e um contrabaixo

Rescaldo. O que há entre um sintetizador e um contrabaixo


O festival Rescaldo regressa hoje a Lisboa com as suas combinações de concertos que têm tanto de improváveis como de imperdíveis.


Há histórias que precisam de começar a ser contadas a partir de longe e pode dizer-se que a do Rescaldo começa em Barcelona, ainda Travassos, um miúdo do Barreiro interessado por jazz (e por música em geral) que calhou aqui de ser narrador e personagem principal ao mesmo tempo lá vivia, muito atento, porém, ao que continuava a passar-se no panorama musical deste lado da fronteira. Acontece que um dia Travassos voltou. “Quando cheguei a Lisboa e comecei a frequentar esses sítios, reparei que os grupos estavam todos um bocadinho isolados, consignados às suas redomas, ao seu pequeno circuito”, conta. “Eu como sempre gostei de música de uma forma abrangente e o que me interessa é a música e não este ou aquele género, pensei que devíamos juntar as pessoas, porque de facto elas estão todas no mesmo barco a rumar para o mesmo sítio.”

Vai daí, decide fazer ele qualquer coisa e organiza um festival para fazer o trabalho que não estava a ser feito. Assim nasceu o Rescaldo, que regressa hoje na sua nona edição, muito diferente daquela primeira, em 2007, posta de pé com orçamento zero. Mantém-se o programador único, Travassos, da produtora e distribuidora de jazz Trem Azul, a que nos últimos anos se juntou o apoio da Culturgest.

Estilos aos pares Muita coisa mudou mas o espírito, “juntar sempre duas propostas em que um concerto seja completamente diferente do outro”, esse mantém-se. É isso mesmo, aqui os concertos são aos pares. “Tens um concerto de jazz com um concerto de música eletrónica e assim consegues combinar dois tipos de público que à partida seriam alheios entre si ou que até se olham de lado.” E o foco são os projetos emergentes, fazer “um balanço daquilo que de mais significativo se passa na música de vanguarda”, sem dar importância a estilos. “Não nos interessa muito o estilo, interessa-nos sim músicas inovadoras que estejam a emergir, projetos que se estejam a consolidar, esse sempre foi o conceito do Rescaldo” Faz por isso sentido que no ano passado o festival tenha estado voltado para o Norte. “A produção que existe no Norte é absolutamente impressionante, eu diria até que maior do que a de Lisboa.”_O_problema é o que se passa à volta. “Com exceção do Barreiro, onde há um foco, num raio muito grande não há praticamente atividade, se formos em direção ao Algarve, é um vazio incrível, enquanto no Norte temos o Porto que é muito forte, mas depois temos outras cidades pequenas que têm uma atividade incrível, como Barcelos, Braga, Santo Tirso. E nessa conjugação toda, sim, às vezes há mais produção no Norte do que aqui.”

Este ano, o Rescaldo volta a olhar para todo o país, para quem quiser matar saudades, com a novidade de descer pela primeira vez à garagem da Culturgest por dois dias, numa programação que se estende também à ZDB e que inclui nomes como Black Bombaim e Norberto Lobo e parelhas com tanto de improvável como de imperdível. Para matar dois coelhos de uma cajadada, uma ideia pode ser ir ver o que se passa dia 25 na ZBD, onde depois do radialista Tiago Castro (Acid Acid), com a sua “música muito lenta, tranquila, meio hipnótica que vai beber aos ensinamentos do psicadelismo dos anos 60”, ainda tem que haver ouvidos que aguentem o poder dos decibéis dos Plus Ultra, um pedaço de rock sludge mesmo sujo. Como ele se quer.

claudia.sobral@ionline.pt